São Paulo, segunda, 12 de maio de 1997.



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ARTIGO
Brasil: um perigo real

SÉRGIO BORJA
Este é o título literal do artigo assinado por Marcelo Bonelli e publicado na página de opinião do jornal "Clarín", de Buenos Aires (25/4/97). A objetiva ironia contida na ambiguidade do título possui uma dupla conotação. Ao denunciar a possibilidade de uma maxidesvalorização do real concomitante a um maxiajuste cambiário, na esteira da MP 1.569 e circulares do Banco Central 2.747 e 2.749, descobre a fragilidade e a dependência da Argentina com relação ao comércio com o Mercosul e, notadamente, com o Brasil.
A interdependência-interativa em termos de conciliação de políticas macroeconômicas, se ainda não é uma realidade no campo dos mecanismos institucionais que monitoram em conjunto o processo, já se manifesta na realidade dos números. O Brasil recebe 27,6% das exportações argentinas, 49,3% das paraguaias e 34,7% das uruguaias.
Assim, do total de US$ 53,2 bilhões que o Brasil importou em 1996, somente a Argentina vendeu US$ 6,5 bilhões.
O rombo na balança comercial evidenciou-se com o recrudescimento constatado no movimento de importações, que na penúltima semana de março deste ano atingiram a média diária de US$ 270 milhões, 32% maior do que o registrado em março de 1996. Sendo que, em março de 1997, mantida a média, chegariam na casa dos US$ 4,8 bilhões.
As importações e exportações representam, em suma, atos fundamentais da vida econômica, pois são elementos de destaque na circulação das riquezas. Por sua vez, o valor e preço são expressões que facultam a dinâmica do processo econômico, sendo que a moeda "é o instrumento que serve para concretizar o valor dos produtos e dos serviços e que tem de representar um preço" (F. Baudhuin, "Princípios de Economia Contemporânea", pág. 21).
A qualidade essencial da moeda seria a sua estabilidade, mas, via de regra, esta exigência só é satisfeita por pouco tempo. Apesar disso, embora a moeda seja um instrumento de medida imperfeito, é necessária sua utilização.
Paul Volcker e Toyoo Gyohten em "A Nova Ordem Econômica", problematizam a realidade monetária.
Gyohten diz que "enormes fluxos de capital influenciam as taxas de câmbio, especialmente no mercado desregulamentado e globalizado de hoje". Ele pergunta: é possível controlá-los? E incisivamente constata: "Apesar da taxa de câmbio ser, certamente, um indicador econômico muito mais importante do que, por exemplo, o preço de grãos de café ou de lã no mercado mundial de hoje, a moeda é, entretanto, comercializada como se fosse uma commodity."
Assim é que, através dos anos, existiram várias políticas monetárias mundiais. De 1929 a 1932, durante a grande depressão, o comércio mundial caiu 60%, havendo uma desintegração do sistema monetário internacional.
Vigorava a política de taxas flutuantes de câmbio, cuja característica era a "beggar-thy-neighbor" (empobrecer o vizinho), pois, a idéia geral era depreciar ao máximo a própria moeda para tornar as exportações mais baratas no mercado mundial e aumentar o preço das importações.
Após Bretton Woods, em 1944, passou a vigorar um sistema de câmbio de taxa fixa, conforme a alternativa de Harry Dexter White, que partilhava alguns itens da proposta de Keynes, por meio da institucionalização relativa do padrão-ouro.
Os Estados Unidos, donos das maiores reservas de ouro, da mesma forma eram o único país em condições de efetivar a conversão monetária. Assim é que, nesta razão, o dólar (taxa de US$ 35 a onça de ouro) passou a ser utilizado como reserva cambiária pela comunidade das nações, sendo criados, junto com o FMI, os chamados "direitos de saque", que derivavam de uma fórmula que refletia a dimensão econômica e importância comercial dos países-membros.
Critérios "condicionais" foram estabelecidos para aqueles países que visavam somas substanciais, sendo assim elaborados procedimentos de fiscalização que monitorassem o seu desempenho econômico.
O sistema atual é um sistema de flutuação no qual temos múltiplas moedas de reserva, o dólar, o iene e o marco (este último deverá ser substituído pela moeda européia, o ECU ou Euro, quando entrar em circulação).
Gyothen diz que "nossas experiências deixam absolutamente claro que o sistema atual -ou não-sistema, para ser mais exato- não resultou da escolha de ninguém. Foi algo inevitável, quando o sistema de Bretton Woods tornou-se insustentável.
O que está errado no atual sistema é a sua falta de estabilidade e de previsão em relação às taxas de câmbio, que parece afetar o crescimento estável do comércio e de investimentos."
Depreende-se disto tudo, sem ser tautológico, mas no entanto profundamente irônico, que mais real do que o real só o real, pois em matéria de moeda não existe direito adquirido que consubstancie valor nominal e substancial, nem como direito dos homens, nem como direito das nações, pois esta é a lei do mercado.
Reativa-se a cláusula de imprevisibilidade contida no brocardo latino "pacta sun servanda, rebus sic stantibus" (os pactos devem ser cumpridos se as circunstâncias forem mantidas).


Sérgio Borja, 47, é professor de direito constitucional da PUC-RS e de instituições e direito privado e comercial da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.



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