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ANÁLISE
Resgatar economia é desafio político
MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"
OS MERCADOS financeiros transformaram
a economia mundial
em refém. Isso apresenta um
dilema para os bancos centrais
do planeta. Eles temem as conseqüências de cobrir as perdas
dos responsáveis pela confusão. Mas não podem permitir
que milhões de inocentes sofram. O anúncio, na semana
passada, da primeira queda
mensal em quatro anos no nível
de emprego nos EUA tornou
virtualmente certo um corte
nas taxas de juros na reunião do
Fed, o banco central americano, no dia 18. Ou seja: as autoridades agirão. O difícil será tomar as decisões certas.
Martin Feldstein, da Universidade Harvard, defende a causa de grandes cortes. Argumenta que o setor imobiliário americano ocupava posição central
em três eventos correlatos. O
primeiro era "o acentuado declínio nos preços das casas e a
associada queda na construção
residencial". O segundo era "o
problema do crédito imobiliário de risco ("subprime') que
deflagrou o alargamento substancial de todos os ágios de crédito e o congelamento de boa
parte dos mercados de crédito".
O terceiro era "a queda nos empréstimos hipotecários e nas
operações de refinanciamento
de hipotecas, o que pode causar
declínio ainda maior no consumo".
Como exemplo, Feldstein
apontou para o declínio de
4,3% nos preços dos imóveis
residenciais e para a chance de
quedas ainda maiores. Já Robert Shiller, da Universidade
Yale, argumenta que os preços
das casas nos EUA poderiam
terminar caindo até 50%, o que
reduziria o patrimônio domiciliar do país em mais de US$ 10
trilhões.
Feldstein também apontou
para o dano que a crise no crédito "subprime" causou aos
mercados financeiros. Isso se
deve em parte à correção de
ágios de crédito, ainda que modesta até o momento. O mais
importante, "à medida que se
alargavam os ágios de crédito,
investidores e credores começaram a se preocupar com o fato de que talvez não soubessem
como avaliar ativos complexos
de risco". Com a perda de confiança, os bancos foram forçados a conceder empréstimos
aos seus "veículos especiais de
investimento", cujos ativos são
mantidos fora dos balanços.
Com isso, passaram a usar proporção maior de seu capital, e
assim geraram escassez de crédito no mercado.
Por fim, com a queda nos
preços das casas e das hipotecas, o índice de poupança domiciliar deve subir para patamares mais normais, e o investimento residencial deve cair
ainda mais. Essa combinação
certamente gerará rápido declínio no déficit financeiro do
setor pessoal.
Feldstein concluiu recomendando uma "abordagem baseada em risco", que trataria o risco de recessão como mais importante que o de uma alta na
inflação. Caso essa última hipótese viesse a se concretizar, "o
Fed teria de promover um período mais longo de crescimento mais lento, a fim de conduzir
a taxa de inflação de volta ao nível desejado. O sucesso dependeria de sua capacidade de persuadir o mercado de que uma
abordagem baseada em risco,
no contexto atual, não equivale
a ab-rogar a meta fundamental
de promoção de estabilidade de
preços que norteia" o Fed.
Caso o Fed seguisse a recomendação de Feldstein, correria o risco de solapar sua credibilidade. Mas como ele chegou
ao estado de confusão atual?
John Taylor, da Universidade
de Stanford e proponente da
"regra de Taylor" (que relaciona política monetária a movimentos de produção e inflação), culpa o Fed por ter mantido política monetária muito
frouxa entre 2002 e 2006.
Assim, Taylor crê que o Fed
tenha cometido um erro sob a
liderança de Alan Greenspan.
Feldstein sugere que o Fed deveria correr o risco de repeti-lo.
Mas os dois distintos acadêmicos e, de fato, a maior parte das
discussões acadêmicas nos
EUA, ignoram a dimensão internacional na origem e na solução dos tumultos.
Taylor desconsidera a explicação de um "excedente de
poupança" como causa das baixas taxas de juros americanas,
observando que o nível atual de
poupança mundial é inferior ao
de três décadas atrás. Mas o
mundo, desconsiderados os
EUA, vem registrando forte alta em seu nível de poupança
com relação ao investimento,
desde o começo da década, e
boa parte desses recursos foi
direcionada aos EUA. Dado o
imenso influxo de capital, a política monetária do Fed tinha
de gerar um nível de demanda
muito superior ao da produção
potencial.
A dimensão internacional
também influencia a resolução
da crise. O Fed tem uma decisão delicada a tomar, não só entre salvar os reféns e recompensar os seqüestradores mas
também entre salvar a economia americana e causar riscos à
confiança externa no dólar.
Em resumo, o dólar precisa
perder valor, mas sem despencar. O Fed não pode arriscar
uma alta considerável nos juros
de longo prazo, em resposta à
perda de confiança na estabilidade de preços nos EUA e a um
colapso na taxa de câmbio.
Mas, quando existe expectativa de queda nos preços das casas, é improvável que uma redução nos juros, por si, persuada as pessoas a tomarem empréstimos e gastarem dinheiro.
Assim, uma grande parte do
impacto da redução nos juros
terá de surgir na forma de um
dólar mais fraco e de grandes
melhoras no balanço externo.
Isso é outra maneira de dizer
que a era na qual o mundo dependia do consumo americano
como propulsor de demanda
está se encerrando. O mais provável, aliás, é que o propulsor
funcione em marcha a ré.
Assim, o muito esperado e
discutido processo de "reequilibrar" a economia mundial está a ponto de ganhar velocidade. Caso o resto do mundo não
responda de maneira apropriada, é previsível uma forte desaceleração mundial.
No entanto, os EUA não são o
único país a enfrentar essa situação. Em uma era de taxas
baixas de juros, os preços das
casas dispararam em diversos
países ricos. Eles também estão
vulneráveis a uma correção no
mercado residencial.
Boa parte do ajuste a um
crescimento mais baixo, ou até
uma reversão, no consumo
americano precisará ser realizada em outros países. A China,
entre outros, ocupará posição
central. Suponham, por exemplo, que o dólar caia diante das
moedas que flutuam livremente nos mercados, especialmente o euro, e que o yuan o acompanhe. Suponham, igualmente,
que as autoridades chinesas
não tomem medidas de expansão da demanda doméstica.
Dessa forma, o ajuste teria de
ser conduzido em outra parte
do mundo. Isso causaria forte
incômodo, especialmente na
Europa continental. Até mesmo o compromisso para com a
abertura dos mercados poderia
estar em risco.
A combinação entre uma
queda nos preços dos imóveis
residenciais e uma crise financeira no país central da economia mundial representa grande desafio para as autoridades
econômicas em toda parte, especialmente para o Fed, que
deve responder sem destruir a
confiança no dólar, e para os líderes econômicos dos países
que detêm superávits de poupança, que terão de antecipar
um mundo no qual o propulsor
da demanda americana perderá muita velocidade. Eles conseguirão manter um ritmo de
expansão estável para a economia mundial?
Daqui a cerca de um ano poderemos ter uma idéia melhor
sobre a resposta.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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