São Paulo, sábado, 12 de outubro de 2002

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OPINIÃO

Bush é um espião comunista tentando destruir a economia dos EUA

PAUL KRUGMAN

Olhem só minha nova teoria: Michael Oxley [deputado republicano e presidente da comissão de Finanças da Câmara], Harvey Pitt [presidente da SEC; a comissão de valores mobiliários dos EUA] e o presidente George W. Bush são espiões comunistas infiltrados que abriram caminho até o coração do sistema capitalista com o objetivo de destrui-lo. De que outra maneira suas ações poderiam ser explicadas?
É verdade que, em julho, eles concordaram relutantemente quanto a um projeto de lei de reforma das corporações, que acalmou, por algum tempo, o pânico dos investidores. Isso se deve ao fato de que o objetivo essencial deles era controlar o Congresso precisam do máximo de liberdade a fim de arruinar a economia dos Estados Unidos. Mas encontraram uma resposta melhor, a seguir.
Os pronunciamentos agressivos com relação ao Iraque cumprem uma dupla função. Distraem a mídia -na quarta-feira, o índice Dow Jones Industrial recuava 215 pontos, chegando ao seu ponto mais baixo em cinco anos, e a confiança dos consumidores caía a níveis vistos pela última vez em 1996, mas nenhum desses temas chegou às manchetes dos jornais. E todos os rumores de guerra ajudam, por si sós, a deprimir os mercados de ações e a confiança dos consumidores, solapando ainda mais a economia.

Golpe de mestre
Mas o golpe de mestre surgiu na semana passada. À medida que cresciam as indicações de que a suposta recuperação havia saído dos trilhos, os conspiradores destruíram cuidadosamente as reformas corporativas de julho. O jornal [econômico inglês] "Financial Times informou que não foram apenas os deputados e senadores republicanos do Congresso e o lobby das empresas de auditoria que bloquearam a indicação de John Biggs para o comando de um novo e crucial conselho de supervisão contábil; a Casa Branca também expressou "preocupação com o apoio dos sindicatos a Biggs".
Agora que o melhor candidato foi humilhado e traído, nenhuma pessoa de estatura aceitará ocupar o posto. Isso significa que a reforma corporativa está paralisada, para todos os efeitos. E se os conspiradores retiverem o controle da Câmara dos Deputados e reconquistarem o do Senado, poderão prosseguir com o seu programa de demolição, afundando o orçamento do país ainda mais em um déficit de longo prazo, assustando os pequenos investidores e bloqueando quaisquer medidas práticas que possam tirar a economia de sua cada vez mais intensa depressão.
Está bem, não tenho certeza absoluta quanto a essa teoria. Existe outro argumento que poderia explicar o que esses sujeitos estão fazendo. Talvez sejam apenas constitucionalmente incapazes (ou melhor, já que John Ashcroft está presente no governo, inconstitucionalmente incapazes) de fazer o que precisa ser feito.
Descobrimos ao longo dos últimos 12 meses até que ponto o jogo dos negócios moderno se inclina em favor das pessoas bem informadas. O benefício pessoal em detrimento da empresa se tornou muito comum: remuneração incrivelmente generosa para os executivos, empréstimos a termos absurdamente favoráveis e acesso preferencial a ofertas públicas iniciais de ações eram prática padronizada em muitas empresas que ainda não se tornaram alvo de investigações da SEC.
E a contabilidade enganosa, que fez com que o público adquirisse ações no momento em que as pessoas mais favorecidas começaram a descarregá-las, deve ter sido muito mais comum do que se pensa, de fato.
Nos últimos três anos da bolha americana, os lucros reportados pelas corporações dispararam, mas o indicador geral de lucros calculado pelo Departamento do Comércio dos Estados Unidos, que não é afetado pelas manobras que as empresas empregam para maquiar suas contas, praticamente não cresceu.
Para resumir, manipulação era a regra do jogo. Se quisermos uma recuperação real, é urgente que os investidores comuns sejam reassegurados de que esses dias de maquiagem de contas são coisa do passado. Mas pode ser difícil para os atuais líderes do país compreender essa urgência: por toda a vida deles, foram beneficiados pela manipulação.
O "Wall Street Journal" da última quarta-feira publicou mais um pedaço da história da Harken Energy, uma história que oferece ainda mais indícios de como as conexões de sua família amaciaram a carreira de negócios do presidente Bush. A principal defesa que ele oferece contra as acusações de que sua venda de ações da Harken representa uso indevido de informações privilegiadas foi sempre o fato de que, embora as ações tenham caído seriamente depois que as vendeu, elas se recuperaram no mercado, apesar de ter sido apenas temporariamente.
Agora sabemos por que essas ações se recuperaram. Não foi só um misterioso convite para prospectar petróleo ao largo da costa de Bahrain. A Harken também usou um truque que a Enron imitaria em escala muito maior: ela tomou dinheiro emprestado para pagar suas contas, e usou algumas lacunas nas regras contábeis vigentes para ocultar as dívidas disso resultantes.
O que possibilitou o truque foi o anjo da guarda da Harken, uma poderosa instituição controlada pelo empresário petroleiro Robert Stone, um influente partidário do pai do presidente Bush. A instituição adquiriu uma grande participação na Harken logo que Bush se tornou membro do conselho, e mais tarde se mostrou disposta a fazer o que quer que fosse preciso para manter a empresa flutuando.
Entre outras coisas, isso envolveu remover grande parte da dívida do grupo de sua contabilidade, em troca de ativos de valor um tanto duvidoso, além de dar à Harken uma participação na sociedade formada aproximadamente duas vezes superior ao valor de sua contribuição para o capital da parceria.
O nome desse anjo da guarda? O fundo benemérito da Universidade Harvard. Não se surpreendam. Os professores não controlam o dinheiro de sua universidade, afinal.


Paul Krugman, economista e professor na Universidade Princeton (EUA), é colunista do jornal "The New York Times".


Tradução de Paulo Migliacci

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