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OPINIÃO ECONÔMICA
O assalto das privatizações continua
ALOYSIO BIONDI
O Tribunal de Contas da União
suspendeu o leilão que o governo
programou para "privatizar", ou
"privadoar", entregando a multinacionais, áreas de onde é possível
extrair bilhões de barris de petróleo, descoberto com o dinheiro da
classe média, povão, empresários e
agricultores brasileiros, utilizado
pela Petrobrás.
A venda dessas áreas vai ser feita
por preço ridículo, como esta coluna procurou explicar na semana
passada (sob o título "Dona Maria, espantada com o doutor David"). Mas não foi por isso que o
TCU impediu o leilão: uma das tarefas desse órgão é, exatamente,
impedir fraudes e arranjos nas
concorrências, leilões, licitações
feitas pelo governo ou, mais simplesmente, a possibilidade de favorecimento a certos grupos e até
a chamada corrupção, com prejuízos para o Tesouro, isto é, para a
sociedade.
E, no caso dos leilões programados pela Agência Nacional do Petróleo, presidida pelo doutor David Zylbersztajn, o TCU encontrou
uma série enorme de falhas, exigências vagas, condições não muito claras para a escolha dos vencedores dos leilões. Porta aberta a
fraudes e conchavos, em resumo. A
decisão do TCU coloca a sociedade
brasileira, e o Congresso, em particular, diante de uma realidade da
qual não se pode mais fugir: todas
as privatizações feitas até agora tiveram sempre pontos obscuros,
capazes de impedir que o Tesouro
tivesse o melhor pagamento pelo
patrimônio coletivo (da classe média, povão etc.).
Ou, mais claramente: muitas vezes, houve mudanças de regras depois de iniciado o processo de venda das estatais, quando somente
certos grupos permaneciam na
concorrência. Empréstimos para
os compradores, redução de impostos, utilização de serviços já
instalados foram apenas algumas
vantagens que o governo criou da
noite para o dia e até, atenção, depois de "vendida" a estatal.
Note-se bem: a questão que o
TCU precisa investigar não é a
ocorrência de eventuais casos de
corrupção, e sim se as concorrências foram corretas, oferecendo
igualdade de condições para os
concorrentes e preço justo para o
Tesouro.
Fatos recentes, dos últimos dias,
mostram que a equipe econômica
do governo Fernando Henrique
continua a manter distorções incríveis no processo de privatização. Tantas que, alem da ação do
TCU, caberia uma CPI para reavaliar todo o processo.
Até tu, Covas?
Seguem-se algumas dessas aberrações:
Energia elétrica - Anunciado
violento aumento das tarifas de
energia das empresas privatizadas. Não foi só por causa da desvalorização do real. O governo assinou contratos com os compradores comprometendo-se a dar
reajustes anuais para a energia e
os serviços telefônicos, o que foi
largamente escondido da opinião
pública. Detalhe: não foram
anunciados reajustes para as empresas estatais que produzem
energia, como a Cesp, de São Paulo. Elas estão há dois anos sem
reajustes, com um "achatamento"
de 16% em seus preços.
O governo FHC continua a arrasar as empresas estatais e os governos estaduais. Se as tarifas da
Cesp fossem revistas, seus lucros
aumentariam e o dinheiro iria
para o governo de São Paulo, o
povo de São Paulo, que é seu "dono". A equipe FHC prejudica São
Paulo, o governador Mário Covas
nada faz, a não ser confirmar,
com sua omissão, que já há quatro anos se curvou totalmente aos
interesses da equipe FHC. Pobre
população paulista, lesada em
seus direitos.
Despudor - Quando houve o
"apagão" de Bauru, o presidente
Fernando Henrique Cardoso assinou uma medida provisória
adiando a transferência, para
grupos privados, da administração de todo o sistema nacional de
energia. Isso era o que as manchetes diziam. Mas, sorrateiramente,
escondido no texto, estava o verdadeiro objetivo da medida provisória: o presidente autorizou
ou, na verdade, o governo mandou a Eletrobrás utilizar R$ 8,2
bilhões, de um fundo formado
com o dinheiro dos consumidores,
classe média, povão, empresas.
Utilizar como? Pasme-se mais
uma vez: para emprestar aos grupos que quiserem comprar as empresas estatais de energia elétrica,
como a Cesp ou Furnas, que o governo quer privatizar nestes próximos meses.
É isso aí: o governo já reservou
bilhões para entregar nas mãos
dos grupos "compradores", que,
em seguida, entregarão o mesmo
dinheiro ao governo... Deu para
entender? É a mesma coisa que
dona Maria resolver vender seu
apartamento ou automóvel e fornecer o dinheiro para o "comprador"... Trata-se de dar de presente
empresas em que contribuintes
gastaram bilhões e bilhões de
reais.
Simpática, a Telefônica
O secretário da Receita Federal,
Everardo Maciel, em depoimento
no Senado, causou estupor ao
mostrar que grandes bancos e
grandes empresas não pagam um
tostão ou pagam 0,1%, 0,5%, ninharia, de Imposto de Renda e
outros impostos. Maciel explicou
que essas empresas e bancos conseguem reduzir brutalmente os
impostos por causa de "brechas
na lei". Na verdade, o secretário
estava tentando realizar a tarefa
espinhosa de dizer ao Congresso
que o governo FHC tem dado vantagens incríveis aos grandes grupos empresariais, às quais ele, secretário, sempre tentou se opor.
Como (ainda) faz parte do governo, não poderia dizer isso às claras e por isso usou aquela expressão "brechas", mero eufemismo.
Não há brechas. Há favorecimento, mesmo. Prova? O governo
FHC deu mais um presente, uma
vantagem, aos "compradores"
das empresas telefônicas, reduzindo o seu Imposto de Renda,
desde o final do ano passado. Como? Permitiu, por meio de um
mecanismo que os técnicos chamam de "depreciação acelerada",
que elas lancem como despesas
(reduzindo o lucro e o imposto) o
dobro (20%) do que as demais
empresas podem abater (10%).
Não há "brecha", repita-se: há
portarias, resoluções, decretos,
medidas provisórias privilegiando os grandes grupos. Bom relembrar: o secretário Everardo Maciel
causou espanto também ao revelar que são o governo, o Tesouro,
a sociedade que acabam pagando
os célebres "ágios" (diferença entre o preço pedido pelo governo,
nos leilões, e o preço pago pelos
compradores) na venda de estatais -um absurdo que, até então,
não havia chegado ao conhecimento da sociedade.
Assim são as privatizações brasileiras. Cabe ao Congresso investigá-las, em trabalho conjunto
com o TCU.
Aloysio Biondi, 62, é jornalista econômico. Foi
editor de Economia da Folha. Escreve aos sábados no caderno Dinheiro.
E-mail: aloybi@homeshopping.com.br
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