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ENTREVISTA
Previsor do estouro da "bolha da internet" afirma que EUA, Europa e Japão perdem espaço para China e Índia
País segue vulnerável na nova ordem mundial
Nir Elias - 24.fev.06/Reuters
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Chineses visitam moinho de energia eólica; país avança com combinação entre salário baixo e investimento estrangeiro, diz King |
FERNANDO CANZIAN
DA REPORTAGEM LOCAL
Homônimo do famoso escritor
de histórias de terror, o economista britânico Stephen King é
considerado o primeiro a ter previsto com muita antecedência os
horrores saídos do estouro da
"bolha da internet", em 2000.
Chefe do Departamento de Pesquisas Globais do banco HSBC e
colunista do jornal britânico "The
Independent", King afirma que os
"velhos tempos" em que EUA,
Europa e Japão dominavam a
economia mundial terminaram.
Países como China e Índia, diz,
devem ocupar cada vez mais espaço, e mais rapidamente.
Nessa nova configuração, o Brasil continua dependente do resto
do mundo e ainda vulnerável aos
reflexos do que pode acontecer
fora de suas fronteiras. O atual
processo de alta de juros nas economias centrais, diz King, poderá
ter efeitos sobre a demanda de
commodities e afetar o Brasil.
Nas contas de King, os países-membros do G7 representam hoje 62% da atividade econômica
mundial, contra 70% há 15 anos.
"O espaço vai sendo ocupado rapidamente por outros", afirma.
Leia a seguir entrevista telefônica concedida por King à Folha de
seu escritório em Londres:
Folha - O sr. considera que a paisagem econômica mundial está
mudando rapidamente. Onde estão os novos motores do mundo e
quais as razões dessa mudança?
Stephen King - China e Índia são
os mais importantes, mas creio
que o Brasil também faça parte
dessa história. Muitas coisas mudaram nos últimos anos. Entre as
mais importantes é que China e
Índia tiveram mudanças políticas
profundas. A China voltou a ter
uma interação e conexão muito
maior com o mundo. O sucesso
do país nos últimos anos resulta
de uma forte combinação entre
baixos salários com enormes ondas de investimentos estrangeiros. Algo similar também aconteceu à Índia.
A segunda grande mudança
veio por meio da tecnologia, com
uma queda abrupta nas tarifas de
telecomunicação. O século 21 nessa área é equivalente à revolução
das ferrovias no Reino Unido no
século 19. A diferença é que as estradas de ferro ligavam cidades
dentro dos países. A revolução
nas telecomunicações liga cidades
e negócios entre países.
O mais importante é que muito
mais empresas e pessoas na economia global têm hoje acesso a
capitais de boa qualidade. No passado, o capital estava restrito a
países da Europa, EUA e Japão.
Quando ficou possível transportar o capital rapidamente para
países onde o custo do trabalho é
relativamente menor, eles passaram a contar com um potencial
de crescimento bem mais acelerado. Isso ocorreu especialmente na
China, na Índia e, em menor proporção, na América Latina.
Folha - O que explica a concentração de taxas de investimento e
crescimento na Ásia?
King - Creio que haja razões geográficas específicas para isso.
Uma das razões do crescimento
acelerado da China é que o país
está bem ali ao lado do Japão. Durante os anos 90, quando as taxas
de investimento e de consumo no
Japão eram muito baixas, as companhias japonesas simplesmente
transportaram seu capital do Japão para a China, especialmente
pelo fato de o custo de mão-de-obra na China ser muito baixo.
Há de fato uma razão geográfica.
No caso da Índia, existe um
componente migratório muito
forte, com milhares de indianos
com altos níveis de educação e especialização em áreas de tecnologia voltando ao país depois de adquirirem larga experiência em locais como o Vale do Silício.
Folha - Nesse cenário, como é que
fica o Brasil, hoje crescendo bem
abaixo da média mundial?
