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TENSÃO ENTRE VIZINHOS
Presidente boliviano agora chama Petrobras de sócia e desmente ataques públicos da véspera
Evo se desdiz e culpa "tergiversação" da mídia
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A VIENA
O presidente boliviano, Evo
Morales, desdisse ontem tudo o
que havia dito na véspera sobre o
Brasil e a Petrobras, fez um discurso de suprema humildade na
sua segunda entrevista coletiva
em dois dias de Viena, transformou a Petrobras de "contrabandista" em "sócia" outra vez e usou
o mais velho e desgastado recurso
dos governantes: culpou "tergiversações" da mídia pelo confronto, ao menos retórico, com o
Brasil e o "companheiro" Lula.
"Às vezes é simples para alguns
meios de comunicação, com tergiversações, provocar confronto,
peleja, enfrentamento com o
companheiro Lula. Isso não vai
acontecer", disse Morales no começo da noite de ontem, em entrevista que diplomatas brasileiros transmitiram ao vivo, por celular, diretamente para o chanceler Celso Amorim.
A desculpa do presidente boliviano ao menos desta vez pode
não colar, porque tanto Lula como seus dois principais colaboradores diplomáticos, Amorim e
Marco Aurélio Garcia, ouviram a
gravação da entrevista da véspera.
Ficaram de fato com uma única
dúvida: se Morales havia ou não
incluído a Petrobras na lista das
empresas petrolíferas que fazem
"contrabando". Incluiu, mas,
agora, diz que não. "Eu disse que
vamos investigar empresas petrolíferas para ver se pagam ou não
impostos. Não mencionei a Petrobras", desdisse Morales ontem.
Os enviados especiais do Itamaraty à segunda coletiva do boliviano assinalaram, na volta ao Hotel
Imperial, o QG da delegação brasileira, a imensa diferença entre o
Morales de anteontem e o de ontem: "agressivo" na véspera e
"humilde" ontem.
Aliás, uma e outra vez, o presidente boliviano antecedia ou finalizava observações com a frase
"com todo o respeito" ou "com
toda a humildade".
Do triunfalismo da véspera,
Morales passou a enfrentar um
verdadeiro corredor polonês de
perguntas duras. Entre elas a de
que é "títere" de Hugo Chávez e
do cubano Fidel Castro. O presidente pediu respeito, disse que
"não é títere de ninguém, nem de
Fidel ou Chávez", e cobrou: "Aos
meus antecessores ninguém perguntou se eram títeres dos governos norte-americanos".
O recuo alcançou não só a Petrobras mas também a Repsol (espanhola), igualmente convidada
a ser "sócia", e o próprio governo
espanhol. Na véspera, Morales
ironizara o premiê espanhol, José
Luis Rodríguez Zapatero, ao dizer
que ele lhe havia prometido o perdão da dívida boliviana e dobrar a
ajuda ao país se ganhasse a eleição, o que não aconteceu.
Agora, Morales elogia o fato de
que a Espanha é a principal estimuladora de propostas para que a
dívida de países pobres seja perdoada em troca de investimentos
em educação (o Brasil também
apoia a idéia).
O único ponto em que ainda ficou uma réstia de agressividade
foi no caso da siderúrgica brasileira EBX, embora não citada nominalmente. Morales disse que, se
Lula ficara "indignado" com sua
entrevista da véspera, "nós também podemos estar indignados
com empresas que exploram irracionalmente nossos recursos naturais" (acusação que ele próprio
fez reiteradamente à EBX).
Como é óbvio, o governo brasileiro recebeu o recuo como "positivo", depois de, na véspera, ter
manifestado "indignação" com
Morales. "Cria condições para a
retomada do diálogo", disse
Amorim, depois de conversar
com Lula sobre a entrevista.
Condições que certamente serão discutidas hoje, em café da
manhã entre os dois presidentes,
se, até lá, não houver recuo do recuo ou qualquer outra estocada
verbal de autoridades bolivianas.
Tudo somado, o "diálogo" ficou
do tamanho em que estava na
quarta, quando o presidente da
Petrobras, José Sérgio Gabrielli, e
o ministro das Minas e Energia,
Silas Rondeau, iniciaram as negociações com o governo boliviano
sobre o gás que o Brasil importa.
Parecia, pelo relato recebido pelo presidente Lula, que tudo estava indo maravilhosamente bem.
As autoridades brasileiras negam que tenha havido qualquer
contato com os bolivianos que explique a mudança de Morales. Os
bolivianos tampouco explicam.
Há apenas hipóteses.
Um: Morales estaria "nervoso",
como ele mesmo disse ontem, em
sua primeira participação em
uma cúpula do gênero.
Dois : a afirmação do ministro
Celso Amorim, em entrevista horas antes, de que não excluía a retirada do embaixador brasileiro
na Bolívia, "se verificarmos que
não há diálogo possível".
Três: conselhos de outros governantes, como Jacques Chirac,
da França. O próprio Morales
contou, na entrevista, que Chirac
lhe disse que, pela primeira vez
em 500 anos, havia sido resgatada
a dignidade do povo indígena,
mas que o presidente boliviano
deveria ser "mais diplomático".
Morales só não se desdisse sobre o Acre, o território que o Brasil comprou da Bolívia "pelo preço de um cavalo", segundo dissera na véspera. Ontem, o tema
Acre voltou, mas um assessor
passou a Morales a orientação: "A
última pergunta [de um brasileiro] não deve ser respondida pela
sua carga".
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