São Paulo, terça-feira, 12 de junho de 2007

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BENJAMIN STEINBRUCH

O bolso e a cidadania

O ganho com o projeto do governo de SP é direto: parte do imposto é dividida com quem adotar cidadania fiscal

LEMBRO-ME de que, ainda era garoto, nos anos 1960, juntava notas fiscais para trocá-las por cupons do "Talão da Fortuna", que davam direito a concorrer a prêmios como bicicletas, geladeiras e até automóveis. Era uma das incontáveis experiências de governos estaduais para combater sonegação fiscal e estimular o contribuinte a participar do esforço para aumentar a arrecadação.
Pouquíssimo, talvez nenhum resultado de longo prazo tenha sido trazido por programas como esse. Alguns, como o "Talão da Fortuna", até chegaram a ter apelo popular, mas jamais ajudaram a criar uma percepção do papel de contribuinte por parte do cidadão brasileiro.
Uma das razões para essa falta de conscientização do cidadão contribuinte é a forma de cobrança dos impostos indiretos no país, que representam até 70% da carga tributária que sufoca os brasileiros. Ao comprar uma camisa ou um par de sapatos, por exemplo, o consumidor paga imposto oculto, cujo recolhimento cabe à indústria ou ao comércio, mas não faz idéia de seu valor.
Um dos méritos do projeto apresentado pelo governador José Serra, que pretende devolver 30% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços aos consumidores de São Paulo que exigirem nota fiscal em suas compras, é exatamente a explicitação, para o consumidor, da carga de ICMS incluída na mercadoria comprada.
Pelo projeto de Serra, o consumidor será chamado a ter uma posição proativa em matéria tributária. Terá de se cadastrar no site da Secretaria da Fazenda e indicar a forma pela qual pretenderá receber os 30%, que poderá ser até por meio de crédito em conta corrente ou cartão. Não haverá devolução em despesas de luz, gás encanado ou telefone nem na compra de carros, bebidas e combustíveis. Ou seja, estarão fora do programa setores em que não há possibilidade de sonegação, em razão do sistema de recolhimento.
Fica claro, portanto, que o programa tem por objetivo atacar a sonegação principalmente no pequeno comércio, em parte habituado a vender sem emitir nota fiscal. Nesse caso, o risco é que o jeitinho paulista acabe criando dois sistemas distintos de venda nesse comércio, um "com nota" e outro "sem nota". Será necessário, portanto, de alguma forma, estimular o consumidor a exigir a nota. Porque muitos serão tentados a abrir mão dela para receber o desconto do imposto na própria loja, em vez de esperar pela devolução que só virá seis meses depois.
Mesmo tendo em vista riscos, dificuldades e abrangência limitada, o projeto de Serra merece apoio. É um sinal positivo no setor público. Devolver imposto é algo que raramente se vê no país.
Além de explicitar o imposto pago e estimular o exercício da cidadania, a proposta amplia a cobrança do ICMS para setores hoje informais, o que pode elevar a receita independentemente de aumento de carga para os que já cumprem suas obrigações fiscais. Um dos aspectos mais perniciosos da sonegação, para a economia como um todo, é a concorrência desleal daqueles que sonegam em relação aos que pagam religiosamente seus impostos.
Nos programas do passado, como o "Talão da Fortuna" dos anos 1960, os governos ofereciam a possibilidade de prêmios aos consumidores responsáveis, que pediam nota fiscal. Agora, o ganho é direto: pretende-se dividir uma parte do imposto com os que adotarem a cidadania fiscal. Pode funcionar, porque o programa fala diretamente ao bolso do contribuinte.


BENJAMIN STEINBRUCH, 53, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
bvictoria@psi.com.br


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