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Lehman escondeu dados, aponta auditoria
Relatório afirma que o banco usou manobras contábeis para mascarar sua situação frágil antes de quebrar, em 2008
Ação "deliberadamente enganosa" era encabeçada pela presidência do banco, diz auditor; quebra foi estopim da crise global
MICHAEL J. DE LA MERCED
ANDREW ROSS SORKIN
DO "NEW YORK TIMES", EM NOVA YORK
Como o equivalente financeiro a um relatório de autópsia, um documento de 2.200
páginas revela, em novos e espantosos detalhes, de que maneira o Lehman Brothers utilizou prestidigitações contábeis
a fim de ocultar os maus investimentos que resultaram em
sua quebra.
O relatório, compilado por
um auditor do banco agora extinto, causou estrondo em Wall
Street na quinta-feira. A empresa de 158 anos de idade, conclui o auditor, morreu por múltiplas causas.
Entre elas estavam maus investimentos hipotecários e, mais indiretamente,
a demanda de dois rivais,
JPMorgan Chase e Citigroup,
para que o banco apresentasse
caução se desejasse receber
empréstimos dos quais necessitava desesperadamente.
Mas o auditor, Anton Valukas, revelou também, pela primeira vez, aquilo que o relatório define como truques contábeis "deliberadamente enganosos" que o Lehman Brothers
usou para mascarar a situação
precária de suas finanças. A
quebra do banco, a maior na
história dos Estados Unidos,
abalou o mundo financeiro. O
medo de que outras instituições seguissem por esse caminho, em um efeito dominó de
falências, terminou por levar o
governo a organizar uma operação abrangente de resgate ao
setor financeiro americano.
De acordo com o relatório, o
Lehman Brothers usou uma
forma de engenharia financeira
a fim de remover temporariamente US$ 50 bilhões de suas
contas, nos meses que precederam o colapso de setembro de
2008, a fim de ocultar sua dependência de capital emprestado. Importantes executivos do
Lehman Brothers, bem como
os auditores oficiais do banco,
na Ernst & Young, estavam informados sobre a manobra, de
acordo com Valukas, que é sócio no escritório de advocacia
Jenner & Block, responsável
pelo relatório sobre a falência
do banco. Richard Fuld Jr., então presidente-executivo do
Lehman Brothers, certificou as
contas enganosas, de acordo
com relatório.
"Sem que o público investidor, as agências de classificação
de crédito, as autoridades regulatórias do governo e o conselho do Lehman soubessem, o
banco praticou engenharia reversa em seu nível líquido de
alavancagem, para fins de consumo público", diz Valukas.
Alerta
Fuld foi "no mínimo imensamente negligente", afirma o relatório. Henry Paulson, que era
secretário do Tesouro na época, alertou Fuld para o fato de
que o Lehman Brothers poderia quebrar, a menos que estabilizasse suas finanças ou encontrasse um comprador.
Os executivos do banco recorreram ao que o relatório caracterizou como "manipulação
ilegal de balanços", além de "erros não dolosos de julgamento
financeiro".
O relatório não extrai conclusões quanto a possíveis violações das leis financeiras norte-americanas pelos executivos
do Lehman Brothers. Mas sugere que existem indícios para
processos civis. Os executivos
do banco já são réus em processos civis, mas ainda não foram
indiciados criminalmente.
O relatório surge mais de 18
meses depois que boa parte do
Lehman Brothers foi vendida
ao Barclays, que hoje ocupa a
antiga sede do banco na região
central de Manhattan.
Grande porção do relatório
em nove volumes toma por tema as manobras contábeis, conhecidas no interior do Lehman Brothers como operações
"Repo 105".
Primeiro empregadas em
2001, muito antes da crise, as
transações "Repo 105" transferiam sigilosamente bilhões de
dólares para fora da contabilidade do Lehman Brothers, em
um período no qual o banco estava sob pesado escrutínio.
De acordo com Valukas, Fuld
ordenou que os executivos do
Lehman Brothers reduzissem
os níveis de endividamento do
banco, e dirigentes da instituição tentaram repetidamente
usar transações "Repo 105" como forma de mascarar os resultados da empresa. A lista de
executivos identificados no relatório como participantes no
uso dessa ferramenta contábil
inclui três antigos vice-presidentes financeiros do banco.
Patricia Hynes, advogada
que representa Fuld, afirmou
em mensagem que o executivo
"não sabia o que eram essas
transações e que ele não as estruturou ou negociou". Charles
Perkins, porta-voz da Ernst &
Young, afirmou em mensagem
que "nossa última auditoria da
companhia foi para o ano fiscal
encerrado em 30 de novembro
de 2007. O parecer indicava
que as declarações financeiras
para o período satisfaziam o padrão contábil, e continuamos a
sustentar essa posição".
Bryan Marshall, o atual presidente-executivo do Lehman
Brothers e encarregado de fechar a empresa, afirmou em comunicado que "avaliará cuidadosamente o relatório para verificar de que maneira poderia
ajudar nos esforços para defender os interesses dos credores".
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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