São Paulo, domingo, 13 de maio de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Empresas ajudam Receita a fazer regras

Utilizado em outras partes do mundo para aperfeiçoar a tributação, convênio será investigado pelo Ministério Público

Sindicato de auditores vê ameaça à independência do fisco; entidade empresarial diz que atua dentro da lei e em prol do comércio exterior

FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI

DA REPORTAGEM LOCAL

Um convênio firmado entre a Receita Federal e o instituto privado Procomex permite que um grupo de empresas possa sugerir e elaborar normas relacionadas com a logística do comércio exterior por meio de contato estreito com a cúpula da Coana (Coordenação Geral de Administração Aduaneira).
A proximidade entre as empresas reunidas no Procomex e a Receita Federal -representantes dos dois órgãos se reúnem ao menos uma vez por mês- levanta uma discussão entre auditores fiscais, advogados e procuradores: até que ponto um grupo de empresas pode interferir em normas que tratam de processos de importação e exportação e até do controle aduaneiro no país?
Com sede em São Paulo, o Instituto Procomex é bancado por 37 empresas, como American Airlines, Basf, Eaton, Fiat, Mattel, Bosch e Unilever. Funciona como braço jurídico da Aliança Pró-Modernização Logística do Comércio Exterior, que congrega 70 entidades representantes da indústria, do comércio e do transporte.
O Ministério Público Federal em São Paulo abriu procedimento administrativo na semana passada para verificar se o convênio assinado entre a Receita e o Procomex em julho do ano passado é legal ou não.
O MPF entendeu que era preciso realizar investigação por avaliar que as empresas podem e devem cooperar com a Receita, mas não necessariamente por meio de convênios, que limitam as discussões com grupos de empresas.

Legalidade
A procuradora que cuidará da investigação, Inês Virgínia Prado Soares, diz que, a partir desta semana, irá pedir informações sobre o convênio e reuniões que já ocorreram entre representantes da Receita e do Procomex e verificar se isso está adequado à lei de licitações.
O Unafisco (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal) também procurou o MPF em Brasília para solicitar investigação sobre a legalidade do convênio, cujo objetivo é "implementar ações conjuntas visando melhorar a prática, a estrutura e o desempenho e suporte logístico na área de comércio exterior."
As reuniões realizadas entre a Receita e o Procomex contaram com a participação do coordenador-geral da Administração Aduaneira da Receita Federal, Ronaldo Medina. Um dia após deixar o cargo, na última quarta-feira, ele se reuniu com empresas do instituto para apresentar seu substituto, Francisco Labriola, que passará agora a se reunir com os representantes da instituição.
A sintonia entre a Receita e o Procomex pode ser constatada no próprio site do instituto (www.procomex.org.br). Foram montados cinco grupos de trabalho com representantes do fisco e do instituto.
Um dos vários boletins da entidade -o Procomex News- divulgados no site destaca a participação do instituto na elaboração da instrução normativa nš 650, de maio de 2006, que dispõe sobre a habilitação de importadores e exportadores da Zona Franca de Manaus para operação no Siscomex (Sistema Integrado de Comércio Exterior).
"A nova instrução atende muitos dos pleitos que o Procomex encaminhou à Coana por ocasião de diversas reuniões realizadas pelo grupo de trabalho instalado para formalizar as sugestões. Vários desses encontros contaram com a presença de Ronaldo Lázaro Medina, coordenador-geral da Coana, além de outros representantes do governo e do setor privado", afirma o boletim.
"Na instrução nš 650, trabalhamos junto com a Receita no sentido de diminuir as exigências feitas às empresas", afirma John Edwin Mein, coordenador-executivo do Procomex. Por 13 anos, o executivo presidiu a Câmara Americana de Comércio de São Paulo.

Sócios
Para Carlos André, presidente do Unafisco, o convênio mostra que a Receita privilegia um grupo de empresas na hora de obter sugestões de procedimentos e normas. "Só participam das reuniões os sócios do instituto. Não há outro grupo de empresários tão afinado com a cúpula da Coana. Isso é no mínimo imoral."
Nory Celeste Sais De Ferreira, diretora de defesa profissional do sindicato dos auditores fiscais, diz que vê com "preocupação" o convênio porque a aduana é um setor "estratégico" no país. "A Receita deveria agir com independência e defender o interesse público."
Mein afirma que a instituição está aberta a quem quiser se associar e que não existe privilégios. Os sócios pagam uma mensalidade de R$ 2.250. As reuniões, segundo ele informa, são abertas a todos os interessados. "Nosso objetivo é tornar o país mais competitivo para facilitar o comércio entre o Brasil e o resto do mundo. Não trabalhamos para uma empresa ou um setor específico, mas sim para o bem comum das importações e exportações", diz.


Texto Anterior: Mercado Aberto
Próximo Texto: Rubens Ricupero: O tempo que resta
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.