São Paulo, terça-feira, 13 de maio de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

Impostos, cenouras e burros


Política industrial remenda efeito de política econômica ruim e não vai criar nova Embrapa ou novo Proálcool

NO ATACADO , a nova política industrial do governo Lula parece aquelas medidas provisórias (MPs) que se arrastam durante meses no Congresso. No caminho da tramitação, o lobista eficaz pendura a sua meia na árvore de Natal da MP: uma redução de alíquota ali, uma proteção tarifária aqui, acolá uma mexida incompreensível e rendosa no cálculo de um imposto.
Aliás, a política industrial parece uma edição revista da MP do Bem. Os penduricalhos melhoram a vida dessa ou daquela empresa/empresário. Em tese, uma empresa mais lucrativa pode investir ou inovar mais. Em tese. Na prática, não raro melhora apenas a rentabilidade de um negócio específico, sem grandes benefícios gerais, se algum. De fato, há uma parcela de empresas que investiria menos se não contasse com isenção fiscal ou empréstimo subsidiado. "Na margem", tais situações existem, mas são exatamente isso: situações marginais. Muita grande empresa investirá de qualquer modo, se houver demanda.
Imposto menor algum efeito positivo tem, mesmo se a isenção é localizada. Quanto "algum"? Mistério. Mas, se é para reduzir imposto, há medidas mais relevantes. No médio prazo, é preciso cortar gastos, como os da dívida pública, que tem crescido, em termos absolutos. O governo gasta com os juros da dívida o equivalente a oito vezes o valor total de isenções e subsídios anunciados ontem, R$ 21,4 bilhões.
Não dá para saber de antemão se o dinheiro será esse -depende de câmbio, demanda mundial, crescimento brasileiro etc. O dinheiro será fatiado em quatro anos. Na média, dá uns R$ 5,3 bilhões por ano. Pouco? Para um governo que acaba de doar R$ 3 bilhões por ano aos compradores de gasolina, parece pouco. Mas quais as vantagens para o público? Nesses pacotes industriais, a gente vê as cenouras, mas não vê o burro da carroça andar: quede as metas de quem recebe benefícios?
Na barafunda de medidas anunciadas, algumas têm bom aspecto. Mas, no geral trata-se de remendos para os efeitos maléficos de uma política macroeconômica relaxada, que causa excessos como muito imposto, juros altos e real forte demais.
Por exemplo, haverá redução de imposto e de juros de empréstimos estatais para a compra de máquinas, equipamentos, investimento em produção. Haverá mais crédito para exportadores. Haverá corte de imposto para empresa que investe em pessoal que faz software e similares, o que pode ser bom -mas é difícil fiscalizar tal coisa, vide a corrupção nas ONGs de "qualificação profissional" com dinheiro público.
Há novidades, como esse Funtec, fundo de inovação em saúde e ambiente, e outras subvenções para inovação via Finep. Como faltam detalhes, é impossível avaliá-los. E onde foi parar o programa de compras governamentais dirigido para empresas brasileiras e inovadoras?
Há coisas que suscitam péssimas lembranças. Vai haver um "Fundo de Garantia para a Construção Naval", um seguro para eventuais calotes de estaleiros. Talvez, quem sabe, a gente monte uma indústria naval como a coreana. Mas, talvez, a gente recrie a fábrica de naufrágios, ineficiências e calotes no dinheiro público que foram os estaleiros do Brasil.
Enfim, no pacote não dá para enxergar incentivos ao surgimento de nada parecido com uma Embrapa, com um Proálcool, com a pesquisa de águas profundas da Petrobras ou mesmo com uma Embraer.

vinit@uol.com.br


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