São Paulo, domingo, 12 de outubro de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

A crise política do crash financeiro


Baques econômicos mudam instituições e renovam a face política do mundo, mas há escassez de alternativas

ESPECULAR SOBRE os efeitos políticos do crash é mais imprudente do que tentar divisar suas conseqüências econômicas.
Como são desconhecidos a duração da paralisia de crédito e o tamanho da destruição financeira, quase nada se sabe sobre a baixa do investimento produtivo e do emprego. Quanto maior o impacto na economia "real", maior a probabilidade de retroalimentação da crise: menos empregos levam a mais inadimplência e a novas rodadas de problemas no crédito e na finança. Quanto mais rodadas desse círculo vicioso, maior o círculo de cidadãos afetados e maior, em tese, o potencial de revolta social.
As primeiras avaliações da crise são vulgaridades intelectuais: "fim do neoliberalismo", "do domínio Ocidental e americano", "mera crise de ciclo do capitalismo, sem efeito maior" etc. Mas mudanças vêm de onde e quando menos se espera: o rápido colapso soviético, a ascensão chinesa, a estagnação japonesa etc. E crises econômicas costumam remoldar a face política mundial.
O estouro da inflação nos anos 70 ajudou a derrotar o sindicalismo, já prejudicado pela mudança na natureza do trabalho e pelo progresso material. Também abateu os ganhos rápidos de salários e a escalada das instituições de proteção social no mundo rico. O colapso causado pela alta de juros de então deu cabo do desenvolvimentismo "autárquico", como no Brasil. Enfim, a esquerda perdeu, foi erodida sua base política e o admirável mundo novo enterrou seu velho modelo intelectual.
Hoje, a raiva popular do financismo, por si só, teria efeito passageiro.
A crise do modelo de expansão rápida do crédito pode ter mais impacto: haverá pelo menos uma interrupção na "era do consumismo". A descoordenação política mundial diante do crash deve deixar impressão forte no establishment do mundo rico, que já pensa em alguma forma de "governança global". Talvez se procure agregar países como China e afins. Mas a desmoralização de teses como a da eficiência dos mercados e a da "independência política" de agências reguladoras do capital (como bancos centrais) terá vida tão breve como a de um artigo de jornal se não houver forças políticas que sustentem idéias diferentes.
O atual colapso deve evidenciar crises mais silenciosas. Mesmo o establishment "ortodoxo" do mundo rico tem comentado que a "globalização" pode ter efeito relevante no emprego e na distribuição de renda em seus países (dada a "fuga de empregos" para a China etc). Não é casual que o ataque a imigrantes, o protecionismo e a "regulação do trabalho nas economias emergentes" tenham se tornado temas centrais da política euroamericana. Haverá mais ansiedade com a "multipolarização econômica", com os fundos acumulados pelos países do Oriente, seu avanço em empresas ocidentais e sua captura de recursos naturais baseados em países pobres.
É flagrante, porém, a escassez de alternativas. Um grande desastre econômico causaria reação popular.
Mas não há por ora canais políticos que dêem forma a potencial revolta.
É cedo para avaliar se haverá "reforma pelo alto": se há propensão à mudança nas elites tecnocráticas, em "think tanks" agregados ao poder econômico, nos partidos. Ou se virá uma contra-reforma, conservadora.
vinit@uol.com.br


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