São Paulo, sábado, 12 de janeiro de 2008

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STEPHEN ROACH

O preço dos ativos dos EUA tem de cair

Uma queda acentuada nos preços dos ativos, como os imóveis, é necessária para reequilibrar a economia

OS EUA são os maiores culpados pelos desequilíbrios que desestabilizaram o mundo nos últimos anos. O imenso déficit norte-americano em conta corrente absorve 75% dos excedentes mundiais de poupança. A maioria das pessoas acredita que uma queda no dólar é a melhor cura. Mas a moeda caiu 23% de fevereiro de 2002 para cá, em termos reais, e o impacto geral sobre o desequilíbrio nas contas externas do país foi mínimo.
Os defensores de um dólar fraco argumentam que mais desvalorização é a resposta. Há motivos para duvidar disso. O déficit em conta corrente se deve mais a bolhas nos preços dos ativos do que a um desalinhamento no dólar. Resolver a situação requer mais uma correção nos preços dos ativos do que nova desvalorização. O problema é a escassez de poupança no país. Com a poupança líquida nacional respondendo por só 1,4% do PIB nos últimos cinco anos, os EUA tinham de importar excedentes de poupança externa para continuar crescendo.
A aversão dos EUA a poupar não surgiu do nada. Ondas de valorização de ativos -ações e imóveis residenciais- convenceram os cidadãos de que uma nova era havia chegado. Com o reforço de uma bolha de crédito barato, a percepção de que era necessário poupar à maneira tradicional -gastando menos do que se tem de renda- quase desapareceu.
Com bolhas nascidas de bolhas, os desequilíbrios atingiram níveis épicos nos EUA. Uma queda acentuada nos preços dos ativos é necessária para reequilibrar a economia. É realista esperar que o mix da poupança volte a depender de modelo sustentado pela geração de renda, e não da valorização de ativos. Isso poderia envolver queda de até 30% no preço dos imóveis residenciais dos EUA e deflação da bolha de crédito barato.
Essas duas tendências parecem já estar em ação. Os preços dos imóveis residenciais caíram 6% nos 12 meses até outubro de 2007. Enquanto isso, graças à crise no crédito imobiliário de risco ("subprime"), a bolha do crédito estourou. Com a chegada de período de queda nos preços dos imóveis residenciais, os consumidores reconhecerão os perigos de estratégias de poupança distorcidas pelo efeito da bolha. Os domicílios abalados financeiramente responderão pela reconstrução da poupança baseada em renda. Isso significa que a proporção que o consumo representa no PIB cairá, e os EUA devem cair em recessão.
A volta à poupança baseada em renda terá desdobramento decisivo também para o resto do mundo. À medida que o consumo freia e a poupança domiciliar sobe nos EUA, a necessidade de importar excedentes externos de poupança cairá. A demanda por capital internacional se retrairá, o que resultará em redução tanto da conta corrente quanto dos déficits comerciais americanos. A economia mundial sairá contundida, mas com equilíbrio melhor.
As autoridades e políticos de Washington precisam recuar e permitir que esse ajuste aconteça. Mas eles estão reagindo com pânico promovendo imensas injeções de liquidez que resultarão em nova bolha de ativos, bem como propondo medidas de estímulo à economia na forma de gastos públicos, o que reduziria ainda mais o nível de poupança interna.
Abandonar o comportamento que nos levou ao vício em ativos será um processo muito doloroso. Ninguém deseja recessões e desemprego. Mas esse foi sempre o resultado final de uma economia propensa a bolhas. Quanto mais adiarmos o momento de agir de maneira drástica, mais caro sairá o ajuste. Por mais difícil que seja, a única maneira sensata de agir é permitir que o mercado funcione. É esse o significado do estouro das bolhas de crédito e ativos dos EUA.


STEPHEN ROACH é presidente do conselho do Morgan Stanley Asia. Este artigo foi publicado originalmente no "Financial Times".
Tradução de PAULO MIGLIACCI


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