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OPINIÃO ECONÔMICA
O gás da inflação
GESNER OLIVEIRA
Se persistir o aumento do
preço do gás de cozinha como
nos últimos meses, o problema
deixará de ser apenas econômico
para se tornar motivo de preocupação dos bombeiros com o uso
excessivo do fogão a lenha nas cidades.
No passado, a cortina de fumaça da superinflação dificultava a
identificação de problemas microeconômicos. Distorções gritantes de alguns mercados podiam
passar despercebidas na infernal
espiral de preços.
Felizmente o país estabilizou e
as projeções de inflação se situam
atualmente em patamares civilizados. Naturalmente, as maiores
variações sobressaem. O gás de
botijão foi o produto que teve o
maior peso na inflação acumulada neste ano medida pelo Índice
de Preços ao Consumidor Amplo
(IPCA) do IBGE, divulgado nesta
semana. O IPCA acumulado até
junho foi de 2,94%, dos quais o
gás de botijão contribuiu com
0,43 ponto percentual. O produto
teve alta acumulada de 32,4% em
2002.
A forte elevação de preços está
associada à liberalização do mercado de derivados do petróleo e
do gás liquefeito de petróleo
(GLP), ou gás de cozinha ou de
botijão. Para a maioria dos mercados, a livre interação entre oferta e demanda constitui mecanismo eficiente de determinação do
preço. O problema ocorre em
mercados que não funcionam como nos livros.
Para além de distorções tributárias que mereceriam outro artigo,
o principal problema com o GLP
reside no fato de que a liberalização de preços vem sendo promovida sem que haja concorrência
de fato nesse mercado. O monopólio da Petrobras deixou de existir no papel, mas ainda vigora na
prática.
Três fatores dificultam a quebra
de fato do monopólio da Petrobras. Primeiro, o baixo incentivo
para a construção de novas refinarias. Segundo, o controle que a
empresa detém de toda a infra-estrutura de transporte do GLP.
Terceiro, a falta de regulação eficaz que permita o acesso de terceiros à estrutura física da Petrobras de importação e distribuição
do GLP.
Em tese, a compra direta no
mercado internacional poderia
aumentar a concorrência. Atualmente, cerca de 30% do volume
consumido de GLP no país é importado. Destaque-se que toda a
infra-estrutura de distribuição do
GLP é controlada pela Petrobras,
que, por ter sido monopolista legal do produto por mais de 50
anos, foi a única empresa a investir em ativos dessa natureza.
A regulação exercida pela
Agência Nacional do Petróleo
(ANP) não tem sido capaz de garantir pleno acesso a terceiros para a utilização dessa infra-estrutura. Essa regulação não garante
o desembarque do produto e seu
transporte nas datas combinadas
entre os agentes (importador, Petrobras e ANP) caso a Petrobras
alegue falta de capacidade ociosa.
Além disso, existe um prazo excessivo por parte da ANP para a
obtenção de resposta ao pedido
de uso dos dutos, tanques e terminais da Petrobras. Isso inviabiliza
o planejamento econômico por
parte de potenciais importadores
de GLP, necessário para o estabelecimento de contratos de longo
prazo e em grandes volumes de
importação do produto.
Diante desse quadro, não surpreende que a partir de 2002,
quando o governo deixou de controlar os preços do GLP, a Petrobras tenha exercido seu poder de
monopólio.
A partir do último trimestre de
2001, os preços de realização da
Petrobras (preço de venda ao distribuidor menos os impostos) superaram sistematicamente os
preços internacionais (medidos
pelo mercado europeu à vista).
A inflação é um problema macro, hoje sob controle. Chama a
atenção a disparidade de comportamento entre os preços livres
e os chamados preços administrados, que incluem as várias tarifas
de utilidades públicas, cujo comportamento não depende exclusivamente das forças do mercado.
Os preços administrados registraram expansão de 4,62% no primeiro semestre, contra 2,18% dos
preços livres.
É fácil perceber que uma sucessão de distorções microeconômicas pode contaminar o desempenho macroeconômico. Daí a importância de estabelecer regras
claras para regimes de transição
de mercados em processo de desregulamentação que, como o do
GLP, requerem tempo para se tornarem competitivos. Agências reguladoras fortes são indispensáveis para isso. Caso contrário, os
consumidores -e mesmo os
bombeiros- têm motivo para
preocupação.
Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-Eaesp, consultor da Tendências e ex-presidente do
Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
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