|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
VINICIUS TORRES FREIRE
A crise política do crash financeiro
Baques econômicos mudam instituições e renovam a face política do mundo, mas há escassez de alternativas
|
ESPECULAR SOBRE os efeitos
políticos do crash é mais imprudente do que tentar divisar suas conseqüências econômicas.
Como são desconhecidos a duração
da paralisia de crédito e o tamanho
da destruição financeira, quase nada
se sabe sobre a baixa do investimento produtivo e do emprego. Quanto
maior o impacto na economia "real",
maior a probabilidade de retroalimentação da crise: menos empregos
levam a mais inadimplência e a novas rodadas de problemas no crédito
e na finança. Quanto mais rodadas
desse círculo vicioso, maior o círculo
de cidadãos afetados e maior, em tese, o potencial de revolta social.
As primeiras avaliações da crise
são vulgaridades intelectuais: "fim
do neoliberalismo", "do domínio
Ocidental e americano", "mera crise
de ciclo do capitalismo, sem efeito
maior" etc. Mas mudanças vêm de
onde e quando menos se espera: o
rápido colapso soviético, a ascensão
chinesa, a estagnação japonesa etc.
E crises econômicas costumam remoldar a face política mundial.
O estouro da inflação nos anos 70
ajudou a derrotar o sindicalismo, já
prejudicado pela mudança na natureza do trabalho e pelo progresso
material. Também abateu os ganhos
rápidos de salários e a escalada das
instituições de proteção social no
mundo rico. O colapso causado pela
alta de juros de então deu cabo do
desenvolvimentismo "autárquico",
como no Brasil. Enfim, a esquerda
perdeu, foi erodida sua base política
e o admirável mundo novo enterrou
seu velho modelo intelectual.
Hoje, a raiva popular do financismo, por si só, teria efeito passageiro.
A crise do modelo de expansão rápida do crédito pode ter mais impacto:
haverá pelo menos uma interrupção
na "era do consumismo". A descoordenação política mundial diante do
crash deve deixar impressão forte
no establishment do mundo rico,
que já pensa em alguma forma de
"governança global". Talvez se procure agregar países como China e
afins. Mas a desmoralização de teses
como a da eficiência dos mercados e
a da "independência política" de
agências reguladoras do capital (como bancos centrais) terá vida tão
breve como a de um artigo de jornal
se não houver forças políticas que
sustentem idéias diferentes.
O atual colapso deve evidenciar
crises mais silenciosas. Mesmo o establishment "ortodoxo" do mundo
rico tem comentado que a "globalização" pode ter efeito relevante no
emprego e na distribuição de renda
em seus países (dada a "fuga de empregos" para a China etc). Não é casual que o ataque a imigrantes, o
protecionismo e a "regulação do trabalho nas economias emergentes"
tenham se tornado temas centrais
da política euroamericana. Haverá
mais ansiedade com a "multipolarização econômica", com os fundos
acumulados pelos países do Oriente,
seu avanço em empresas ocidentais
e sua captura de recursos naturais
baseados em países pobres.
É flagrante, porém, a escassez de
alternativas. Um grande desastre
econômico causaria reação popular.
Mas não há por ora canais políticos
que dêem forma a potencial revolta.
É cedo para avaliar se haverá "reforma pelo alto": se há propensão à mudança nas elites tecnocráticas, em
"think tanks" agregados ao poder
econômico, nos partidos. Ou se virá
uma contra-reforma, conservadora.
vinit@uol.com.br
Texto Anterior: Rubens Ricupero: O gosto da cobiça Próximo Texto: EUA começam a comprar papéis "tóxicos" Índice
|