São Paulo, quinta, 12 de novembro de 1998

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O apelo de dona Ruth e "surpresas"

ALOYSIO BIONDI

Avançam os desastres provocados por La Niña. Na Austrália, o trigo sofreu quebra de 11% na época do plantio, por causa da seca, e agora de mais 22%, na fase de colheita, por causa de inundações. Na Argentina, chuvas reduzem a produção do mesmo trigo em 11% -por enquanto. Nos EUA, a produção de laranja da Flórida recua um terço e, em Cuba, a colheita de cana- de-açúcar atinge seu mais baixo nível em 20 anos. Na Rússia, calamidade recorde: chuvas e secas alternadas reduzem a safra de trigo e outros grãos de 60 para 46 milhões de toneladas.
La Niña está, em poucas palavras, ameaçando destruir um terço das safras mundiais deste ano. Tem-se, assim, uma "reviravolta" total nas perspectivas para a agricultura mundial e brasileira: até há poucas semanas, as estatísticas apontavam para tremenda superprodução agrícola, que derrubou os preços de produtos como trigo, soja, milho, cacau e açúcar para os níveis mais baixos dos (até) últimos 10 a 12 anos.
Ocupando cargo equivalente ao de paraministra, incumbida dos programas de combate à fome, desemprego e miséria, dona Ruth Cardoso tem interesse direto por esse quadro. Pode apelar ao presidente da República para a adoção de um programa de emergência para a agricultura brasileira, destinado a aumentar o plantio e, assim, compensar eventuais quebras provocadas no Brasil por La Niña -que, aliás, já tem trazido prejuízos.
A intervenção da paraministra é necessária porque, no ano passado, apesar de todas as previsões de más condições climáticas que o El Niño traria, a equipe econômica não se sensibilizou, evitando até mesmo planos de emergência para a seca do Nordeste. O apoio à agricultura é urgente, porque a época de plantio no Centro-Sul está chegando ao final.

Governadores preguiçosos
O plano de emergência forçosamente exigiria a convocação de governadores de Estado -alguns deles terrivelmente omissos. Caberia aos Estados desencadear uma campanha relâmpago para aumento do plantio no interior. E os bancos e instituições financeiras estaduais liberariam crédito, maciçamente, aos agricultores.
Em São Paulo, a Nossa Caixa/ Nosso Banco dispõe de nada menos do que R$ 11 bilhões, ou praticamente 80% de seus ativos, "paralisados", aplicados em títulos do governo federal -e não em empréstimos.

Dentro da meta
O dinheiro emprestado pelo(s) governo(s) à agricultura não prejudicará o cumprimento das metas de combate ao "rombo" combinadas com o FMI? Não. O dinheiro começará a voltar já em março, com a comercialização das novas safras. E o aumento (ou, no mínimo, manutenção) da produção agrícola significará mais renda, emprego, consumo no interior, arrecadação de impostos -abrandando a recessão, o desemprego. Poupará, ainda, dólares que seriam gastos com importações de alimentos -como o Brasil foi forçado a desembolsar em 98.

Sempre grátis
Segunda-feira, véspera do leilão da Fepasa, a ex-estatal paulista de estradas de ferro: porta- vozes do governo repetem que os compradores deverão pagar o dobro do preço (que ainda assim continuaria vergonhoso) fixado. Terça-feira, leilão: o "ágio", que seria de 100%, não passou de 5%.

Pobre Banespa
No início do governo Covas, "falsificou-se" um prejuízo gigantesco no balanço do Banespa, para convencer a sociedade da "necessidade" de privatizar o banco, que desde então ficou sob a intervenção do Banco Central.
Agora, divulga-se um prejuízo de quase R$ 500 milhões para o Banespa, de janeiro a setembro. Causa: o banco tem, em sua carteira, ações da Cesp e títulos da dívida externa brasileira.
Com o "terremoto" nas Bolsas e mercados financeiros, a cotação desses papéis despencou (temporariamente) e a sua perda de valor, para o Banespa, chegou a R$ 1,2 bilhão. Engraçado. A Nossa Caixa/Nosso Banco, do governo paulista, também tem as mesmas ações e os mesmos títulos.
Mas, desde o começo do ano, "separou" esses papéis. Isto é, lançou seu valor em uma conta especial de seu balanço, que, assim, passou a retratar o lucro ou prejuízo das operações (empréstimos, tarifas) e não a montanha-russa de ações e títulos que, na verdade, integram seu patrimônio e nada têm a ver com o desempenho efetivo da instituição. Por que o Banco Central não fez o mesmo com o Banespa? Nova manobra para esvaziar qualquer reação contra a privatização do Banespa?

"Tigres" voltam
Ressaltada por esta coluna há dois meses, a recuperação dos países asiáticos começa a merecer a atenção de analistas econômicos, mesmo aqueles atrelados aos interesses dos EUA -e que têm engabelado a sociedade com as afirmações de que os "tigres" e a Rússia são os culpados pela pretensa "crise mundial".
Mas o "ranço" manipulador pró-EUA e Clinton continua. Tem-se a coragem, agora, de afirmar que a recuperação asiática é uma "surpresa" e, pasme- se, foi provocada pela redução de 0,25% nas taxas de juros dos EUA, decidida por mister Greenspan... Ora, Ora. Os "tigres asiáticos" começaram a sair da crise, mês a mês, logo após o "terremoto" de outubro de 1997 - porque não obedeceram às ordens do FMI, nem de Clinton.
Para repisar apenas um exemplo: a Coréia, nos últimos 12 meses, já acumula um saldo positivo (exportações acima das importações) em sua balança comercial de nada menos de US$ 31 bilhões. Em outubro de 1997, tinha um déficit, saldo negativo, de US$ 25 bilhões. Uma "virada" portanto de US$ 56 bilhões, que obviamente não aconteceu da noite para o dia, por causa de mister Greenspan, e sim com a somatória de saldos positivos, mês a mês. Tudo, devidamente escondido pelos formadores de opinião pró-Clinton, pró-EUA, pró-FMI, pró- multinacionais.
E pró-especulação financeira internacional, ela, sim, responsável pela crise nas economias de alguns países.

Anti-Rússia
Terrivelmente manipulado, o noticiário da imprensa internacional, com reflexos no Brasil, apresenta a Rússia como um "caso perdido" -que, claro, Clinton e o FMI tentam salvar. Noticia-se que os EUA vão "ajudar" piedosamente os russos, livrando-os de morrer de fome, com alimentos. Não é doação. É venda, em condições especiais, sim: 20 anos para pagar. Detalhe principal: a Rússia sofreu brutal quebra de safra. Mas tem 20 milhões de toneladas de cereais em estoques. O governo russo quer comprar apenas 3 a 4 milhões de toneladas de alimentos dos EUA, nessas condições especiais. Trata-se de medida preventiva para que não haja uma escassez desastrosa.


Aloysio Biondi, 62, é jornalista econômico. Foi editor de Economia da Folha. Escreve às quintas-feiras no caderno Dinheiro.



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