São Paulo, terça-feira, 13 de julho de 2004

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LUÍS NASSIF

O povo brasileiro

Mais visionário dos brasileiros do seu tempo, estudioso que primeiro e melhor interpretou o enigma brasileiro do século 20, Manuel Bonfim foi o primeiro a destruir as teorias raciais -segundo as quais o Brasil não se completava porque a mistura produzira uma raça inferior.
No clássico "América Latina, Males de Origem", identifica as grandes forças e processos que marcariam a glória e a desgraça brasileira no século 20. O maior ativo de que o país dispunha era a qualidade do seu povo, concluía ele. A mistura de raças gerara um povo afável, criativo, que facilmente assimilava os de fora, que amalgamara um conjunto de características que garantira a integridade do território nacional.
Enquanto o povo fizera a Abolição, a elite promovera a Guerra do Paraguai. Os líricos cantavam os valores nacionais, a elite saqueava o Tesouro. Bonfim apenas tinha dúvidas se era o momento de escancarar o país à imigração. Queria que a idéia de povo brasileiro estivesse mais consolidada, para o país assimilar os imigrantes sem o risco de se criarem guetos raciais.
O povo ainda era melhor do que supunha Bonfim. No decorrer do século 20, levas de imigrantes de todas as raças aportaram ao país e se tornaram brasileiros desde o embarque. Assimilaram, enriqueceram e civilizaram a mistura racial brasileira.
Em pleno século 21, na era da globalização, o povo brasileiro emerge como o grande ator internacional de que o país dispõe. Analistas internacionais, sociólogos brasileiros como Roberto da Matta aprofundaram estudos sobre essa característica de mediação que faz do povo brasileiro único no mundo, sem conflitos raciais, sem preconceitos, sem racismo -apesar da decisão racista de criar as cotas universitárias.
Quando completar a internacionalização das economias, o brasileiro será o povo mediador por excelência. O que significará isso na prática?
No campo diplomático, suas características -de alegria, simplicidade, espontaneidade- deverão impulsionar o mais integrador e democrático estilo diplomático que o mundo já presenciou. O jogo de futebol no Haiti é um marco dessa nova etapa, dando cor, vida, visibilidade ao papel de mediação que historicamente o Itamaraty desempenhou no mundo.
No campo da diplomacia comercial, as grandes empresas brasileiras deverão se valer desses valores culturais e da enorme variedade de comunidades de imigrantes que vivem no país para abrir mercados e países para seus produtos.
Na economia, a palavra de ordem será a cooperação, o grande movimento sinérgico entre grandes e pequenos, Estado, universidade, entidades empresariais, terceiro setor, às vezes caótico, sempre estimulante, inspirado nas grandes festas nacionais e nos grandes espetáculos esportivos. Aí está um dos pilares em torno do qual se irão construir as novas relações sociais e econômicas no país. O povo será protagonista principal de qualquer novo projeto nacional que se pretenda legítimo. E não se trata mais da velha retórica para ganhar votos. A promoção do povo é imperativo de ordem política e econômica.
Mas, aí, é assunto para uma outra coluna.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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