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LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
Não conserta o desconserto
Hoje, a indústria brasileira está condenada à quase
estagnação. Infelizmente, o
PAC não resolverá o problema
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O DRAMA econômico brasileiro
está presente no debate entre os representantes da ortodoxia convencional entrincheirados no Banco Central e o restante do
governo, que aposta no PAC.
De um lado, temos a dependência,
a subordinação a uma ortodoxia
convencional vinda do Norte que fala em nome da estabilidade macroeconômica, mas mantém um câmbio
não-competitivo e uma taxa de juros
alta, incompatíveis com essa estabilidade.
Do outro, o velho nacional-desenvolvimentismo, que supõe que os
problemas brasileiros se resolverão
quando o Estado voltar a planejar e
lograr implantar uma política industrial, como havia nos anos 1970.
Nenhum dos dois grupos tem
realmente uma proposta para o Brasil. O primeiro grupo está no poder
desde o segundo ministério Collor
(1991), e o fracasso de sua proposta
está hoje claro para todos. Seu grande sucesso -o Plano Real (1994)-
foi seu momento de heterodoxia, de
pensamento autônomo e inovador,
esquecido no ano seguinte. O segundo grupo acaba de chegar ao poder, e
provavelmente percebe a insuficiência do PAC, mas, como o presidente insiste em manter a política
macroeconômica equivocada, faz
sua aposta no passado.
O PAC é uma boa iniciativa visando coordenar as ações do governo no
plano dos investimentos públicos e
privados. O objetivo é elevar a taxa
de investimento para 25%, que permitiria ao país crescer cerca de 5%
ao ano. O método consiste na administração dos investimentos governamentais e num conjunto de estímulos fiscais aos investimentos privados. Conforme afirmou Benjamin
Steinbruch em sua coluna, o PAC,
"apesar de todas as ressalvas, é um
criador de boas expectativas".
Entretanto o PAC não enfrenta o
problema central da economia brasileira, que é a falta de estabilidade
macroeconômica, não conserta o
desconserto representado pela política de altos juros e câmbio baixo do
Banco Central. Só uma política novo-desenvolvimentista, baseada no
ajuste fiscal e na desvinculação dos
juros pagos pelos títulos públicos da
taxa de juros de curto prazo decidida
pelo Copom, e completada por uma
administração mais proativa da taxa
de câmbio, levará o Brasil a alcançar
a estabilidade macroeconômica necessária ao desenvolvimento econômico.
Na última semana, o debate dentro do governo, diante da contínua
apreciação do real, que ameaça cair
abaixo de R$ 2, mostrou o vôo curto
do PAC e a perversidade da ortodoxia convencional. Dada a taxa de juros real astronômica que é imposta
aos títulos públicos, o Banco Central
não pode intervir comprando no nível necessário na taxa de câmbio.
Esta, por sua vez, tende a se manter
sobreapreciada devido à taxa de juros elevada que atrai capitais, à política de crescimento com poupança
externa e, principalmente, à doença
holandesa. Esta última pressiona a
taxa de câmbio para baixo, na medida em que a produção de bens usando recursos naturais abundantes
e/ou mão-de-obra barata é rentável
com uma taxa de câmbio menor do
que a necessária para o crescimento.
A taxa de câmbio decorrente garante as exportações de produtos
primários e de bens produzidos por
uma indústria que vai se transformando em "indústria maquila", que
se limita às tarefas com baixo conteúdo tecnológico e baixo valor adicionado per capita. Fica, assim, impossibilitado o desenvolvimento
que exige a transferência de mão-de-obra para indústrias com maior
valor adicionado per capita, que, para serem viáveis, exigem uma taxa
de câmbio não prejudicada pela
doença holandesa.
A ortodoxia convencional reinante, naturalmente, ignora esses fatos.
Desconhece a enorme falha de mercado que é a doença holandesa e
continua a crer que o mercado equilibra de forma correta a taxa de câmbio. O nacional-desenvolvimentismo também ignorava a doença holandesa, mas a combatia sem saber
ao defender a proteção tarifária. Hoje, a indústria brasileira, sem a "proteção" tarifária ou cambial que lhe garanta uma taxa de câmbio verdadeiramente de equilíbrio, está condenada -e, com, ela toda a economia brasileira- à quase estagnação.
O PAC, infelizmente, não resolverá
o problema.
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 72, professor emérito
da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda, da
Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia, é autor de
"As Revoluções Utópicas dos Anos 60".
Internet: www.bresserpereira.org.br
lcbresser@uol.com.br
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