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São Paulo, domingo, 12 de outubro de 2003

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ARTIGO

Derrotados da história voltam às boas graças

PAIVI MUNTER

Os cinco anos que se passaram desde a moratória da dívida russa em 1998 superaram os sonhos mais loucos dos investidores internacionais em títulos. Os títulos em moeda forte do governo antes empobrecido estão sendo negociados em níveis de classificação de investimento, enquanto os gordos cofres do país ajudaram a reduzir acentuadamente as dívidas.
Ao mesmo tempo, um número cada vez maior de empresas russas se tornaram suficientemente dignas de crédito para entrar nos mercados internacionais. Na frente doméstica, um rublo estável permitiu o rápido desenvolvimento de um mercado de títulos doméstico, que se tornou uma fonte crucial de financiamento para muitas empresas locais.
Mas, quanto mais o título russo se aproxima dos padrões de referência mundiais, maior a dificuldade para manter o avanço -especialmente quando o país está entrando em um período eleitoral e as reformas econômicas estão desacelerando.
"Em termos macroeconômicos, a Rússia hoje está em melhor forma do que jamais esteve durante a transição [pós-soviética]", disse Philip Poole, chefe de pesquisa para mercados emergentes da ING Financial Markets.
"Mas, em termos de valor, a maioria dos ganhos já ocorreu, disse Poole. Mesmo com uma classificação de investimento melhor nos próximos anos, o mercado já terá apreciado grande parte disso", segundo o analista.
As margens de lucros sobre os títulos russos em dólar haviam diminuído cerca de 200 pontos básicos ante os títulos do Tesouro americano, para cerca de 270 pontos, entre o início do ano e setembro. Isso deixa a dívida russa a par com notas de investimento como a do México, embora a classificação do país permaneça uma ou duas notas abaixo desse nível, dependendo da agência.
A maior parte dos ganhos nos preços dos títulos russos pode ser atribuída à hábil administração das finanças públicas pelo governo durante o primeiro mandato do presidente Vladimir Putin.
Os altos preços mundiais do petróleo permitiram que a Rússia administrasse grandes superávits orçamentários enquanto cortava o peso geral da dívida de 92% do PIB (Produto Interno Bruto), no final de 1999, para estimados 33% no final deste ano, segundo a Fitch Ratings.
O crescimento econômico para a Rússia é estimado em 6% neste ano, ante um índice abaixo da tendência nos Estados Unidos e uma economia estagnada na Alemanha. O contraste nas finanças públicas dos países também é acentuado: o superávit federal russo deverá ser de 1,2% do PIB neste ano, o orçamento dos Estados Unidos está quase 5% no vermelho, e o déficit da Alemanha se aproxima de 4%.
"Nesse tipo de ambiente, o desempenho da Rússia parece muito bom", afirmou Poole.

Conjuntura favorável
Mas os títulos russos também se beneficiaram de taxas de juros historicamente baixas em todo o mundo, que levaram os investidores internacionais para ativos mais arriscados, em busca de maiores retornos.
Isso alimentou uma forte recuperação da dívida dos mercados emergentes em geral, e o maior valor de créditos de alto rendimento como o do Brasil superou neste ano o dos títulos russos.
Mesmo assim, os investidores em títulos internacionais da Rússia tiveram um lucro de 20% entre o início do ano e setembro. O que se compara a 22% para o índice global JP Morgan Embi (para mercados emergentes).
Na verdade, a posição da Rússia nos mercados de capital internacionais melhorou de tal forma que o valor de seus títulos hoje é amplamente conduzido pelos desenvolvimentos no mercado de títulos do Tesouro americano.
Diante de uma previsão de crescimento maior nos EUA, que ajudou a alimentar um aumento no rendimento dos títulos do Tesouro após baixas por cinco décadas e uma queda de preço concomitante, o valor dos títulos russos também poderá sofrer pressões.
"A previsão para os títulos do Tesouro americano não é clara, o que inevitavelmente projeta nuvens sobre a previsão para os títulos russos em dólar", afirmou Pavel Mamai, analista do Renaissance Capital, um banco de investimentos sediado em Moscou.
Mas, com o governo não emitindo dívida internacional, o preço dos títulos em dólar da Rússia deve continuar bem sustentado.

Companhias em alta
Os principais beneficiários da ausência do governo no mercado durante cinco anos são os emissores corporativos da Rússia. Os pagamentos de taxas de juros sobre as emissões existentes do governo estão em um nível de US$ 1,5 bilhão por ano, segundo o Renaissance, oferecendo às companhias russas uma oportunidade para aproveitar a liquidez existente.
A emissão por companhias russas deve mais que duplicar neste ano, para cerca de US$ 7 bilhões.
Enquanto o mercado de ações russo continua fortemente inclinado para o setor energético, as oportunidades para diversificação estão aumentando no mercado de títulos em dólar. As emissões iniciais neste ano vieram dos setores financeiro, de mineração e de bens de consumo.
A Gazprom, maior produtora mundial de gás natural, continua como o maior emprestador internacional da Rússia, embora tal condição possa mudar depois da fusão da Yukos com a Sibneft para criar a quarta maior produtora mundial de petróleo.
Para empresas russas menos conhecidas, o mercado de títulos domésticos continua a fonte de financiamento mais atraente, pois os empréstimos bancários ainda estão subdesenvolvidos.
Nos últimos três anos o mercado multiplicou seu tamanho e os índices de empréstimos caíram, enquanto os prazos médios das emissões aumentaram.
Isso foi possível graças ao dilúvio de dinheiro no sistema financeiro russo proveniente das florescentes exportações de commodities. Com o sistema bancário contribuindo pouco para o investimento de capital ou os gastos do consumidor, grande parte desse dinheiro ficou nos mercados de valores mobiliários, ajudando a elevar os preços dos ativos e a baixar o rendimento dos títulos.
O acentuado crescimento da emissão de títulos corporativos detonou temores de uma bolha de ativos. Segundo Mamai, do Renaissance, o maior risco para o mercado de títulos em rublos é uma queda acentuada dos preços mundiais do petróleo.
"A causa mais provável de calotes corporativos na Rússia seria um declínio da situação de comércio exterior atualmente favorável, especialmente uma queda dos preços do petróleo. Se esse cenário se materializar, o setor corporativo russo deve estar preparado para uma onda de calotes, e não apenas algumas falências."


Artigo originalmente publicado no "Financial Times"

Tradução de Luiz Roberto Gonçalves



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