São Paulo, sexta-feira, 12 de maio de 2006

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A nacionalização do gás na Bolívia

LUIZ ALBERTO MONIZ BANDEIRA

A nacionalização das jazidas de gás e petróleo pelo presidente Evo Morales não surpreendeu. Antes e durante a campanha eleitoral para a Presidência da Bolívia, ele declarou que não se devia exportar o gás natural nas condições atuais e que as leis de hidrocarbonetos (gás e petróleo) tinham de ser modificadas de modo que o Estado boliviano receba 50%, e não 18% de impostos. A nacionalização das reservas de gás da Bolívia -estimadas em 48,7 trilhões de pés cúbicos de gás, as segundas em importância, depois da Venezuela- e de petróleo é naturalmente um atributo da soberania do país. Evo Morales, entretanto, precipitou-se ao tomar tal iniciativa, encorajado por Fidel Castro e Hugo Chávez.
Essa não é a primeira vez que nacionalizações de gás e petróleo ocorrem na Bolívia. Em 1937, com o apoio da opinião pública, o coronel David Toro decretou o confisco das propriedades Standard Oil. Em 1969, o general Alfredo Ovando, pressionado pelas organizações de esquerda, confiscou as propriedades da Gulf. Nas duas ocasiões, os governos de fato instituíram a medida mediante "decretos supremos". Parece que nacionalizações do gás e petróleo são cíclicas. Mas em nenhuma das duas vezes a Bolívia teve condições de sustentá-las.
A revolução de 1952, liderada por Victor Paz Estensorro, nacionalizou as minas de estanho. Outras medidas radicais, na época, foram demandas pelas organizações sindicais e por partidos de esquerda. Mas Paz Estensorro advertiu que era necessário comercializar o estanho, ao lembrar que a Bolívia não era uma ilha e e estava situada no meio da América do Sul. "É possível dizer que podemos fazer um túnel para sair além dos mares e vender nosso estanho. É uma frase bonita (...), mas a realidade é outra, porque necessitamos dólares para a nossa subsistência", acrescentou.
Realmente, embora possua as grandes jazidas de diversos minerais e represente um dos centros energéticos mais ricos da América do Sul (1,5 trilhão de metros cúbicos de reservas entre conhecidas e estimadas), a Bolívia é um país mediterrâneo. Perdeu para o Chile, na Guerra do Pacífico (1879-1884), os portos de Antofagasta, Mejillones, Cobija e Tocopilla. Não tem saída para o mar. Essa é uma realidade geopolítica. Que vai fazer Evo Morales? "Um túnel para sair além dos mares"?
A construção do gasoduto ligando a Bolívia ao Brasil estava na agenda diplomática desde o Tratado de 1938, renovado pelos Acordos de Roboré (1958). O presidente Ernesto Geisel esquivou-se de cumprir o compromisso, pois julgava a Bolívia um país muito instável e não cria que houvesse tanto gás. Foi Fernando Henrique Cardoso, como chanceler, que induziu o relutante presidente Itamar Franco, em 1993, a determinar a construção desse gasoduto, com 3.000 km, passando pelo Pantanal. E, desde sua conclusão, no governo de Fernando Henrique Cardoso, o Brasil passou a importar o gás da Bolívia.
A Bolívia destina ao Brasil 33% de suas exportações. Seus dois principais produtos são gás e soja, que representam quase a metade de todas as suas vendas que ela faz ao exterior. Os investimentos do Brasil representam cerca de 18% do PIB da Bolívia. A Petrobras, responsável por 30% da arrecadação tributária da Bolívia, possui investimentos da ordem de US$ 2 bilhões. Tem participação em toda a cadeia produtiva de petróleo e gás -exploração, produção, refino, transporte e comercialização-, controla cerca de 45% dos campos de extração e possui as duas maiores refinarias do país. E, como foi a Petrobras-Holanda que fez tais investimentos, ela poderá processar o governo de Evo Morales, nos tribunais da Holanda, país com o qual a Bolívia tem um acordo de proteção dos investimentos.
O litígio com a Petrobras afetará seus interesses do Brasil. O maior prejuízo, porém, será da Bolívia. Ela pode perder o mercado natural para suas exportações e não terá alternativa senão negociar condições aceitáveis pela Petrobras. Se não vender o gás ao Brasil, vai vendê-lo a quem? Vai escavar um túnel ou exportá-lo de avião, pois nem portos lhe restam?


Luiz Alberto Moniz Bandeira é cientista político, professor titular (aposentado) da Universidade de Brasília e autor de várias obras, entre as quais "Formação do Império Americano, da Guerra contra a Espanha à Guerra no Iraque".

Hoje, excepcionalmente, a coluna de Luiz Carlos Mendonça de Barros não é publicada.


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