São Paulo, domingo, 12 de abril de 2009

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VINICIUS TORRES FREIRE

Fé, esperança e caridade


Obama vê a esperança piscar; economistas acham que é falta de energia e americanos padecem no país mais rico


É PÁSCOA e é primavera no Norte do planeta. Na Sexta-Feira Santa, Barack Obama reuniu-se com seus economistas, muito amigos da grana, e disse que vê "a esperança cintilar" aqui e ali. No comentarismo econômico, muita gente vê "green shoots" ("brotos"), metáfora clichê para a retomada econômica, a primavera da grana. Parece haver muita fé (na volta do dinheiro), esperança (de sair do buraco) e, como de costume, escassa caridade ("caritas", "ágape", amor ao próximo), para colocar as virtudes teologais em contexto impróprio.
Americanos pobres se mudam para casas vazias pelo despejo da crise imobiliária. Muitos dos ocupantes ("squatters") recebem para tanto apoio de associações de sem-teto e movimentos de direitos civis. Uma das associações mais radicais, o "Take Back the Land" ("Tome a Terra de Volta"), só de negros, tem como símbolo um punho fechado sobre um mapa verde da África e propõe ações parecidas com as do MST. A "Coalizão Nacional dos Sem-Teto" diz que há mais de dez grupos nacionais que auxiliam as "ocupações".
O plano Obama prevê US$ 75 bilhões para refinanciar a dívida imobiliária de 9 milhões de famílias (ainda não andou). O número de processos de despejo cresceu 81% em 2008 (ante 2007), para 2,3 milhões de moradias. Muita gente vai morar em quartos de motéis de beira de estrada e de avenidonas que ligam os pedaços das estranhas cidades dos EUA. Apareceram "cidades de barracas" ("Tent Cities"), barracas de camping, em muitas cidades, em particular na Califórnia, na Flórida e em Nevada, onde a crise imobiliária é mais braba. Vira show, aparece na Oprah Winfrey, pessoas param para tirar fotos da tristeza.
Em Sacramento, capital californiana, fica uma das maiores "Tent Cities", porém com apenas 300 habitantes, um nada se comparado aos 2 milhões de favelados e cortiçados paulistanos. E é muito menos gente que o número de pobres que os hospitais da Califórnia despejam anualmente na rua depois de lhes aplicar um esparadrapo qualquer, gente que não tem seguro-saúde, muitos deles velhos ou doentes mentais abandonados. Mas os hospitais agora tomam processos milionários devido a esses "despejos hospitalares". No entanto os EUA são ricos demais para tolerar tais coisas, como disse Obama no mês passado.
"Virando o lado do disco", como se fazia antigamente, do punk para o heavy metal: apesar da esperança de Obama, o banco central dos EUA dizia, na semana passada, que revisou para baixo a perspectiva de crescimento do país para 2009 e também para 2010. A taxa de desemprego, 8,5%, é a maior desde 1983 e é meio maquiada devido ao grande número de presidiários e de pessoas trabalhando em bicos ou em tempo parcial por falta de coisa melhor (incluindo estas, a taxa fica em torno de 15%). O PIB americano deve ter encolhido entre 5% e 6% (taxa anualizada). Larry Summers, diretor do conselho de economistas de Obama, diz que "a situação vai melhorar nos próximos meses e vai passar a sensação de queda livre". Ops: nos próximos meses, então, a queda será livre, ainda. Os economistas melhores dizem que o fundo do poço será visto só no terceiro trimestre. Volta à situação de 2008: só em 2011.

vinit@uol.com.br


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