São Paulo, domingo, 12 de janeiro de 2003

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OUTRO LADO

"Eu trabalhei, tenho direito a essa aposentadoria"

DE WASHINGTON

O presidente do BC (Banco Central), Henrique Meirelles, diz ter quitado em novembro passado o empréstimo sem juros de US$ 4,5 milhões que recebeu em 2000 de seu antigo empregador, o FleetBoston, para a aquisição de um apartamento em Nova York.
O presidente do BC diz ainda que a Comissão de Ética Pública do governo autorizou-o a receber aposentadoria do FleetBoston, de US$ 750 mil anuais (R$ 2,4 milhões, R$ 200 mil por mês), enquanto permanecer na presidência do BC.
Meirelles conversou por telefone com a Folha na quinta e sexta-feiras passadas. Ele negou ter saído do banco por oposição de outros executivos a sua gestão. "Saí porque quis", disse ele. (MA)

Folha - Em 2000, o sr. recebeu um empréstimo de US$ 4,5 milhões, sem a incidência de juros e com carência de dez anos, para aquisição de um apartamento em Nova York. O sr. pagou esse empréstimo?
Meirelles -
Sim, foi quitado em 14 de novembro de 2002.

Folha - Por que em novembro e não quando o sr. saiu do banco, em agosto? O sr. já estava sendo sondado para ser presidente do BC brasileiro?
Meirelles -
Eu me aposentei no banco em agosto, vendi o apartamento em novembro e, com o dinheiro da venda, liquidei o empréstimo. Entre agosto e novembro, paguei juros de mercado, como o contrato previa.

Folha - O sr. decidiu manter a aposentadoria concedida pelo FleetBoston mesmo exercendo as atividades de presidente do Banco Central. Considerando os interesses do banco no Brasil, não seria mais ético suspender esses pagamentos?
Meirelles -
Isso já foi aprovado pelo conselho de ética do governo. Além disso, eu trabalhei, tenho direito a essa aposentadoria.

Folha - Entre 1998 e 2002, o sr. foi membro do conselho de acionistas da Raytheon, companhia de armamentos e de aviões que ganhou e gerencia o Sivam, objeto de uma das concorrências mais controversas no Brasil. Por quê?
Meirelles -
Isso é algo pouco entendido no Brasil. Eu fui membro do conselho de administração de três empresas. Da Champion International, da BestFoods e da Raytheon. Nos EUA, as empresas abertas normalmente têm como membros do conselho presidentes, CEOs e executivos de outras empresas.
Por exemplo: o Alan Belda, da Alcoa, é membro do conselho do Citibank. A estrutura de funcionamento das corporações norte-americanas estimula a vinda de membros externos, que não tenham qualquer tipo de relação com a empresa, para melhorar o controle.

Folha - Por que a Raytheon?
Meirelles -
Foi feito um convite e eu aceitei. A Raytheon era a maior indústria da Nova Inglaterra [área que cobre os Estados do Maine, Massachusetts, Connecticut, New Hampshire, Rhode Island e Vermont". E o BankBoston, o maior banco da região. Tanto que, se você for hoje olhar o "board" do FleetBoston, vai ver que um dos membros é Daniel Burnham, o CEO da Raytheon. Isso era tão normal que, antes de mim, outro executivo e ex-CEO do BankBoston Richard Hill foi membro do conselho da Raytheon por mais de dez anos.

Folha - Qual era natureza de sua assessoria à Raytheon?
Meirelles -
Eu representava o acionista. Aprovava o orçamento anual, a nomeação de dirigentes das companhias.

Folha - E no caso da BestFoods, que não é da Nova Inglaterra?
Meirelles -
Fui convidado por minha experiência internacional. A empresa era proprietária, no Brasil, da Refinações de Milho Brasil. No caso da Champion foi a mesma coisa. A companhia queria ter conselheiros com experiência internacional.

Folha - Qual é a relação entre sua saída do FleetBoston, em 2002, e a decisão do banco de retirar de sua responsabilidade, em outubro de 2001, a chefia da divisão corporativa?
Meirelles -
O banco não tirou nada de mim. Isso foi amplamente publicado em 2001. Filiei-me ao PSDB no dia 5 de outubro de 2001, um pouquinho antes dessas mudanças no banco a que você se refere. Aliás, as mudanças no banco ocorreram por solicitação minha.
Comuniquei ao conselho em setembro de 2001 que pretendia voltar para o Brasil, que estava avaliando a possibilidade de concorrer a um cargo público. As mudanças no banco vieram em outubro. Mudei-me para o Brasil, para São Paulo, e de lá gerenciei as operações globais do banco.

Folha - A que o sr. atribui relatos nos EUA conflitantes a esse? Analistas de bancos e até funcionários do banco dizem que o sr. estava em baixa, que foi isolado por um grupo de executivos oriundos do Fleet Financial Group -entre os quais Eugene McQuade, atual número 2, e Jay Sarles, que o substituiu na divisão corporativa do banco e é o atual número 3 na hierarquia da instituição.
Meirelles -
As fofocas são produtos de toda fusão. Existem sempre especulações, falatórios. Não foi diferente no caso da fusão do Boston com o Fleet, em 1999. O BostonBank era um "patrician bank" [de tradição aristocrática", de atacado, juntando-se a um banco de varejo, que começou no pequeno Estado de Rhode Island.
Minha situação sempre foi a mais confortável possível no banco. O CEO [principal executivo" do FleetBoston hoje é o Charles Gifford, meu amigo pessoal, que me levou para Boston em 1996. Se quisesse, eu poderia estar no banco agora como sempre estive. Somos amigos há 20 anos. Aliás, ele não gostou da minha vinda para o Brasil em 2001.

Folha - Uma das versões relatadas em Nova York e em Boston é a de que o banco estava descontente com o sr. por vários motivos. Entre eles, com os gastos de sua mudança de Boston para Nova York, no ano 2000.
Meirelles -
Nunca ouvi reclamações com relação a isso. São coisas de gente mal informada. Na realidade, o "Chad", juntamente com o Terry [Terrence Murray, primeiro CEO do banco depois da fusão", pediu que eu me mudasse para Nova York em 2000. Queriam que eu fosse o executivo sênior do banco em Wall Street. Mudei-me a convite do banco, a pedido do banco. E o banco fez uma série de provisões necessárias para a mudança.
Eu tinha casa em Boston, tinha me mudado de São Paulo para Boston a convite do banco em 1996. Tinha de desmobilizar essa estrutura em Boston e mudar-me para Nova York.
Não sei como alguém pode ter ficado descontente e infeliz com isso. É como invejar o salário dos outros.

Folha - Talvez tivessem ficado descontentes com o custo da mudança. Ao todo, o sr. gastou US$ 1.761.244 em despesas com mudanças entre 2000 e 2001.
Meirelles -
O custo da mudança foi decidido pelo banco. O banco decidiu pagar o custo da mudança para Nova York. É uma coisa normal dentro da política de remoção de executivos.
Existia em Boston uma casa que foi vendida, uma séria de despesas relacionadas com isso. Se alguém ficou infeliz, deveria ter manifestado essa infelicidade na reunião do conselho. Não adianta discordar depois. É o banco quem define o que está disposto a gastar. O banco define antes, me propõe e eu aceito. Não é o contrário. Ninguém tem cheque em branco.



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