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O apelo de dona Ruth e "surpresas"
ALOYSIO BIONDI
Avançam os desastres provocados por La Niña. Na Austrália, o trigo sofreu quebra de 11%
na época do plantio, por causa
da seca, e agora de mais 22%, na
fase de colheita, por causa de
inundações. Na Argentina, chuvas reduzem a produção do mesmo trigo em 11% -por enquanto. Nos EUA, a produção de laranja da Flórida recua um terço
e, em Cuba, a colheita de cana-
de-açúcar atinge seu mais baixo
nível em 20 anos. Na Rússia, calamidade recorde: chuvas e secas
alternadas reduzem a safra de
trigo e outros grãos de 60 para 46
milhões de toneladas.
La Niña está, em poucas palavras, ameaçando destruir um
terço das safras mundiais deste
ano. Tem-se, assim, uma "reviravolta" total nas perspectivas
para a agricultura mundial e
brasileira: até há poucas semanas, as estatísticas apontavam
para tremenda superprodução
agrícola, que derrubou os preços
de produtos como trigo, soja, milho, cacau e açúcar para os níveis mais baixos dos (até) últimos 10 a 12 anos.
Ocupando cargo equivalente
ao de paraministra, incumbida
dos programas de combate à fome, desemprego e miséria, dona
Ruth Cardoso tem interesse direto por esse quadro. Pode apelar
ao presidente da República para
a adoção de um programa de
emergência para a agricultura
brasileira, destinado a aumentar o plantio e, assim, compensar
eventuais quebras provocadas
no Brasil por La Niña -que,
aliás, já tem trazido prejuízos.
A intervenção da paraministra
é necessária porque, no ano passado, apesar de todas as previsões de más condições climáticas
que o El Niño traria, a equipe
econômica não se sensibilizou,
evitando até mesmo planos de
emergência para a seca do Nordeste. O apoio à agricultura é urgente, porque a época de plantio
no Centro-Sul está chegando ao
final.
Governadores preguiçosos
O plano de emergência forçosamente exigiria a convocação
de governadores de Estado -alguns deles terrivelmente omissos. Caberia aos Estados desencadear uma campanha relâmpago para aumento do plantio
no interior. E os bancos e instituições financeiras estaduais liberariam crédito, maciçamente,
aos agricultores.
Em São Paulo, a Nossa Caixa/
Nosso Banco dispõe de nada menos do que R$ 11 bilhões, ou praticamente 80% de seus ativos,
"paralisados", aplicados em títulos do governo federal -e não
em empréstimos.
Dentro da meta
O dinheiro emprestado pelo(s)
governo(s) à agricultura não
prejudicará o cumprimento das
metas de combate ao "rombo"
combinadas com o FMI? Não. O
dinheiro começará a voltar já
em março, com a comercialização das novas safras. E o aumento (ou, no mínimo, manutenção)
da produção agrícola significará
mais renda, emprego, consumo
no interior, arrecadação de impostos -abrandando a recessão, o desemprego. Poupará,
ainda, dólares que seriam gastos
com importações de alimentos
-como o Brasil foi forçado a desembolsar em 98.
Sempre grátis
Segunda-feira, véspera do leilão da Fepasa, a ex-estatal paulista de estradas de ferro: porta-
vozes do governo repetem que os
compradores deverão pagar o
dobro do preço (que ainda assim
continuaria vergonhoso) fixado.
Terça-feira, leilão: o "ágio", que
seria de 100%, não passou de
5%.
Pobre Banespa
No início do governo Covas,
"falsificou-se" um prejuízo gigantesco no balanço do Banespa, para convencer a sociedade
da "necessidade" de privatizar o
banco, que desde então ficou sob
a intervenção do Banco Central.
Agora, divulga-se um prejuízo
de quase R$ 500 milhões para o
Banespa, de janeiro a setembro.
Causa: o banco tem, em sua carteira, ações da Cesp e títulos da
dívida externa brasileira.
Com o "terremoto" nas Bolsas
e mercados financeiros, a cotação desses papéis despencou
(temporariamente) e a sua perda de valor, para o Banespa,
chegou a R$ 1,2 bilhão. Engraçado. A Nossa Caixa/Nosso Banco,
do governo paulista, também
tem as mesmas ações e os mesmos títulos.
Mas, desde o começo do ano,
"separou" esses papéis. Isto é,
lançou seu valor em uma conta
especial de seu balanço, que, assim, passou a retratar o lucro ou
prejuízo das operações (empréstimos, tarifas) e não a montanha-russa de ações e títulos que,
na verdade, integram seu patrimônio e nada têm a ver com o
desempenho efetivo da instituição. Por que o Banco Central
não fez o mesmo com o Banespa?
Nova manobra para esvaziar
qualquer reação contra a privatização do Banespa?
"Tigres" voltam
Ressaltada por esta coluna há
dois meses, a recuperação dos
países asiáticos começa a merecer a atenção de analistas econômicos, mesmo aqueles atrelados
aos interesses dos EUA -e que
têm engabelado a sociedade com
as afirmações de que os "tigres" e
a Rússia são os culpados pela
pretensa "crise mundial".
Mas o "ranço" manipulador
pró-EUA e Clinton continua.
Tem-se a coragem, agora, de
afirmar que a recuperação asiática é uma "surpresa" e, pasme-
se, foi provocada pela redução
de 0,25% nas taxas de juros dos
EUA, decidida por mister
Greenspan... Ora, Ora. Os "tigres
asiáticos" começaram a sair da
crise, mês a mês, logo após o "terremoto" de outubro de 1997 -
porque não obedeceram às ordens do FMI, nem de Clinton.
Para repisar apenas um exemplo: a Coréia, nos últimos 12 meses, já acumula um saldo positivo (exportações acima das importações) em sua balança comercial de nada menos de US$
31 bilhões. Em outubro de 1997,
tinha um déficit, saldo negativo,
de US$ 25 bilhões. Uma "virada"
portanto de US$ 56 bilhões, que
obviamente não aconteceu da
noite para o dia, por causa de
mister Greenspan, e sim com a
somatória de saldos positivos,
mês a mês. Tudo, devidamente
escondido pelos formadores de
opinião pró-Clinton, pró-EUA,
pró-FMI, pró- multinacionais.
E pró-especulação financeira
internacional, ela, sim, responsável pela crise nas economias de
alguns países.
Anti-Rússia
Terrivelmente manipulado, o
noticiário da imprensa internacional, com reflexos no Brasil,
apresenta a Rússia como um
"caso perdido" -que, claro,
Clinton e o FMI tentam salvar.
Noticia-se que os EUA vão "ajudar" piedosamente os russos, livrando-os de morrer de fome,
com alimentos. Não é doação. É
venda, em condições especiais,
sim: 20 anos para pagar. Detalhe
principal: a Rússia sofreu brutal
quebra de safra. Mas tem 20 milhões de toneladas de cereais em
estoques. O governo russo quer
comprar apenas 3 a 4 milhões de
toneladas de alimentos dos EUA,
nessas condições especiais. Trata-se de medida preventiva para
que não haja uma escassez desastrosa.
Aloysio Biondi, 62, é jornalista econômico.
Foi editor de Economia da Folha. Escreve às
quintas-feiras no caderno Dinheiro.
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