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O Congresso e a volta à honradez
ALOYSIO BIONDI
O país foi furtado em R$ 3,5
bilhões em uma única operação
de privatização executada pelas
equipes econômicas do governo
Collor e FHC. É esse o significado exato da sentença do juiz
Sérgio Ricardo Fernandez, revelada às vésperas do Carnaval,
sobre a qual o Congresso Nacional, em particular, e os formadores de opinião, em geral, devem refletir profundamente.
Mais uma vez, a decisão judicial foi noticiada de forma escandalosamente distorcida, encobrindo o crime e os criminosos. Analisada de forma correta, a sentença é revolucionária,
porque coloca a nu todas as negociatas que vêm marcando a
política de privatização no Brasil.
Ela surge como um alerta, para que senadores e deputados,
principalmente aqueles com
uma história de serviços prestados ao país, retomem o seu papel de homens públicos e sentimentos de honradez, passando
a impedir que o patrimônio coletivo (isto é, de toda a sociedade) continue a ser saqueado.
A política de privatização é
uma sucessão de crimes de lesa-pátria, envolvendo dezenas e
dezenas de bilhões de reais.
O crime
Ao longo dos últimos anos, as
equipes econômicas privatizaram a Petroquisa, uma empresa subsidiária (``filial'') da Petrobrás, criada para cuidar do
setor petroquímico (matérias-primas, fertilizantes etc.).
A Petroquisa, ela própria, era
também gigantesca: tinha 90
empresas ``filiais'', cada uma
voltada para determinado setor
ou produto, com investimentos
de R$ 5,2 bilhões.
Qual o preço que os ``compradores'' pagaram pela Petroquisa? Diz esta Folha (edição de
7/2 último): ``segundo o juiz,
apenas o equivalente a US$
1.000 em dinheiro, e US$ 941,7
milhões em títulos da dívida
pública'' (isto é, moedas podres). No total, menos de R$ 1
bilhão. Contra investimentos
de R$ 5,2 bilhões.
O protesto
A dona da Petroquisa era a
Petrobrás, com 99% do capital,
enquanto o 1% restante pertencia a acionistas minoritários.
Foram esses acionistas minoritários que, inconformados
com a venda de seu patrimônio
a preço de banana, entraram
com ação na Justiça, para receber a diferença correspondente
à ``fatia'' de 1% das ações de
sua propriedade. O juiz lhes
deu razão. Eles vão receber uns
R$ 40 milhões (ou pouco mais
de 1% daqueles R$ 3,5 bilhões).
A vítima
O noticiário sobre a decisão
judicial, na última sexta-feira,
foi equivocado, em alguns casos. Em outros, houve má-fé,
distorção deliberada, com
manchetes nauseantes tipo
``Petrobrás deita e rola e enlouquece o governo''.
No noticiário, a Petrobrás
aparece como a criminosa, condenada a pagar uma multa
``bilionária'', ``a maior de todos
os tempos'', tudo dentro da
campanha para desmoralizar
as empresas estatais e forçar a
privatização. Na verdade, a Petrobrás é a vítima do crime que
foi a privatização da Petroquisa. Os mandantes do crime? As
equipes econômicas.
O assalto
Para chegar à verdade, é preciso compreender os mecanismos de aplicação das leis. Primeiro: como visto, a Petrobrás
era ``dona'', ou acionista majoritária, da Petroquisa. Segundo: por isso, conforme a lei, era
ela, Petrobrás, a responsável
pelas condições de venda, isto
é, preços, prazos etc. Terceiro:
assim, conforme a lei, a ação
judicial dos acionistas minoritários foi contra a Petrobrás, e
não contra as equipes econômicas. Conclusão: a sentença judicial condenou a Petrobrás exclusivamente porque ela era o
acionista majoritário. Mas a
Petrobrás apenas cumpriu ordens da equipe econômica. Como todas as estatais que vêm
sendo privatizadas o fazem.
O prejuízo
Por causa dos mesmos mecanismos legais, a sentença do
juiz condenou a Petrobrás a indenizar não apenas os acionistas minoritários, mas a toda a
Petroquisa, em nada menos de
R$ 3,5 bilhões.
Como a Petrobrás era a dona
da Petroquisa, ``teoricamente''
ela vai indenizar a si própria.
Assim, o leigo pode ter a impressão de que ninguém perdeu
com a história. Não é isso. Na
prática, a Petrobrás perdeu R$
3,5 bilhões -que deveriam ter
sido pagos pelos compradores.
A Petrobrás tem o Tesouro como sócio majoritário, além de
acionistas privados. Todos perderam. O caso Petroquisa coloca a nu as aberrações da política de privatização.
Aloysio Biondi, 60, é jornalista econômico.
Foi editor de Economia da Folha e diretor de
Redação da revista ``Visão''. Escreve às quintas-feiras no caderno Dinheiro.
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