São Paulo, domingo, 12 de março de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPINIÃO ECONÔMICA

Educação e desenvolvimento

JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN


No começo da década de 70, Carlos Langoni voltou ao Brasil trazendo os resultados de sua tese de doutoramento na Universidade de Chicago, onde documentou que investimentos em educação no nosso país tinham uma taxa de retorno muito alta e que, além disso, poderiam servir para reduzir a desigualdade. A qualidade do trabalho de Langoni havia impressionado seus professores, entre os quais Theodore Schultz e Gary Becker, que viriam a receber o Prêmio Nobel pela contribuição que fizeram ao estudo do "capital humano". Mas a tese foi acolhida com hostilidade no meio acadêmico brasileiro e, infelizmente, teve pouca influência na política educacional.
Mas hoje há um consenso cada vez maior sobre a importância da educação no desenvolvimento. Países asiáticos como a Coréia do Sul são exemplos do impacto de investimentos maciços em educação primária e secundária. Estudos recentes argumentam que diferenças em investimento na educação terciária -3% do PIB nos EUA, mas apenas 1,1% do PIB na Europa- ajudam a explicar os hiatos de crescimento econômico e de ganhos de produtividade entre os EUA e a Europa.
Um problema na análise estatística da relação entre educação e desenvolvimento é que a demanda por educação aumenta na medida em que um país se torna mais rico. Investimentos em educação poderiam estar correlacionados com o crescimento sem que houvesse uma relação de causalidade. Há muitos exemplos de países que investiram em educação quando ainda eram pobres e depois cresceram rapidamente, mas os economistas preferem, por boas razões, argumentos baseados na análise estatística de bases de dados ao estudo de casos.
Um artigo recente de professores da Universidade Harvard* ajuda a resolver essa questão. O trabalho utiliza métodos estatísticos sofisticados para separar o efeito da educação no crescimento, da maior demanda por educação que resulta do aumento de riqueza.
Em vez de comparar países, os autores estudaram variações em investimentos em educação entre os Estados norte-americanos, o que diminui a heterogeneidade de outros fatores determinantes do desenvolvimento. Afora demonstrar que gastos em educação geram crescimento econômico, os pesquisadores de Harvard documentaram que os investimentos em pós-graduação e centros de pesquisa têm um efeito muito maior nos Estados onde o avanço tecnológico já é mais extenso, como Massachusetts, do que em Estados menos desenvolvidos, como o Alabama.
Uma razão provável é que gastos em educação avançada são mais produtivos onde já existe mais atividade de ensino de pós-graduação e de pesquisa. Uma outra é que esses gastos estimulam investimentos complementares em inovação tecnológica. Para Estados mais longe da fronteira tecnológica, investimentos em educação secundária têm maior impacto no desenvolvimento do que gastos em educação avançada.
Para o Brasil, há pelo menos duas lições. A primeira é que precisamos aumentar os gastos em educação, focalizando principalmente nos níveis primário e secundário. A segunda é que os investimentos em educação avançada devem ser concentrados em localidades onde já existem centros importantes de educação e de pesquisa.
Essas conclusões não serão bem recebidas pelos que preferem que o governo federal concentre os seus gastos nas universidades ou pelos defensores da "descentralização" da pós-graduação e da pesquisa universitária. Mas será uma pena se os nossos governantes não levarem em consideração, mais uma vez, a evidência empírica sobre a conexão entre educação e desenvolvimento.


* "Exploiting States" Mistakes to Identify the Causal Impact of Higher Education on Growth", Philippe Aghion, Leah Boustan, Caroline Hoxby e Jerome Vandenbussche, http://post.economics.harvard.edu/faculty/aghion/papers/Exploiting-States-Mistakes.pdf

José Alexandre Scheinkman, 58, professor de economia na Universidade Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.
E-mail -
jose.scheinkman@gmail.com



Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: Lições Contemporâneas - Luiz Gonzaga Belluzzo: A turma do gol contra
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.