São Paulo, sábado, 12 de abril de 2008

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ROBERTO RODRIGUES

Energia renovável e líderes novos


É impressionante como o álcool de cana não é poupado, como se seu uso perturbasse a oferta de alimento, o que não é o caso

SOB A liderança do professor Jeffrey Sachs, a Universidade de Columbia (Nova York) realizou no fim de março a Conferência Anual State of Planet.
Em sua lista das dez principais questões que os Estados Unidos deveriam enfrentar neste ano, estão, por exemplo, a necessidade urgente do fim da guerra com o Iraque, o aquecimento global e o uso da água.
Mas o oitavo ponto da lista é bastante importante para o Brasil: "Convocar o Congresso para eliminar imediatamente os subsídios para o álcool, de modo a reduzir a pressão sobre os preços dos alimentos nacional e globalmente e para racionalizar a temática sobre energia sustentável".
Isso dá uma boa idéia do debate na sociedade norte-americana sobre o uso do milho para produzir álcool, sobre o qual se atribui a responsabilidade pelo aumento dos preços dos alimentos.
Na mesma direção, a ultima edição da revista "Time" traz reportagem de capa que condena o álcool, ao afirmar que seus consumidores estão pagando para enriquecer alguns grandes empresários, encarecendo a comida para os mais pobres. Tal análise também se faz na União Européia, onde neste ano foi difícil manter o programa de biocombustíveis.
Trata-se de uma campanha tão forte e repetitiva que dá a impressão de ser coordenada. A quem interessaria isso? Talvez a alguns setores da indústria do petróleo e a outros da indústria de alimentos que perderam dinheiro com os maiores preços do milho americano por não conseguir repassá-los aos seus consumidores de baixa renda.
Isso faz parte do mundo dos negócios: desinformação e contrapropaganda têm peso, tanto quanto informação e propaganda. Mas é impressionante como o álcool de cana não é poupado, como se seu uso perturbasse a oferta de alimentos, o que não é o caso. Todo mundo está cansado de saber que o atual momento de preços altos se deve a um inesperado desequilíbrio entre oferta e demanda de grãos em razão de dois fatores: o espetacular aumento de renda dos países emergentes, que ampliou o consumo de alimentos; e a redução da oferta por causa da seca em vários países, como Austrália, Ucrânia, Europa central e América do Sul nas últimas safras. Com isso, os estoques de cereais caíram, elevando os preços, e a destinação do milho americano para o álcool é apenas uma parte, e não a mais importante, dessa questão.
Mas o mal maior é que a agroenergia, uma maravilhosa alternativa de energia renovável (e não é só o álcool ou o biodiesel, é também a bioeletricidade, a redução das emissões de CO2), vai perdendo terreno no cenário mundial, reduzindo a chance de gerar riqueza, renda, empregos e progresso nos países tropicais, podendo melhorar até a geopolítica internacional.
Nesta semana, aconteceu a conferência anual do BID, e, apesar da coragem do seu presidente, de empurrar o assunto com tal visão, ficou claro que muitas lideranças governamentais do nosso continente não têm a compreensão das vantagens que podem auferir com a agroenergia. Talvez energia renovável exija renovação de lideres.
Em boa hora, a Apex e a Unica se juntam para fazer a campanha do nosso álcool e mostrar suas vantagens sobre o do milho. Também é hora de apoiar o professor Sachs na sua demanda contra os subsídios americanos, bem como ao presidente do BID, Luis Alberto Moreno, em sua campanha a favor da agroenergia na América Latina.


ROBERTO RODRIGUES , 65, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp e professor do Departamento de Economia Rural da Unesp - Jaboticabal, foi ministro da Agricultura (governo Lula). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.


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