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ARTIGO
Derrotados da história voltam às boas graças
PAIVI MUNTER
Os cinco anos que se passaram desde a moratória da
dívida russa em 1998 superaram
os sonhos mais loucos dos investidores internacionais em títulos.
Os títulos em moeda forte do governo antes empobrecido estão
sendo negociados em níveis de
classificação de investimento, enquanto os gordos cofres do país
ajudaram a reduzir acentuadamente as dívidas.
Ao mesmo tempo, um número
cada vez maior de empresas russas se tornaram suficientemente
dignas de crédito para entrar nos
mercados internacionais. Na
frente doméstica, um rublo estável permitiu o rápido desenvolvimento de um mercado de títulos
doméstico, que se tornou uma
fonte crucial de financiamento
para muitas empresas locais.
Mas, quanto mais o título russo
se aproxima dos padrões de referência mundiais, maior a dificuldade para manter o avanço -especialmente quando o país está
entrando em um período eleitoral
e as reformas econômicas estão
desacelerando.
"Em termos macroeconômicos,
a Rússia hoje está em melhor forma do que jamais esteve durante a
transição [pós-soviética]", disse
Philip Poole, chefe de pesquisa
para mercados emergentes da
ING Financial Markets.
"Mas, em termos de valor, a
maioria dos ganhos já ocorreu,
disse Poole. Mesmo com uma
classificação de investimento melhor nos próximos anos, o mercado já terá apreciado grande parte
disso", segundo o analista.
As margens de lucros sobre os
títulos russos em dólar haviam diminuído cerca de 200 pontos básicos ante os títulos do Tesouro
americano, para cerca de 270
pontos, entre o início do ano e setembro. Isso deixa a dívida russa a
par com notas de investimento
como a do México, embora a classificação do país permaneça uma
ou duas notas abaixo desse nível,
dependendo da agência.
A maior parte dos ganhos nos
preços dos títulos russos pode ser
atribuída à hábil administração
das finanças públicas pelo governo durante o primeiro mandato
do presidente Vladimir Putin.
Os altos preços mundiais do petróleo permitiram que a Rússia
administrasse grandes superávits
orçamentários enquanto cortava
o peso geral da dívida de 92% do
PIB (Produto Interno Bruto), no
final de 1999, para estimados 33%
no final deste ano, segundo a
Fitch Ratings.
O crescimento econômico para
a Rússia é estimado em 6% neste
ano, ante um índice abaixo da
tendência nos Estados Unidos e
uma economia estagnada na Alemanha. O contraste nas finanças
públicas dos países também é
acentuado: o superávit federal
russo deverá ser de 1,2% do PIB
neste ano, o orçamento dos Estados Unidos está quase 5% no vermelho, e o déficit da Alemanha se
aproxima de 4%.
"Nesse tipo de ambiente, o desempenho da Rússia parece muito bom", afirmou Poole.
Conjuntura favorável
Mas os títulos russos também se
beneficiaram de taxas de juros
historicamente baixas em todo o
mundo, que levaram os investidores internacionais para ativos
mais arriscados, em busca de
maiores retornos.
Isso alimentou uma forte recuperação da dívida dos mercados
emergentes em geral, e o maior
valor de créditos de alto rendimento como o do Brasil superou
neste ano o dos títulos russos.
Mesmo assim, os investidores
em títulos internacionais da Rússia tiveram um lucro de 20% entre
o início do ano e setembro. O que
se compara a 22% para o índice
global JP Morgan Embi (para
mercados emergentes).
Na verdade, a posição da Rússia
nos mercados de capital internacionais melhorou de tal forma
que o valor de seus títulos hoje é
amplamente conduzido pelos desenvolvimentos no mercado de títulos do Tesouro americano.
Diante de uma previsão de crescimento maior nos EUA, que ajudou a alimentar um aumento no
rendimento dos títulos do Tesouro após baixas por cinco décadas e
uma queda de preço concomitante, o valor dos títulos russos também poderá sofrer pressões.
"A previsão para os títulos do
Tesouro americano não é clara, o
que inevitavelmente projeta nuvens sobre a previsão para os títulos russos em dólar", afirmou Pavel Mamai, analista do Renaissance Capital, um banco de investimentos sediado em Moscou.
Mas, com o governo não emitindo dívida internacional, o preço dos títulos em dólar da Rússia
deve continuar bem sustentado.
Companhias em alta
Os principais beneficiários da
ausência do governo no mercado
durante cinco anos são os emissores corporativos da Rússia. Os pagamentos de taxas de juros sobre
as emissões existentes do governo
estão em um nível de US$ 1,5 bilhão por ano, segundo o Renaissance, oferecendo às companhias
russas uma oportunidade para
aproveitar a liquidez existente.
A emissão por companhias russas deve mais que duplicar neste
ano, para cerca de US$ 7 bilhões.
Enquanto o mercado de ações
russo continua fortemente inclinado para o setor energético, as
oportunidades para diversificação estão aumentando no mercado de títulos em dólar. As emissões iniciais neste ano vieram dos
setores financeiro, de mineração e
de bens de consumo.
A Gazprom, maior produtora
mundial de gás natural, continua
como o maior emprestador internacional da Rússia, embora tal
condição possa mudar depois da
fusão da Yukos com a Sibneft para criar a quarta maior produtora
mundial de petróleo.
Para empresas russas menos conhecidas, o mercado de títulos
domésticos continua a fonte de financiamento mais atraente, pois
os empréstimos bancários ainda
estão subdesenvolvidos.
Nos últimos três anos o mercado multiplicou seu tamanho e os
índices de empréstimos caíram,
enquanto os prazos médios das
emissões aumentaram.
Isso foi possível graças ao dilúvio de dinheiro no sistema financeiro russo proveniente das florescentes exportações de commodities. Com o sistema bancário
contribuindo pouco para o investimento de capital ou os gastos do
consumidor, grande parte desse
dinheiro ficou nos mercados de
valores mobiliários, ajudando a
elevar os preços dos ativos e a baixar o rendimento dos títulos.
O acentuado crescimento da
emissão de títulos corporativos
detonou temores de uma bolha de
ativos. Segundo Mamai, do Renaissance, o maior risco para o
mercado de títulos em rublos é
uma queda acentuada dos preços
mundiais do petróleo.
"A causa mais provável de calotes corporativos na Rússia seria
um declínio da situação de comércio exterior atualmente favorável, especialmente uma queda
dos preços do petróleo. Se esse cenário se materializar, o setor corporativo russo deve estar preparado para uma onda de calotes, e
não apenas algumas falências."
Artigo originalmente publicado
no "Financial Times"
Tradução de Luiz Roberto Gonçalves
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