São Paulo, quarta-feira, 12 de setembro de 2007

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ANÁLISE

Resgatar economia é desafio político

MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"

OS MERCADOS financeiros transformaram a economia mundial em refém. Isso apresenta um dilema para os bancos centrais do planeta. Eles temem as conseqüências de cobrir as perdas dos responsáveis pela confusão. Mas não podem permitir que milhões de inocentes sofram. O anúncio, na semana passada, da primeira queda mensal em quatro anos no nível de emprego nos EUA tornou virtualmente certo um corte nas taxas de juros na reunião do Fed, o banco central americano, no dia 18. Ou seja: as autoridades agirão. O difícil será tomar as decisões certas.
Martin Feldstein, da Universidade Harvard, defende a causa de grandes cortes. Argumenta que o setor imobiliário americano ocupava posição central em três eventos correlatos. O primeiro era "o acentuado declínio nos preços das casas e a associada queda na construção residencial". O segundo era "o problema do crédito imobiliário de risco ("subprime') que deflagrou o alargamento substancial de todos os ágios de crédito e o congelamento de boa parte dos mercados de crédito". O terceiro era "a queda nos empréstimos hipotecários e nas operações de refinanciamento de hipotecas, o que pode causar declínio ainda maior no consumo".
Como exemplo, Feldstein apontou para o declínio de 4,3% nos preços dos imóveis residenciais e para a chance de quedas ainda maiores. Já Robert Shiller, da Universidade Yale, argumenta que os preços das casas nos EUA poderiam terminar caindo até 50%, o que reduziria o patrimônio domiciliar do país em mais de US$ 10 trilhões.
Feldstein também apontou para o dano que a crise no crédito "subprime" causou aos mercados financeiros. Isso se deve em parte à correção de ágios de crédito, ainda que modesta até o momento. O mais importante, "à medida que se alargavam os ágios de crédito, investidores e credores começaram a se preocupar com o fato de que talvez não soubessem como avaliar ativos complexos de risco". Com a perda de confiança, os bancos foram forçados a conceder empréstimos aos seus "veículos especiais de investimento", cujos ativos são mantidos fora dos balanços. Com isso, passaram a usar proporção maior de seu capital, e assim geraram escassez de crédito no mercado.
Por fim, com a queda nos preços das casas e das hipotecas, o índice de poupança domiciliar deve subir para patamares mais normais, e o investimento residencial deve cair ainda mais. Essa combinação certamente gerará rápido declínio no déficit financeiro do setor pessoal.
Feldstein concluiu recomendando uma "abordagem baseada em risco", que trataria o risco de recessão como mais importante que o de uma alta na inflação. Caso essa última hipótese viesse a se concretizar, "o Fed teria de promover um período mais longo de crescimento mais lento, a fim de conduzir a taxa de inflação de volta ao nível desejado. O sucesso dependeria de sua capacidade de persuadir o mercado de que uma abordagem baseada em risco, no contexto atual, não equivale a ab-rogar a meta fundamental de promoção de estabilidade de preços que norteia" o Fed.
Caso o Fed seguisse a recomendação de Feldstein, correria o risco de solapar sua credibilidade. Mas como ele chegou ao estado de confusão atual? John Taylor, da Universidade de Stanford e proponente da "regra de Taylor" (que relaciona política monetária a movimentos de produção e inflação), culpa o Fed por ter mantido política monetária muito frouxa entre 2002 e 2006.
Assim, Taylor crê que o Fed tenha cometido um erro sob a liderança de Alan Greenspan. Feldstein sugere que o Fed deveria correr o risco de repeti-lo. Mas os dois distintos acadêmicos e, de fato, a maior parte das discussões acadêmicas nos EUA, ignoram a dimensão internacional na origem e na solução dos tumultos.
Taylor desconsidera a explicação de um "excedente de poupança" como causa das baixas taxas de juros americanas, observando que o nível atual de poupança mundial é inferior ao de três décadas atrás. Mas o mundo, desconsiderados os EUA, vem registrando forte alta em seu nível de poupança com relação ao investimento, desde o começo da década, e boa parte desses recursos foi direcionada aos EUA. Dado o imenso influxo de capital, a política monetária do Fed tinha de gerar um nível de demanda muito superior ao da produção potencial.
A dimensão internacional também influencia a resolução da crise. O Fed tem uma decisão delicada a tomar, não só entre salvar os reféns e recompensar os seqüestradores mas também entre salvar a economia americana e causar riscos à confiança externa no dólar.
Em resumo, o dólar precisa perder valor, mas sem despencar. O Fed não pode arriscar uma alta considerável nos juros de longo prazo, em resposta à perda de confiança na estabilidade de preços nos EUA e a um colapso na taxa de câmbio.
Mas, quando existe expectativa de queda nos preços das casas, é improvável que uma redução nos juros, por si, persuada as pessoas a tomarem empréstimos e gastarem dinheiro. Assim, uma grande parte do impacto da redução nos juros terá de surgir na forma de um dólar mais fraco e de grandes melhoras no balanço externo.
Isso é outra maneira de dizer que a era na qual o mundo dependia do consumo americano como propulsor de demanda está se encerrando. O mais provável, aliás, é que o propulsor funcione em marcha a ré.
Assim, o muito esperado e discutido processo de "reequilibrar" a economia mundial está a ponto de ganhar velocidade. Caso o resto do mundo não responda de maneira apropriada, é previsível uma forte desaceleração mundial.
No entanto, os EUA não são o único país a enfrentar essa situação. Em uma era de taxas baixas de juros, os preços das casas dispararam em diversos países ricos. Eles também estão vulneráveis a uma correção no mercado residencial.
Boa parte do ajuste a um crescimento mais baixo, ou até uma reversão, no consumo americano precisará ser realizada em outros países. A China, entre outros, ocupará posição central. Suponham, por exemplo, que o dólar caia diante das moedas que flutuam livremente nos mercados, especialmente o euro, e que o yuan o acompanhe. Suponham, igualmente, que as autoridades chinesas não tomem medidas de expansão da demanda doméstica. Dessa forma, o ajuste teria de ser conduzido em outra parte do mundo. Isso causaria forte incômodo, especialmente na Europa continental. Até mesmo o compromisso para com a abertura dos mercados poderia estar em risco.
A combinação entre uma queda nos preços dos imóveis residenciais e uma crise financeira no país central da economia mundial representa grande desafio para as autoridades econômicas em toda parte, especialmente para o Fed, que deve responder sem destruir a confiança no dólar, e para os líderes econômicos dos países que detêm superávits de poupança, que terão de antecipar um mundo no qual o propulsor da demanda americana perderá muita velocidade. Eles conseguirão manter um ritmo de expansão estável para a economia mundial?
Daqui a cerca de um ano poderemos ter uma idéia melhor sobre a resposta.


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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