São Paulo, quinta-feira, 13 de maio de 2004

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LUÍS NASSIF

Mesmos erros, explicações iguais

Em dezembro do ano passado, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, declarou pela enésima vez que a taxa de juros do país só cairia com a queda do risco Brasil. E pela enésima vez assegurou que o risco Brasil cairia com a melhora dos fundamentos da economia.
O risco Brasil é definido, entre outros fatores, principalmente pelas cotações do C-Bond -o título com maior negociação da dívida brasileira. As cotações desse papel dependem não apenas da situação do país em si, mas das alternativas que os investidores dispõem para seus investimentos.
Criou-se a seguinte lógica:
1) a retomada da atividade econômica do país depende de uma queda substancial dos juros, que
2) depende da queda do risco Brasil, que
3) depende da melhoria do valor do C-Bond, que
4) depende da disposição dos investidores internacionais, que
5) pode ser alterada por qualquer evento relevante internacional, sem nenhuma relação direta com o país.
Aí o Fed norte-americano acena com a possibilidade de aumento das taxas de juros internas. Parte dos investimentos em papéis mais especulativos retornará para os EUA. Como não há idéia do volume que será atraído pelos juros norte-americanos, criam-se o chamado efeito manada -os investidores fogem de papéis de maior risco para não serem atropelados pelos investidores que se anteciparem- e um maremoto internacional com essa realocação de portfólio. E o Brasil amarrado a essa irracionalidade.
Agora se é obrigado a ouvir os mesmos cabeças de planilha de sempre, do mercado, da imprensa e do BC, explicando que a crise tem razões externas, portanto nada a ver com os fundamentos da economia brasileira. Mas dói do mesmo jeito.
E que o risco Brasil é alto pelo temor de que sobrevenham controles administrativos -temores que são fruto exclusivo das distorções da liberalização cambial à brasileira.

Amadorismo
Na reportagem sobre Lula, o correspondente do "New York Times" cometeu o que comumente se chama de "esquentamento de matéria". Pegou um boato, o hábito de beber de Lula. Associou-o a duas características de Lula que nada têm a ver com o álcool: as gafes nas declarações de improviso e o desânimo atual. Juntou declarações de três fontes não apropriadas, um cronista cultural que interpreta um personagem, um colunista político especializado em "potins" de Brasília e um adversário político. Não apresentou nenhum fato ou aparição pública que mostrasse Lula embriagado. Limitou-se a mencionar fotos com faces vermelhas.
Nestes tempos em que a grande mídia norte-americana está fragilizada perante seus leitores com acusações de "esquentamento" e de ficção nas reportagens, que se sabe que o correspondente era do grupo do ex-diretor de Redação do jornal, que se demitiu após os escândalos com reportagens falsas, seria facílimo desqualificar a obra e o criador. Bastaria uma carta bem fundamentada ao jornal, escrita em tom sóbrio e superior, demonstrando tecnicamente o "esquentamento" ocorrido.
Em vez disso, transformaram um jornalista de "esquentamento" em mártir da liberdade de imprensa.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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