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OPINIÃO ECONÔMICA
Cordeiro em pele de cordeiro
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
O setor bancário é um dos
poucos que se beneficiam do
quadro econômico-financeiro vigente no país. Enquanto a produção permanece basicamente estagnada e grande parte dos trabalhadores sofre com o desemprego
ou o subemprego, os bancos, tranqüilos, exibem os seus gordos lucros. Com uma fatia desses lucros,
compram a colaboração ativa ou,
no mínimo, o silêncio de políticos,
economistas e outros formadores
de opinião.
Não se pode dizer que o governo
Lula tenha lutado para modificar
esse quadro, que é bastante antigo.
Ao contrário. Foi uma capitulação
sem luta. O ministro Palocci cercou-se imediatamente de auxiliares identificados com a preservação do "status quo", muitos deles
de olho na possibilidade de cacifar
ou iniciar uma carreira bancária.
O Banco Central continuou como
estava: rigorosamente dependente
do sistema financeiro.
Em 2002, as instituições financeiras, especialmente no exterior,
ainda temiam Lula. A pergunta
delas era a seguinte: O "Lulinha
paz e amor" é para valer? Ou seria
o proverbial lobo em pele de cordeiro? As dúvidas se dissiparam
rapidamente. Hoje, podemos dizer
do atual presidente brasileiro o
que Winston Churchill dizia do líder trabalhista Clement Attlee: "É
um cordeiro em pele de cordeiro".
Antes de prosseguir, preciso fazer uma pausa para prestar breve
homenagem ao Conselheiro Acácio. Eis o que eu queria ressalvar:
ninguém pode ser contra a existência de instituições financeiras;
qualquer economia tem que ter os
seus bancos e outros intermediários financeiros.
O problema é a configuração do
sistema financeiro brasileiro. Dominado por poucas instituições,
esse sistema concentra enorme
parcela do poder econômico e político. Não cumpre, ou cumpre
mal, funções de caráter construtivo. Empresta pouco para as atividades produtivas. Quando o faz,
cobra taxas exorbitantes em empréstimos de prazo curto. O financiamento dos investimentos continua dependendo do BNDES e de
outros bancos públicos. Os bancos
privados se limitam em grande
medida a realizar operações especulativas, a carregar títulos federais e a captar recursos do público
para financiar o carregamento
desses papéis, além de cobrar tarifas extorsivas pela prestação de
serviços bancários. Na medida do
possível, os brasileiros de bom senso fogem do crédito bancário como o diabo da cruz.
O que se conhece no Brasil como
ortodoxia econômico-financeira
seria mais propriamente chamada de heterodoxia selvagem. Afinal, em que outro país do mundo
acontece o que se vê por aqui, há
décadas e décadas: a remuneração
de ativos financeiros, líquidos ou
quase líquidos, com taxas de juro
extraordinariamente elevadas em
termos reais?
Quais são os planos dessa oligarquia financeira para as eleições de
2006? Antes de tudo, tirar do páreo
qualquer candidato à Presidência
da República que possa ameaçar a
continuação do quadro econômico-financeiro. Qualquer postulante que der demonstrações de independência e capacidade de pensar
por conta própria será pronta e
impiedosamente fulminado.
Não há mistério. Querem impingir-nos mais "um cordeiro em pele
de cordeiro", alguém manifestamente incapaz de renovar o país e
a sua política econômica. Pode até
ser o próprio Lula, já devidamente
enquadrado. Ou, de preferência,
algum tucano no estilo FHC (uma
vez que esse último, lamentavelmente, não tem condições de disputar com chances).
A principal fragilidade desses
planos talvez seja a seguinte: o jogo está ficando óbvio demais. A
nossa democracia incipiente converteu-se em uma descarada plutocracia. A irritação do brasileiro é
crescente. Ainda nestes dias, um
leitor me enviou mensagem sintomática. Depois de relatar a sua experiência traumatizante com o
sistema financeiro, ele concluiu,
exaltado: "O setor financeiro brasileiro não é um caso para a Justiça nem de polícia, é um caso mais
apropriado para OSAMA BIN LADEN".
Até parte da elite nacional começa a perder a calma, como se
notou, por exemplo, na entrevista
do presidente da Fiesp, Paulo Skaf,
à Folha ("Fiesp declara "guerra" à
equipe econômica", 25/12/2005,
pág. B3). Nunca um presidente da
Fiesp referiu-se de forma tão dura
à política econômica, em especial
à diretoria do Banco Central.
Ainda acabaremos dando razão
a Thomas Jefferson, que costumava dizer (como me lembrou um
outro leitor): "I believe that banking institutions are more dangerous to our liberties than standing
armies" (acredito que instituições
bancárias sejam mais perigosas
para nossas liberdades do que
exércitos permanentes).
Paulo Nogueira Batista Jr., 50, economista e professor da FGV-EAESP, escreve
às quintas-feiras nesta coluna. É autor
do livro "O Brasil e a Economia Internacional: Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/Elsevier, 2005).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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