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ALEXANDRE SCHWARTSMAN
A falácia de Sherwood
O novo argumento é que o
governo não gasta, mas
transfere recursos de uma
parte da população para outra
ROBIN HOOD, quem diria, é a
mais recente justificativa para o esbanjamento. Segundo
novíssimo argumento, não é verdade que o governo gaste muito nem
que a despesa pública tenha aumentado vertiginosamente no país nos
últimos 13 anos. Tudo o que o governo inocentemente faz, a exemplo do
salteador, é transferir recursos de
uma parcela da população para outra. Como transferências a pessoas
não representam consumo do governo, não haveria razões para que
tal comportamento gerasse preocupação com demanda ou inflação.
No entanto, a aparência de neutralidade envolvida na noção de que
o governo simplesmente tira de um
grupo para dar a outro não sobrevive a uma inspeção mais cuidadosa.
Tal operação só seria "neutra" sobre
o equilíbrio interno se a tributação
requerida para financiar essas
transferências não distorcesse de alguma forma as decisões de empresas, trabalhadores e consumidores.
Isso está longe de ser verdade no
Brasil, onde o setor privado é oprimido por enorme e crescente carga
tributária.
De fato, entre 1995 e 2006, a arrecadação federal cresceu o equivalente a 5,8% do PIB, sendo que, desse total, PIS-Cofins (2% do PIB),
CPMF (1,4% do PIB) e a contribuição para o INSS (0,7% do PIB) representam a maior parcela. São esses também os impostos que mais
distorcem a atividade econômica,
seja por seu caráter cumulativo, seja
por desencorajarem o emprego formal.
Assim, mesmo que todo aumento
de gasto público fosse destinado a
transferências a pessoas, seu financiamento por meio de impostos de
má qualidade reduz a taxa de crescimento potencial da economia, com
repercussões sobre o equilíbrio doméstico e a inflação. Ademais, dado
menor crescimento, o consumo das
gerações futuras é reduzido relativamente ao consumo presente. Quem,
porém, se importa, já que tais gerações não têm voto?
Não bastasse isso, há ainda dois
pontos a considerar. O primeiro é
que, mesmo excluindo as transferências a pessoas, o consumo do governo brasileiro não é baixo, correspondendo a cerca de 20% do PIB,
comparado a uma média ao redor de
13% do PIB nos principais países da
América Latina. Talvez por essa razão nossa infra-estrutura seja referência na região, e nossos serviços
públicos, invejados por todo o globo.
Além disso, como notado por minha colega Zeina Latif, houve uma
dramática mudança no padrão cíclico do consumo governamental nos
últimos anos. Entre 1997 e 2002, o
consumo do governo e o gasto privado se moviam tipicamente em direções opostas: quando o gasto privado se acelerava, o consumo do governo se retraía e vice-versa (a correlação era forte e negativa, -0,82).
Entre 2003 e a primeira metade de
2007, observa-se exatamente o contrário: uma alta correlação positiva
(0,67) entre essas variáveis, ou seja,
em vez de contribuir para a estabilização do ciclo, a política fiscal amplia a volatilidade.
Assim, na atual conjuntura, em
que o gasto privado já cresce 6% ao
ano, com tendência de aceleração, a
política fiscal põe desnecessariamente mais lenha na fogueira, reduzindo o espaço para queda adicional
da taxa de juros.
Proclamar a falácia de Sherwood
em altos brados não basta para eliminar as distorções associadas ao
gasto público. Isso não altera o tamanho e a composição perversa da
carga tributária nem muda o caráter
pró-cíclico do consumo governamental. Serve apenas para tentar tirar o foco do necessário, e sempre
adiado, ajuste fiscal.
ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 44, é economista-chefe
para América Latina do Banco Real, doutor pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.
Internet: http://www.maovisivel.blogspot.com/
alexandre.schwartsman@hotmail.com
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