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MARCOS CINTRA
O IVA em crise
Insistir em criar um IVA será, como alertava Roberto Campos, uma "tentativa de aperfeiçoar o obsoleto"
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NENHUMA reforma é tão consensual, quanto à sua necessidade, como a tributária. Há, porém, uma enorme frustração gerada pela incapacidade de levar adiante
um projeto viável.
Nessa discussão, os diagnósticos
são repetitivos e as soluções são geralmente embasadas no que meu
saudoso mestre John Kenneth Galbraith chamou de "conventional wisdom": propostas corriqueiras, enlatadas e distantes da realidade fática
do Brasil real. Utilizam-se de paradigmas de duvidosa validade prática.
Nesse sentido, cabe destacar duas
propostas de reforma apresentadas
recentemente. Uma pela Fecomercio e outra pela Fiesp.
A Fecomercio propõe uma reforma tributária em duas etapas. A primeira unificaria o ICMS, o IPI, o ISS,
o PIS/Pasep, a Cofins e o Simples em
um imposto sobre o valor agregado
(IVA) com alíquota de 12%. A segunda fase uniria o IR (pessoa física e jurídica), a CSLL e as contribuições
previdenciárias em um imposto geral sobre a renda com alíquota de
17%. Quanto à proposta da Fiesp,
prevê-se a criação de um IVA federal
para substituir IPI, ICMS, PIS, Cofins, ISS e outros tributos. Ambos os
projetos enfatizam a necessidade de
simplificar o sistema e de reduzir a
carga tributária.
É inquestionável que o sistema é
complexo e o peso dos impostos é
elevado para o nível de renda brasileiro. Não há como discordar quanto
a essa meta.
Porém a redução da carga de impostos só pode ocorrer com a concomitante redução dos gastos públicos,
e isso é uma ação compreendida no
âmbito da reforma do Estado. A magnitude dos gastos está atrelada ao tipo e ao tamanho do poder público
que a sociedade deseja.
O que deve ser melhorado é o padrão de incidência tributária, e aí,
sim, pode-se falar em redução da carga tributária individual, já que a global é uma decisão política de uma sociedade.
Outro aspecto fundamental a ser
destacado é que as duas propostas
dão seqüência a uma sucessão de
projetos que evidenciam que o pensamento econômico do país encontra-se estagnado. As idéias são apresentadas tendo como base os preceitos contidos nos livros-texto de finanças públicas, úteis por seu valor
heurístico, mas que devem ser relativizados quando se pretende transformá-los de conceitos teóricos em
conceitos aplicados.
A reforma tributária não deve endeusar os impostos sobre valor agregado. Tornou-se uma obsessão afirmar que a solução das mazelas econômicas seria acabar com os tributos
cumulativos.
Operacionalmente, o IVA funciona
bem em países unitários e onde a ética tributária prevaleça. Mas há poucos exemplos, quase todos malsucedidos, de aplicação de IVAs sob responsabilidade de governos subnacionais em países federativos.
Recentemente, a União Européia
começou a questionar o IVA. Estima-se que as fraudes com esse tributo cheguem a 60 bilhões, principalmente por meio do que os europeus chamam de "carrossel".
A solução apresentada pelo Comissário para Assuntos Fiscais da
União Européia, László Kovács, para combater as fraudes seria a cobrança do IVA no país de origem, e
não no de consumo. Porém países
como Alemanha, Luxemburgo,
Malta e Portugal já se colocaram
contra a proposta.
O IVA está sendo questionado no
mundo, mas por aqui continuam
acreditando ser a única solução para o nosso caótico sistema tributário. Até mesmo a unanimidade brasileira de buscar um IVA de destino,
para acabar com o nosso atual IVA
de origem, está sendo questionada
quanto à burocracia e à complexidade que geram.
Os principais problemas tributários no Brasil são a burocracia e a
sonegação fiscal. O ICMS, tributo
parcialmente não-cumulativo, é o
imposto mais sonegado do país. É
tributo declaratório, burocratizado, que não se ajusta a uma economia de dimensões continentais como o Brasil, onde predominam a
sonegação e fraudes.
O Brasil precisa reciclar sua forma de pensar os tributos e aprender com os erros de economias como a européia, que não sabem o
que fazer com o IVA; e aprender
com os EUA, que jamais entraram
nessa aventura.
Insistir em criar um IVA nacional será, como alertava o saudoso
Roberto Campos, uma "tentativa
de aperfeiçoar o obsoleto".
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 60,
doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular
e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A Verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
Internet: www.marcoscintra.org
mcintra@marcoscintra.org
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