São Paulo, terça-feira, 12 de novembro de 2002

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LUÍS NASSIF

Entre o céu e o inferno

A globalização dos mercados de consumo, assim como a dos de investimentos, criou um fenômeno econômico curioso. As chamadas "expectativas racionais" de quem acreditava cegamente no mercado cederam lugar a estudos sofisticadíssimos sobre comportamento humano, tentando entender muito mais as razões da irracionalidade do que da própria razão.
Nas últimas semanas, muitos economistas internacionais de renome traçavam cenários para 2003 que iam do céu ao inferno, simplesmente porque o resultado final dependia de um agente que não consegue se comportar de forma racional: o tal do mercado.
No caso do governo Lula, as apostas variam na mesma proporção. Interna e externamente há um jogo de forças e contraforças que podem permitir ao país equilibrar suas contas ou cair no precipício. E não há modelito matemático capaz de responder qual será o desenlace.
No plano externo, há dois fatores relevantes no jogo. O ruim, a possibilidade de guerra dos EUA contra o Iraque, trazendo novos impactos sobre o fluxo internacional de recursos. O bom, a redução da taxa de juros, associada à recessão norte-americana, inviabilizando o equilíbrio atuarial dos fundos norte-americanos. Mais cedo ou mais tarde, parte desses recursos terá de retornar aos mercados de risco. No momento, o Brasil está baratíssimo, pela queda dos preços dos ativos, com a recessão e com a desvalorização cambial.
No plano interno, os fatores relevantes são a reversão dos níveis de vulnerabilidade externa, com a desvalorização cambial e a melhoria do saldo comercial, e as novas expectativas em relação ao governo Lula -o otimismo moderado substituindo o pesado pessimismo do primeiro turno das eleições.
Na hipótese de o governo Lula continuar exibindo o profissionalismo demonstrado nestes primeiros dias pós-eleição e conseguir consolidar os indicadores econômicos, e na hipótese de a guerra contra o Iraque ser rápida e sem maiores desdobramentos, criam-se as condições para o chamado círculo virtuoso da economia. Nesse círculo, a roda começa a girar em algum momento em que o mercado julga que a economia brasileira bateu no fundo do poço. Aí começa um movimento inicial dos primeiros fluxos de capital entrando, experimentando, lucrando, para, depois, abrir espaço para movimentos mais consistentes.
O círculo vicioso é deflagrado basicamente se o governo Lula demonstrar incapacidade operacional ou de administrar conflitos. Aí o capital se retira mais ainda, esperando o próximo tempo do jogo.

Vulnerabilidade externa
A pesquisa Focus, do Banco Central, com a média das opiniões de analistas de mercado, permite algumas conclusões relevantes sobre a questão externa. De 2002 a 2006, a pesquisa projeta um crescimento das exportações da ordem de 7,35% ao ano, e de 6,7% ao ano no caso das importações. Disso resulta um crescimento do saldo comercial de 10,2% ao ano, passando de US$ 10,3 bilhões em 2002 para US$ 13,5 bilhões em 2003 e US$ 15,3 bilhões em 2006.
O déficit em conta corrente cairia dos US$ 23,2 bilhões de 2001 para US$ 13 bilhões em 2002, depois se estabilizaria em algo entre US$ 11 bilhões e US$ 12 bilhões, que seria coberto pelo Investimento Direto Estrangeiro (IDE) -que, depois dos US$ 22,6 bilhões em 2001, cairia para US$ 13,59 em 2003, chegando aos US$ 18 bilhões em 2006.
Mantendo inalteradas as projeções de investimento direto e supondo taxas diversas de crescimento das exportações e das importações, as contas ficariam desequilibradas a partir de um cenário bastante conservador, de crescimento das importações da ordem de 6% ao ano, mesmo que as exportações cresçam apenas 3% ao ano a partir de 2003. Um crescimento médio anual de 7% das exportações suportaria um crescimento de importações da ordem de até 10% ao ano.
Portanto, em condições normais de temperatura, as condições para obter as necessidades de financiamento externo são razoáveis.

E-mail - lnassif@uol.com.br


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