São Paulo, sábado, 13 de março de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Lehman escondeu dados, aponta auditoria

Relatório afirma que o banco usou manobras contábeis para mascarar sua situação frágil antes de quebrar, em 2008

Ação "deliberadamente enganosa" era encabeçada pela presidência do banco, diz auditor; quebra foi estopim da crise global

MICHAEL J. DE LA MERCED
ANDREW ROSS SORKIN
DO "NEW YORK TIMES", EM NOVA YORK

Como o equivalente financeiro a um relatório de autópsia, um documento de 2.200 páginas revela, em novos e espantosos detalhes, de que maneira o Lehman Brothers utilizou prestidigitações contábeis a fim de ocultar os maus investimentos que resultaram em sua quebra.
O relatório, compilado por um auditor do banco agora extinto, causou estrondo em Wall Street na quinta-feira. A empresa de 158 anos de idade, conclui o auditor, morreu por múltiplas causas.
Entre elas estavam maus investimentos hipotecários e, mais indiretamente, a demanda de dois rivais, JPMorgan Chase e Citigroup, para que o banco apresentasse caução se desejasse receber empréstimos dos quais necessitava desesperadamente.
Mas o auditor, Anton Valukas, revelou também, pela primeira vez, aquilo que o relatório define como truques contábeis "deliberadamente enganosos" que o Lehman Brothers usou para mascarar a situação precária de suas finanças. A quebra do banco, a maior na história dos Estados Unidos, abalou o mundo financeiro. O medo de que outras instituições seguissem por esse caminho, em um efeito dominó de falências, terminou por levar o governo a organizar uma operação abrangente de resgate ao setor financeiro americano.
De acordo com o relatório, o Lehman Brothers usou uma forma de engenharia financeira a fim de remover temporariamente US$ 50 bilhões de suas contas, nos meses que precederam o colapso de setembro de 2008, a fim de ocultar sua dependência de capital emprestado. Importantes executivos do Lehman Brothers, bem como os auditores oficiais do banco, na Ernst & Young, estavam informados sobre a manobra, de acordo com Valukas, que é sócio no escritório de advocacia Jenner & Block, responsável pelo relatório sobre a falência do banco. Richard Fuld Jr., então presidente-executivo do Lehman Brothers, certificou as contas enganosas, de acordo com relatório.
"Sem que o público investidor, as agências de classificação de crédito, as autoridades regulatórias do governo e o conselho do Lehman soubessem, o banco praticou engenharia reversa em seu nível líquido de alavancagem, para fins de consumo público", diz Valukas.

Alerta
Fuld foi "no mínimo imensamente negligente", afirma o relatório. Henry Paulson, que era secretário do Tesouro na época, alertou Fuld para o fato de que o Lehman Brothers poderia quebrar, a menos que estabilizasse suas finanças ou encontrasse um comprador.
Os executivos do banco recorreram ao que o relatório caracterizou como "manipulação ilegal de balanços", além de "erros não dolosos de julgamento financeiro".
O relatório não extrai conclusões quanto a possíveis violações das leis financeiras norte-americanas pelos executivos do Lehman Brothers. Mas sugere que existem indícios para processos civis. Os executivos do banco já são réus em processos civis, mas ainda não foram indiciados criminalmente.
O relatório surge mais de 18 meses depois que boa parte do Lehman Brothers foi vendida ao Barclays, que hoje ocupa a antiga sede do banco na região central de Manhattan.
Grande porção do relatório em nove volumes toma por tema as manobras contábeis, conhecidas no interior do Lehman Brothers como operações "Repo 105".
Primeiro empregadas em 2001, muito antes da crise, as transações "Repo 105" transferiam sigilosamente bilhões de dólares para fora da contabilidade do Lehman Brothers, em um período no qual o banco estava sob pesado escrutínio.
De acordo com Valukas, Fuld ordenou que os executivos do Lehman Brothers reduzissem os níveis de endividamento do banco, e dirigentes da instituição tentaram repetidamente usar transações "Repo 105" como forma de mascarar os resultados da empresa. A lista de executivos identificados no relatório como participantes no uso dessa ferramenta contábil inclui três antigos vice-presidentes financeiros do banco.
Patricia Hynes, advogada que representa Fuld, afirmou em mensagem que o executivo "não sabia o que eram essas transações e que ele não as estruturou ou negociou". Charles Perkins, porta-voz da Ernst & Young, afirmou em mensagem que "nossa última auditoria da companhia foi para o ano fiscal encerrado em 30 de novembro de 2007. O parecer indicava que as declarações financeiras para o período satisfaziam o padrão contábil, e continuamos a sustentar essa posição".
Bryan Marshall, o atual presidente-executivo do Lehman Brothers e encarregado de fechar a empresa, afirmou em comunicado que "avaliará cuidadosamente o relatório para verificar de que maneira poderia ajudar nos esforços para defender os interesses dos credores".


Tradução de PAULO MIGLIACCI


Texto Anterior: Fiat dá início ao recall do Stilo na próxima quinta
Próximo Texto: Contabilidade era "decoração", diz executivo
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.