UOL


São Paulo, sábado, 12 de julho de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUÍS NASSIF

Cabeça de planilha

A "herança maldita" de FHC se consistiu não apenas na enorme vulnerabilidade externa legada mas na assunção, pelo governo Lula, do que de mais superficial e autista a análise econômica brasileira produziu nas últimas décadas. Manteve-se o mesmo pensamento que quebrou o país a partir de 1995, na gestão Gustavo Franco, e não logrou reduzir em um centavo de dólar a vulnerabilidade externa na gestão Armínio Fraga-Ilan Goldfajn.
Como se explica essa marcha continuada da insensatez, essa insistência reiterada no desastre?
Tomemos o sistema de "metas inflacionárias", base teórica desse modelo.
Na política econômica, é fundamental a boa sinalização para as expectativas dos agentes econômicos. Quando o BC aumenta ou reduz os juros, quanto mais rápida for a adesão do agente aos sinais da política monetária, mais eficaz será a política.
Aí vem o economista de planilha do BC -o sujeito que monta o "modelito"-, define um objetivo (a meta de inflação) e correlações entre ele e a taxa de juros básica da economia. Não existe ciência nisso nem perspectiva histórica de estabilidade para permitir definir o nível ótimo de correlação. Por isso, é um jogo de tentativa e erro. Aqui, virou o bezerro sagrado.
Definido o modelo, cada departamento econômico de instituição monta a sua planilha. E sua competência consiste em acertar os resultados da planilha do BC, para "adivinhar" os próximos passos dos juros.
É por aí que se cria o círculo da mediocridade. Na gestão Armínio Fraga, o dono da planilha era Ilan. Ele saiu, mas a planilha ficou. Ela é monotemática, usa apenas uma variável (os juros) e uma meta (a inflação). Só trabalha com o passado, com indicadores já publicados e não contém nenhum elemento de observação da realidade. Por isso mesmo, é incapaz de antecipar os movimentos futuros da economia.
Mas, quando o modelo é colocado em marcha, cria uma corrente de apoio que nada tem a ver com sua consistência. Não se trata de analisar se o nível dos juros e do câmbio está correto para o equilíbrio da economia, mas se reflete a planilha de Ilan. Porque os analistas de mercado ganham dinheiro quando acertam o resultado da planilha de Ilan e perdem quando erram.
Qualquer tentativa de fugir do modelo, mesmo estando ele flagrantemente errado, cria esse coro de unanimidade contra mudanças. Mas o que está em jogo não é se a política é adequada ou não à economia, mas se segue ou não o que foi definido na planilha de Ilan. Criado o coro, o próprio BC termina refém da planilha do Ilan. E quem é Ilan? Um economista de visão ampla, conhecedor dos meandros, das características da economia brasileira, como foram Campos, Bulhões, Simonsen? Não. Ilan é um especialista na planilha de Ilan.
Quando a planilha provocar os desequilíbrios macroeconômicos que já se fazem presentes, será tarde.

Câmbio
Na coluna de anteontem, mencionei a corretora Finambras como exemplo de instituição uruguaia, mas que opera no mercado oficial. Volto a enfatizar porque seus dirigentes informam que a coluna provocou alguma confusão, com clientes não lendo a menção ao mercado oficial.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


Texto Anterior: Transporte: Tarifa de ônibus interestadual subirá 17,48%
Próximo Texto: Receita ortodoxa: BC vê inflação sob controle, mas deve manter arrocho
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.