São Paulo, quinta-feira, 12 de abril de 2007

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Brasil é campeão de inflação em 45 anos

Percentual chega à casa dos 14 quatrilhões de 1961 a 2006; dos seis primeiros países da lista, cinco são sul-americanos

Argentina é a 2ª colocada, com taxa de 256 trilhões, e a Noruega, com 916%, tem a menor inflação; atualmente, Brasil ocupa a 24ª posição


JANAÍNA LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

Nos últimos 45 anos, o Brasil conquistou um título nada lisonjeiro: o de campeão mundial de inflação. A taxa acumulada no período chegou a 14.210.480.006.034.800% de 1961 a 2006. O percentual, na casa dos quatrilhões, consta em estudo do Bradesco obtido com exclusividade pela Folha.
"Esses números, com outras coisas, como a negligência na área de educação, ajudam a contar como se construíram as mazelas sociais existentes no Brasil", afirmou o diretor de Pesquisa Macroeconômica do Bradesco, Octávio de Barros. "É um resultado cósmico. Para medi-lo, é preciso lançar mão de unidades usadas por astrônomos", resumiu o diretor do Departamento de Economia do Ciesp, Boris Tabacof.
Para fazer o cálculo, os economistas do Bradesco levaram em conta o IPC (Índice de Preços ao Consumidor) entre os anos de 1961 e 1980. A partir daí, o indicador escolhido foi o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), considerado melhor para espelhar a realidade brasileira. Antes de 1980, o IPCA não existia.
A vice-liderança do ranking inflacionário coube à Argentina. No período da pesquisa, o país vizinho acumulou uma taxa de 256.376.764.519.163%. Foi seguida do Peru (216.144.603.134%), do Uruguai (2.001.304.983%), da Turquia (98.325.454%) e do Chile (81.234.245%).
Ou seja, dos seis primeiros colocados na lista dos países que mais sofreram com a inflação, cinco são sul-americanos.
"Tenho a impressão de que isso está relacionado ao populismo, que marcou a história da América do Sul", afirmou o economista Caio Megale, sócio da Mauá Investimentos. "A inflação é um resquício de tentar crescer a qualquer custo, de criar essa panela de pressão que estoura lá na frente."
Recentemente, a Folha realizou enquete com 200 personalidades para saber quem era o brasileiro mais importante de todos os tempos. O nome apontado foi o do presidente Getúlio Vargas, tido pelos historiadores como o expoente do populismo no Brasil.

Menores índices
Do outro lado do ranking, os países que conseguiram melhor controle sobre a inflação entre 1961 e 2006 foram Noruega (acumulado de 916%); Suécia (922%), Austrália e Dinamarca (ambas com 1.018%, respectivamente).
O Brasil viveu uma escalada descontrolada da taxa inflacionária até 1994, quando o governo Itamar Franco lançou o Plano Real. O cerne do plano -idealizado por uma equipe de economistas que, em boa parte, participou da gestão FHC- consistia em quebrar o ciclo vicioso da remarcação de preços. Para tanto, foi preciso acabar com a indexação, que permitia altas contínuas no valor das mercadorias.
No intervalo compreendido entre 2001 e 2006, o Brasil caiu do primeiro para o décimo lugar no ranking inflacionário, com uma taxa acumulada de 55,3%. No início do rol, aparecem Turquia (261,6%), Venezuela (197,9%) e Rússia (118%).
Atualmente, o Brasil vai ainda melhor: tem 23 países à sua frente -entre os emergentes, ficou atrás de 14.

Metas
"Ficar na 24ª posição é uma mudança de paradigma. Isso foi possível, em primeiríssimo lugar, graças ao papel do regime de metas de inflação; à autonomia de fato exercida pelo Banco Central de 1999 para cá; às políticas macroeconômicas não-heterodoxas em matéria fiscal; à abertura da economia, ainda que incipiente; aos ganhos de eficiência e produtividade das empresas nesses últimos anos; à globalização e, finalmente, ao fenômeno da China, que joga preços e salários de todo o mundo para baixo", ponderou Octávio de Barros, que defende uma independência ainda maior para o BC.
Megale concorda. "Antes, qualquer surtozinho era difícil e havia desconfiança sobre a ação do BC. Isso hoje é totalmente diferente."
Tabacof, do Ciesp, também considerou que a indexação, em parceria com a correção monetária, resultava na disparada dos preços. Na avaliação dele, entretanto, não é o arrocho da política monetária que segura a inflação atualmente.
"Com a economia fechada, os preços eram trabalhados internamente. Hoje, bens, produtos e serviços circulam relativamente livres pelo planeta. A verdadeira âncora da inflação do Brasil é o câmbio", explicou. "Não é porque o BC pratica um juro catastrófico que a inflação está sob rédeas. É preciso enfrentar isso ou viveremos outra distorção, a dos juros, a título de manter o que o BC chama de expectativas do mercado."


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