São Paulo, quarta-feira, 12 de março de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

O real e os irrealismos cambiais

Plano discutido para conter a valorização do real é o mesmo de novembro passado; dúvida sobre sua eficácia também

EM PELO menos duas ocasiões, no ano passado, o governo sofreu da febre terçã do real forte. Em fevereiro, rechaçou a pressão de empresários, "desenvolvimentistas" e PT. Em novembro, além do "fundo soberano", a Fazenda discutia um pacote idêntico ao que voltou a cogitar, segundo o jornal "Valor".
Na tarde de ontem, estava marcada reunião do Conselho Monetário Nacional para hoje. Durante a noite, Guido Mantega, da Fazenda, e Henrique Meirelles, ministro-presidente do BC, discutiam "medidas".
Em fevereiro, Mantega descartou controle de capitais. "Para o atual sistema financeiro, o controle de capitais é inadequado porque não é mais no mercado à vista que se verificam os movimentos de operações cambiais, mas no mercado futuro. E no mercado futuro o capital físico não entra. Então, não adianta fechar as portas porque não terá os resultados esperados", dizia o ministro.
Em novembro, a Fazenda discutia o aumento do IOF na entrada de capital externo, a volta do Imposto de Renda sobre ganhos de estrangeiros com títulos da dívida pública e a permissão para exportadores deixarem seu faturamento no exterior. A queda da CPMF e a crise americana levaram o Ministério da Fazenda a enterrar o plano.
Bem, aumentar imposto sobre operação financeira de não-residentes pode reduzir, ao menos temporariamente, o volume da entrada de dólares. Mudará a tendência?
Pode-se "chutar a porta" da BM&F, do mercado futuro de câmbio. Isto é, elevar o risco de especular com o real, fazendo com que as variações do câmbio possam implicar perdas maiores para os investidores.
Mas tal solução talvez "abra uma lata de vermes", crie uma imprevisível confusão, como dizem os americanos. Teria de ser uma medida muito esperta para que funcionasse, não desse rolo e ainda não fosse driblada pelo mercado em três meses.
Baixar os juros pode tornar menos atrativo o mercado brasileiro e, de quebra, reduzir o custo de manter reservas. "Tudo o mais constante", no médio prazo, juro menor pode conter a valorização da moeda. Mas tão cedo não haverá, ou poderá haver, queda significativa da Selic. Incentivar a exportação por meio de corte de impostos pode aumentar a produção doméstica (a depender da amplitude da "desoneração tributária") e ampliar o comércio, mas não vai tratar do caso do real forte e das empresas que dele apanham.
Estranho é considerar que o pequeno Brasil possa controlar o dólar, que despenca com a economia e os juros dos Estados Unidos. Pode-se, porém, fazer com que o real afunde com a moeda americana. Bom? Países que de um modo ou outro atrelaram suas moedas ao dólar, na Ásia e no Oriente Médio, estão soltando as amarras, pois temem inflação. Até a China, manipuladora-mor da desvalorização da moeda, está nessa.
Mais estranha ainda é a esquizofrenia nacional em relação ao câmbio. Num dia, teme-se que a crise americana no fim das contas desvalorize demais o real, provoque inflação e eleve os juros. Noutro, o real forte torna-se ameaça letal para crescimento e emprego -no limite, é letal mesmo (mas qual é o limite?).
Enfim: em meio a tamanha confusão mundial, isso é hora de mudar política de câmbio?


vinit@uol.com.br

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