São Paulo, segunda-feira, 13 de abril de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ENTREVISTA DA 2ª

JAMES L. MCGREGOR

China precisa crescer para manter a coesão interna

Consultor diz que a própria estabilidade do governo depende da criação de empregos e do crescimento acelerado do país

A China vai crescer 8% neste ano e continuar comprando matérias-primas do Brasil, "porque a economia aqui é política, e o governo precisa e tem poder para fazê-la crescer de qualquer jeito". A opinião, que contraria o pessimismo de muitos economistas quanto à recuperação chinesa, é do consultor americano James L. McGregor, 54, que há 22 anos vive na China.

RAUL JUSTE LORES
DE PEQUIM

Bancos, empresas estatais e o governo chinês têm muito dinheiro em caixa para sustentar o crescimento, e vão fazê-lo porque a própria estabilidade do Partido Comunista depende da criação de empregos em um país de dimensões continentais, diz o consultor James L. McGregor.
"Cerca de 300 milhões já vivem com conforto, mas é preciso ainda melhorar a vida de 1 bilhão de cidadãos", avalia.
McGregor é autor do best-seller "One Billion Customers: Lessons from the Frontlines of Doing Business in China" ("Um Bilhão de Consumidores: Lições da Linha de Frente para Fazer Negócios na China"), da editora americana Wall Street Journal Books.
Ele presidiu a Câmara Americana de Comércio da China, foi chefe do escritório do jornal "The Wall Street Journal" em Pequim e diretor da Dow Jones no país. Possui uma consultoria com escritórios em Pequim, Xangai e Nova York.
Leia trechos da entrevista que ele deu à Folha em seu escritório em Pequim.

 



"ECONOMIA POLÍTICA"
A China tem uma economia política. O governo tem muita margem de manobra. Eles têm muito dinheiro no banco e são donos de todos os bancos. As empresas estatais têm muitos recursos, e o governo também é dono delas.
Cerca de 300 milhões de chineses vivem confortavelmente, mas é preciso ainda melhorar a vida de 1 bilhão de cidadãos.
Eles precisam colocar dinheiro no interior para diminuir a divisão entre a China urbana e a China rural. Para manter a estabilidade, eles precisam criar mais consumidores. Só isso já faz a economia crescer naturalmente.

FELICIDADE GERAL
O governo quer manter a sociedade feliz e confiante. Eles controlam a mídia, que vive repetindo "as coisas vão bem, estamos melhor que no resto do mundo". Como resultado, os chineses não estão deprimidos como os ocidentais.
Enquanto isso, nos EUA a mídia mata o espírito, o ânimo. O discurso é apocalíptico.

PSICOLOGIA DO CONSUMO
Este governo é baseado na cultura chinesa e conhece muito a psicologia dos cidadãos. Em várias cidades grandes, como Dalian e Hangzhou, as prefeituras têm oferecido barganhas do tipo "se você viajar até o fim do mês com este cupom, você recebe 40% de desconto". E o chinês não pode deixar passar uma boa pechincha. A distribuição de cupons acontece onde a economia desacelerou.

FINANCIAMENTO
Houve um grande aumento dos empréstimos concedidos por bancos, 4 trilhões de yuans (R$ 1,33 trilhão, ou o PIB de um ano do Brasil) no primeiro trimestre, mas só dá para saber para onde foi esse dinheiro daqui a uns seis meses. O sistema não é transparente, e os bancos chineses só emprestam para os credores mais seguros, que são as grandes empresas estatais.
Os bancos chineses precisam facilitar o crédito para a iniciativa privada, principalmente as pequenas e médias empresas.

CRESCIMENTO DE 8%
A credibilidade do governo é baseada em crescimento. Você tem uma população que se acostumou a um crescimento de 10% ao ano por 20 anos. As expectativas são muito altas, e o Partido precisa lidar com 1,3 bilhão de chineses. Se você desafia o Partido sozinho, ele irá correr para cima de você, mas não dá para fazer isso com o país inteiro.

POUPANÇA
No Ocidente, espera-se que cada chinês que perdeu o emprego faça uma manifestação, um protesto na rua. Isso acontece no resto do mundo?
Os chineses têm poupança, em média economizam 40% de seus rendimentos, diferentemente do que ocorre com os norte-americanos, que estão endividados.
Os únicos protestos que aconteceram foram por patrões que sumiram sem pagar o salário. Nas Províncias de onde saem os migrantes rurais, Anhui, Gansu, ainda não houve protestos significativos.

DEMOCRACIA
Além das ideias espertas, Barack Obama [presidente dos EUA] precisa negociar com um monte de gente, tem a prestação de contas da democracia. Na China, não. O governo tem um plano e o executa. Se é bom, eles fazem tudo. Mas, se é ruim, não tem quem os pare.
Nos anos 90, eles criaram a base para uma economia global competitiva, construíram aeroportos, ferrovias e portos modernos, espalharam fibra ótica, fizeram estradas de primeira.
O calcanhar de Aquiles agora é fazer o chinês gastar mais, mesmo sem um bom sistema de aposentadorias, de educação e de saúde gratuitos, desmontados nos anos 90.

SENSO DE INJUSTIÇA
Há um senso de injustiça crescendo. Todo mundo tem um celular que tira fotos e não tem problemas de fotografar figurões do partido no interior quando circulam de terno Zegna, Rolex e a amante no BMW.
Se não investir no interior, o Partido Comunista pode perder o poder. Eles sabem disso. O terremoto de Sichuan deixou o partido nu. Milhares de crianças morreram porque as escolas foram feitas em péssima qualidade e desabaram, enquanto os prédios do Partido ficaram em pé.

NACIONALISMO
Os líderes chineses querem investimentos estrangeiros. Eles precisam do gerenciamento e da tecnologia de fora, é o que chamam de dinheiro bom.
Acho que a proibição da venda da (gigante de sucos) Huiyuan à Coca-Cola foi uma exceção. Foi uma decisão política, lá de cima, pois o Ministério do Comércio tinha aprovado o negócio. O governo está sob crítica dura por ter investido tanto em títulos americanos e não quis arriscar ser atacado pelos mais nacionalistas.

MODELO CHINÊS
A China não seguiu os conselhos de FMI ou do Banco Mundial para abrir suas contas de capital e se endividar com os países ricos, como tantos outros países fizeram.
A China é grande e muitas vezes se considera o centro do mundo: o resto são bárbaros, que precisam vir aqui pagar seus respeitos.
Foi assim por milhares de anos, e a China sente que este é o seu retorno triunfal. Os chineses estudaram cada sistema político, econômico e bancário que viram pelo mundo. O chinês é um estudante aplicado, e o governo é um estudante de todo o globo.

ARROGÂNCIA
Os chineses importaram o comunismo do Ocidente e não deu muito certo. Então eles querem criar o seu modelo.
Têm uma escala de um bilhão de trabalhadores e consumidores, o que ajuda. O perigo é a arrogância, eles precisam se cuidar muito para não se tornarem arrogantes. Os Estados Unidos dos últimos oito anos, do governo Bush, são um bom exemplo do que poder e arrogância juntos podem criar.

PROBLEMAS
Esta crise, como nos EUA, serve para corrigir problemas que já têm longa duração.
A China precisa corrigir sua capacidade exagerada de produção, a poluição que intoxica parte do país, a corrupção no Partido. Este é um governo de engenheiros, onde se coloca como única meta o crescimento econômico. Mas esse "software" precisa mudar, é necessário calibrar a qualidade da educação e da saúde, observar os direitos do consumidor.


Texto Anterior: Frases

Próximo Texto: Frase
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.