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TENSÃO ENTRE VIZINHOS
Evo Morales expõe seu ideário em Viena, do apoio a Fidel e Chávez à defesa do cultivo da coca
O vingador de "500 anos de espoliação"
Gerard Cerles/France Presse
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Evo Morales discursa em Viena, em reunião de chefes de Estado e governo |
DO ENVIADO ESPECIAL A VIENA
A entrevista de Evo Morales ontem em Viena permite compor o
perfil do governante boliviano
conforme suas próprias palavras,
em alguns dos principais temas
que emergiram, ao menos no Brasil, após a nacionalização do gás.
Mas é um perfil que está assentado menos em questões conjunturais e mais no resgate do que o
boliviano considera "500 anos de
espoliação" do seu país tanto por
estrangeiros como pela elite local.
Morales contou a propósito
que, antes de ser presidente, viajou a Madri a convite de uma comunidade local. No aeroporto, a
polícia espanhola ameaçou deportá-lo se não exibisse a posse de
US$ 500 (ou mais). Sua resposta:
"Somos saqueados há 500 anos,
logo não me sobraram US$ 500"
(mesmo assim acabou sendo autorizado a entrar).
Esse é o fio condutor da história
de Evo Morales, que trata assim
dos demais temas:
DROGAS - Há um conflito latente
entre os EUA e o novo governo
boliviano, porque Morales se
opõe às políticas até agora adotadas, com incentivo americano,
para a erradicação do cultivo de
folha de coca, matéria-prima para
produção de cocaína, principalmente na região de Chapare.
O presidente boliviano defende
a "produção racionalizada sob
controle do movimento camponês". Morales afirma que, já no
governo anterior, houve avanços
sem ser necessário recorrer à repressão, com as conseqüentes
mortes.
"Produção racionalizada" quer
dizer desenvolver o cultivo da folha com "fins benéficos para a humanidade" (medicinais, por
exemplo).
Ironiza: "Produzir folha de coca
para a Coca-Cola é legal, mas não
para outros consumos".
Usa duas frases de efeito: primeiro, rejeita o "coca zero", slogan usado desde o governo do general Hugo Bánzer para dizer que
seria erradicado o tradicional cultivo do país. "Não haverá coca zero, mas também não haverá livre
cultivo", afirma Evo.
E emenda com o seu próprio
slogan: "Cocaína zero, tráfico de
drogas zero".
Quer dizer o seguinte: os países
consumidores deveriam ajudar a
controlar os produtos químicos
usados para transformar a folha
(em si inócua ou até benéfica potencialmente) em cocaína, esta,
sim, o problema.
Morales defende também a repressão ao que considera verdadeiros narcotraficantes, que não
seriam "aqueles que estão nas prisões bolivianas", mas os que "giram seus dólares pelos bancos, de
terno e gravata". De acordo com
Morales, "os governos controlam
os bancos e estão perfeitamente
informados desses movimentos
suspeitos".
POBREZA - Segundo os dados
mais recentes do Instituto Nacional de Estatísticas, 67,3% dos 9,2
milhões de bolivianos são pobres,
a mais alta porcentagem entre os
países da América do Sul.
Para Morales, a "única forma"
de enfrentar o problema da miséria é "recuperar os recursos naturais". Mais do que isso, é necessário industrializá-los, em vez de
vendê-los em estado natural, característica, até agora, da economia boliviana.
OS AMIGOS - Morales citou apenas Japão, Cuba, Venezuela e "alguns países europeus, como a Dinamarca", entre os que "ajudam
incondicionalmente" a Bolívia.
Não mencionou o Brasil, apesar
do apoio de Lula a ele em plena
campanha eleitoral.
Mas citou ironicamente a Espanha do primeiro-ministro socialista José Luis Rodríguez Zapatero. Disse que, antes das eleições
bolivianas, Zapatero lhe disse
que, se ganhasse, duplicaria a ajuda à Bolívia. "Ganhei e não vi a
duplicação", reclama. Zapatero
prometeu, nas mesmas circunstâncias, o perdão da dívida boliviana. "Não veio."
CUBA - O repórter da Radio Martí, emissora de propaganda contra
Fidel Castro financiada pelos Estados Unidos, apontava para o
"perigo" da relação próxima entre
Evo Morales e Cuba.
O presidente boliviano derreteu-se em elogios a Fidel e a Cuba,
"um país com semelhante bloqueio econômico e que ensina a
governar com soberania e dignidade para seu povo".
Citou o exemplo da chamada
"Operação Milagres", em que médicos cubanos fazem, de graça,
operações de catarata e de outros
males dos olhos, quando, nas clínicas privadas, o custo da operação é de entre US$ 500 a US$ 700.
Já foram feitas 7.000 cirurgias de
catarata em dois meses da operação na Bolívia.
COMUNIDADE ANDINA - O presidente venezuelano, Hugo Chávez,
praticamente implodiu a CAN
(Comunidade Andina de Nações), ao se retirar dela em protesto contra as negociações comerciais de países andinos, como Peru e Colômbia, com os EUA.
Morales diz que mandou carta a
Chávez, pedindo para que não
concretizasse a retirada, mas
mandou outras cartas ao colombiano Álvaro Uribe e ao peruano
Alejandro Toledo solicitando a
suspensão das negociações com
Washington.
O coração de Morales claramente se inclina pela posição de
Chávez. "Os princípios básicos da
CAN eram fortalecer as economias nacionais e o comércio interno [nos países-membros]. Ao
negociar com os EUA, passam a
fortalecer a economia neoliberal e
as transnacionais", diz o presidente boliviano.
(CLÓVIS ROSSI)
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