King - O ponto crítico é ter certeza de que o país se tornará estável
do ponto de vista macroeconômico. O Brasil tem feito um trabalho
muito bom nos últimos anos, especialmente depois da crise de
1999. Uma das dificuldades que o
Brasil e a América Latina têm em
geral é a de ainda carregarem um
grande nervosismo dos investidores em relação ao país. O passado
não é bom e isso é ainda difícil de
lidar, pois, uma vez que a reputação é estabelecida, de forma justa
ou não, fica muito difícil reverter
o quadro e atrair capitais.
Folha - O sr. acha que ainda há
uma suspeita de que o Brasil possa
dar um "calote", depois de todos
esses anos?
King - As coisas estão indo por
um bom caminho, mas um grande teste será ver como o país vai se
comportar no caso de choques
externos vindo de outras partes
do mundo. Se voltarmos às crises
da Rússia e da Ásia no final dos
anos 90, podemos nos lembrar de
como o Brasil foi afetado por elas.
A questão hoje é saber se há evidências suficientes para dizer que
o Brasil está mais imune a esse tipo de turbulência.
A boa notícia é que a preocupação com a inflação tem sido bem
menor na comparação com o passado recente, que o perfil de endividamento do país esteja se tornando mais sólido, com vários
pagamentos antecipados, e que o
Brasil venha se beneficiando dos
ganhos nos preços das commodities internacionais.
Mas o teste pode vir com um
aperto maior da política monetária dos EUA (juros maiores) e
uma desaceleração da economia
americana. Nessas circunstâncias,
os preços das commodities vão
cair e será preciso ver como o Brasil afinal vai se comportar.
Folha - Em outras palavras, o sr.
diz que continuamos vulneráveis.
King - Isso é verdade para o Brasil e para vários outros mercados
emergentes. A globalização trouxe ao mundo seus prós e contras.
Houve um aumento da integração e interdependência entre países que têm mão-de-obra barata
com outros que têm capital para
investimentos. Mas isso também
pode levar a um aumento das incertezas em momentos de crise.
Há um movimento natural dos
investidores nessas horas de voltar para casa. Isso deixa os mercados emergentes vulneráveis, pois
são dependentes desses capitais.
Mas a boa notícia aqui é que o
Brasil e outros emergentes estão
cada vez menos dependentes da
entrada líquida de capitais.
Folha - Muitos países emergentes
têm hoje superávits em conta corrente, enquanto as economias centrais carregam déficits. Quais são
as implicações disso?
King - É um assunto complicado, pois muitas pessoas têm visões diferentes sobre esse mesmo
problema. Uma das razões é que
os países asiáticos estão poupando muito para evitar a repetição
de uma crise como a que os envolveu no final do anos 90.
A outra é que, em um mundo
que está crescendo rápido, a
maioria dos países produtores de
commodities está concentrada
nos mercados emergentes. Quando esses preços sobem, tendem a
beneficiar os países e os preços
das commodities que exportam.
Ao mesmo tempo, há uma deterioração nas contas de países como os EUA e europeus, que dependem da importação de petróleo e de outras commodities.
Folha - Em 1999, o sr. previu o estouro da "bolha da internet" quando ainda havia muito otimismo. O
sr. vê algum estouro à frente, já
que tudo parece muito bem?
King - Os mercados já começam
a ficar um pouco mais nervosos
por causa de um aperto mais
agressivo nas políticas monetárias
do Fed (banco central dos EUA) e
dos bancos centrais europeu e japonês. Mas há outras coisas com
as quais temos de ficar preocupados, como os preços no mercado
imobiliário americano, que estão
bastante inflacionados sob qualquer medida que se possa utilizar.
Se o consumo dos americanos
também continuar dependente
como hoje do valor que têm garantido nesses bens (imobiliários)
e em ações, poderá haver uma
queda relativamente rápida desse
mesmo consumo com uma continuidade do aperto monetário em
curso nos próximos meses. Isso
não seria uma boa notícia para
países emergentes que dependem
da exportação de commodities.
Enfim, há muitos riscos lá fora.
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