São Paulo, quarta, 13 de janeiro de 1999

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LUÍS NASSIF

O terceiro ataque apache

Quando o déficit comercial ampliou, disseram que bastaria dois anos para que o aumento de produtividade permitisse o crescimento das exportações. Quando as exportações não cresceram, disseram que bastaria a recuperação dos preços internacionais para os superávits voltarem. Quando os asiáticos desvalorizaram suas moedas, disseram que levaria muitos anos até que sua economia se reorganizasse e lhes devolvessem o ímpeto exportador. Quando o Brasil quebrou externamente, disseram que bastaria um plano fiscal para reequilibrar as contas externas. Quando a comunidade financeira internacional dizia que a política cambial não deveria ser alterada, disseram que não poderiam tomar uma atitude que fosse contra as expectativas do mercado. Quando as expectativas do mercado apontavam que a combinação de câmbio apreciado e taxas de juros elevadas era um beco sem saída, e passou-se a recomendar mudança cambial, disseram que não se curvariam às pressões dos especuladores internacionais.
De desculpa em desculpa, chegou-se ao desfecho da última etapa da crise cambial -que tem início com a ida ao FMI (Fundo Monetário Internacional). Ontem começou oficialmente o terceiro ataque apache. Só que, agora, com reservas em queda livre e taxas de juros que esfrangalham a economia e produzem apenas pânico entre os investidores.
Desde a crise da Ásia se sabia que o país andava no fio da navalha das expectativas dos agentes internacionais. Desde o acerto com o FMI se sabia que o primeiro trimestre seria extraordinariamente complexo, especialmente na relação entre governo federal e governadores, devido à queda da receita, com a política monetária adotada. Desde dezembro se sabia que o acordo com o FMI fora insuficiente para administrar as expectativas do mercado. Desde o segundo turno das eleições se sabia que haveria Itamar. E desde sempre se sabe que não há nada mais previsível que a imprevisibilidade desse totem da política pátria.
Portanto Itamar merece toda a condenação possível por seu ato oportunista, mas ele apenas precipitou uma crise previsível.
Já se tinha um plano inconsistente do ponto de vista macroeconômico -pois buscava ajuste fiscal com recessão. Sabia-se que não haveria como produzir nenhum fato econômico relevante neste início de ano. E que o período seria marcado por pressões políticas de toda ordem, decorrentes do aumento do desemprego, da quebradeira e da crise dos Estados e municípios. Mas não se cuidou sequer de produzir fatos políticos que ajudassem a administrar as expectativas.
Ontem o mercado se perguntava que fato novo poderia inverter as expectativas em relação à política econômica. E ninguém sabia a resposta.

"Currency board"
A idéia de se implantar um "currency board" no país, sem uma desvalorização prévia do real, seria a perpetuação do quadro atual de recessão e crise fiscal. Quem propõe isso não tem a menor idéia do quadro de carências nacional, da estrutura federativa nacional. São as mesmas pessoas que ajudaram a dar sustentação, por quatro anos, a uma política cambial claramente inconsistente e que consideram que o mundo é uma mesa de câmbio cercada por países de todos os lados.

E-mail: lnassif@uol.com.br



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