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BENJAMIN STEINBRUCH
O bolso e a cidadania
O ganho com o projeto do
governo de SP é direto: parte
do imposto é dividida com
quem adotar cidadania fiscal
LEMBRO-ME de que, ainda era
garoto, nos anos 1960, juntava
notas fiscais para trocá-las
por cupons do "Talão da Fortuna",
que davam direito a concorrer a prêmios como bicicletas, geladeiras e
até automóveis. Era uma das incontáveis experiências de governos estaduais para combater sonegação
fiscal e estimular o contribuinte a
participar do esforço para aumentar
a arrecadação.
Pouquíssimo, talvez nenhum resultado de longo prazo tenha sido
trazido por programas como esse.
Alguns, como o "Talão da Fortuna",
até chegaram a ter apelo popular,
mas jamais ajudaram a criar uma
percepção do papel de contribuinte
por parte do cidadão brasileiro.
Uma das razões para essa falta de
conscientização do cidadão contribuinte é a forma de cobrança dos
impostos indiretos no país, que representam até 70% da carga tributária que sufoca os brasileiros. Ao
comprar uma camisa ou um par de
sapatos, por exemplo, o consumidor
paga imposto oculto, cujo recolhimento cabe à indústria ou ao comércio, mas não faz idéia de seu valor.
Um dos méritos do projeto apresentado pelo governador José Serra,
que pretende devolver 30% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços aos consumidores de
São Paulo que exigirem nota fiscal
em suas compras, é exatamente a
explicitação, para o consumidor, da
carga de ICMS incluída na mercadoria comprada.
Pelo projeto de Serra, o consumidor será chamado a ter uma posição
proativa em matéria tributária. Terá
de se cadastrar no site da Secretaria
da Fazenda e indicar a forma pela
qual pretenderá receber os 30%,
que poderá ser até por meio de crédito em conta corrente ou cartão.
Não haverá devolução em despesas
de luz, gás encanado ou telefone
nem na compra de carros, bebidas e
combustíveis. Ou seja, estarão fora
do programa setores em que não há
possibilidade de sonegação, em razão do sistema de recolhimento.
Fica claro, portanto, que o programa tem por objetivo atacar a sonegação principalmente no pequeno
comércio, em parte habituado a
vender sem emitir nota fiscal. Nesse
caso, o risco é que o jeitinho paulista
acabe criando dois sistemas distintos de venda nesse comércio, um
"com nota" e outro "sem nota". Será
necessário, portanto, de alguma forma, estimular o consumidor a exigir
a nota. Porque muitos serão tentados a abrir mão dela para receber o
desconto do imposto na própria loja, em vez de esperar pela devolução
que só virá seis meses depois.
Mesmo tendo em vista riscos, dificuldades e abrangência limitada, o
projeto de Serra merece apoio. É um
sinal positivo no setor público. Devolver imposto é algo que raramente se vê no país.
Além de explicitar o imposto pago
e estimular o exercício da cidadania,
a proposta amplia a cobrança do
ICMS para setores hoje informais, o
que pode elevar a receita independentemente de aumento de carga
para os que já cumprem suas obrigações fiscais. Um dos aspectos mais
perniciosos da sonegação, para a
economia como um todo, é a concorrência desleal daqueles que sonegam em relação aos que pagam
religiosamente seus impostos.
Nos programas do passado, como
o "Talão da Fortuna" dos anos 1960,
os governos ofereciam a possibilidade de prêmios aos consumidores
responsáveis, que pediam nota fiscal. Agora, o ganho é direto: pretende-se dividir uma parte do imposto
com os que adotarem a cidadania
fiscal. Pode funcionar, porque o programa fala diretamente ao bolso do
contribuinte.
BENJAMIN STEINBRUCH, 53, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do
conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de
São Paulo).
bvictoria@psi.com.br
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