São Paulo, quinta-feira, 12 de janeiro de 2006

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OPINIÃO ECONÔMICA

Cordeiro em pele de cordeiro

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

O setor bancário é um dos poucos que se beneficiam do quadro econômico-financeiro vigente no país. Enquanto a produção permanece basicamente estagnada e grande parte dos trabalhadores sofre com o desemprego ou o subemprego, os bancos, tranqüilos, exibem os seus gordos lucros. Com uma fatia desses lucros, compram a colaboração ativa ou, no mínimo, o silêncio de políticos, economistas e outros formadores de opinião.
Não se pode dizer que o governo Lula tenha lutado para modificar esse quadro, que é bastante antigo. Ao contrário. Foi uma capitulação sem luta. O ministro Palocci cercou-se imediatamente de auxiliares identificados com a preservação do "status quo", muitos deles de olho na possibilidade de cacifar ou iniciar uma carreira bancária. O Banco Central continuou como estava: rigorosamente dependente do sistema financeiro.
Em 2002, as instituições financeiras, especialmente no exterior, ainda temiam Lula. A pergunta delas era a seguinte: O "Lulinha paz e amor" é para valer? Ou seria o proverbial lobo em pele de cordeiro? As dúvidas se dissiparam rapidamente. Hoje, podemos dizer do atual presidente brasileiro o que Winston Churchill dizia do líder trabalhista Clement Attlee: "É um cordeiro em pele de cordeiro".
Antes de prosseguir, preciso fazer uma pausa para prestar breve homenagem ao Conselheiro Acácio. Eis o que eu queria ressalvar: ninguém pode ser contra a existência de instituições financeiras; qualquer economia tem que ter os seus bancos e outros intermediários financeiros.
O problema é a configuração do sistema financeiro brasileiro. Dominado por poucas instituições, esse sistema concentra enorme parcela do poder econômico e político. Não cumpre, ou cumpre mal, funções de caráter construtivo. Empresta pouco para as atividades produtivas. Quando o faz, cobra taxas exorbitantes em empréstimos de prazo curto. O financiamento dos investimentos continua dependendo do BNDES e de outros bancos públicos. Os bancos privados se limitam em grande medida a realizar operações especulativas, a carregar títulos federais e a captar recursos do público para financiar o carregamento desses papéis, além de cobrar tarifas extorsivas pela prestação de serviços bancários. Na medida do possível, os brasileiros de bom senso fogem do crédito bancário como o diabo da cruz.
O que se conhece no Brasil como ortodoxia econômico-financeira seria mais propriamente chamada de heterodoxia selvagem. Afinal, em que outro país do mundo acontece o que se vê por aqui, há décadas e décadas: a remuneração de ativos financeiros, líquidos ou quase líquidos, com taxas de juro extraordinariamente elevadas em termos reais?
Quais são os planos dessa oligarquia financeira para as eleições de 2006? Antes de tudo, tirar do páreo qualquer candidato à Presidência da República que possa ameaçar a continuação do quadro econômico-financeiro. Qualquer postulante que der demonstrações de independência e capacidade de pensar por conta própria será pronta e impiedosamente fulminado.
Não há mistério. Querem impingir-nos mais "um cordeiro em pele de cordeiro", alguém manifestamente incapaz de renovar o país e a sua política econômica. Pode até ser o próprio Lula, já devidamente enquadrado. Ou, de preferência, algum tucano no estilo FHC (uma vez que esse último, lamentavelmente, não tem condições de disputar com chances).
A principal fragilidade desses planos talvez seja a seguinte: o jogo está ficando óbvio demais. A nossa democracia incipiente converteu-se em uma descarada plutocracia. A irritação do brasileiro é crescente. Ainda nestes dias, um leitor me enviou mensagem sintomática. Depois de relatar a sua experiência traumatizante com o sistema financeiro, ele concluiu, exaltado: "O setor financeiro brasileiro não é um caso para a Justiça nem de polícia, é um caso mais apropriado para OSAMA BIN LADEN".
Até parte da elite nacional começa a perder a calma, como se notou, por exemplo, na entrevista do presidente da Fiesp, Paulo Skaf, à Folha ("Fiesp declara "guerra" à equipe econômica", 25/12/2005, pág. B3). Nunca um presidente da Fiesp referiu-se de forma tão dura à política econômica, em especial à diretoria do Banco Central.
Ainda acabaremos dando razão a Thomas Jefferson, que costumava dizer (como me lembrou um outro leitor): "I believe that banking institutions are more dangerous to our liberties than standing armies" (acredito que instituições bancárias sejam mais perigosas para nossas liberdades do que exércitos permanentes).


Paulo Nogueira Batista Jr., 50, economista e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "O Brasil e a Economia Internacional: Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/Elsevier, 2005).
E-mail - pnbjr@attglobal.net


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