São Paulo, sexta-feira, 13 de agosto de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Os riscos do crescimento econômico

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

O ano de 2004 tem sido marcado por um otimismo conjuntural e um pessimismo estrutural em relação à economia mundial. O crescimento está espalhado pelo mundo, atingindo até a esclerosada Velha Europa e o moribundo Japão. A causa principal desse boom econômico é o aumento muito forte do comércio internacional, a partir, principalmente, do vigoroso crescimento chinês.
São inúmeros os países que vêm apresentando, como o Brasil, um crescimento de mais de 30% em suas exportações. Estimulado por esse fortalecimento da atividade voltada para os mercados externos, um grande número de economias nacionais já vêm apresentando sinais evidentes de crescimento no consumo interno. Esse cenário produz uma boa e uma má notícia para países como o Brasil.
A boa notícia é que sabemos que essa combinação de vigor na atividade voltada para a exportação com o consumo interno em expansão produz uma conjuntura internacional de crescimento acima da média. São ciclos que ocorrem de tempos em tempos e que correspondem a uma melhora estrutural no bem-estar dos cidadãos nas nações envolvidas nessa dinâmica.
A má noticia é que esses ciclos de expansão acabam criando condições estruturais que vão levar ao seu esgotamento e ao início de uma fase de queda do crescimento. Essa regra é tão válida como a que regula o vaivém dos mares! A principal diferença entre os ciclos econômicos e as marés é que os primeiros estão sujeitos a fatores de difícil compreensão, enquanto estas podem ser acompanhadas, com segurança, pelos jornais e pela internet.
Para avaliar os riscos associados a esse ciclo de crescimento que estamos vivendo no mundo -e que está provocando um sentimento de euforia no Brasil-, é necessário entender a dinâmica da economia mundial, neste início de século. Os dois pólos dinâmicos do crescimento atual são os Estados Unidos e a China. Embora ainda haja uma grande diferença de tamanho entre essas duas economias, quando se olha o crescimento das principais variáveis econômicas, essa diferença praticamente desaparece.
Tomemos o exemplo do aumento do consumo de cobre gerado no ventre desse ciclo de expansão: os chineses já são responsáveis por mais de um terço desse crescimento. O mesmo ocorre com outras commodities, principalmente o petróleo. Outro exemplo impressionante da importância da China, no mundo de hoje, é o crescimento de sua participação nas reservas internacionais que ocorreu entre fevereiro de 2002 e abril de 2004. Nesse período, as nações do mundo aumentaram suas reservas externas em US$ 2 trilhões, e a China foi responsável por 20% do total.
A integração entre a economia americana e a chinesa é a chave da fase de expansão que estamos vivendo. Um repeteco ampliado do que aconteceu com o Japão, 30 anos atrás. Os Estados Unidos são os grandes clientes do comércio externo chinês, ao importar um volume crescente de mercadorias para o consumo. Já a China, com o superávit em dólares criado com suas vendas para a terra do Tio Sam, usa esses recursos para comprar máquinas e equipamentos -de seus parceiros na Ásia, na Alemanha e em outros países europeus- e commodities -de países do mundo emergente.
Tudo funciona como se a China fosse uma bomba de sucção que aspira a demanda e os dólares do Tio Sam e recicla esse dinamismo para seus parceiros comerciais. Esse é hoje o motor do crescimento mundial e do qual o Brasil é um dos grandes beneficiários. Esse arranjo, entretanto, não é estável no longo prazo por várias razões.
A primeira é de natureza financeira. O déficit comercial americano, da ordem de 5% de seu PIB, acaba inundando o mundo com moeda americana. São mais de US$ 500 bilhões, por ano, que chegam aos cofres dos exportadores de todo o mundo. Esse imenso volume de moeda precisa ser trocado por moedas locais, como o yuan chinês e o iene japonês, nos mercados de câmbio. Se o mercado comandasse esse processo, haveria uma intensa desvalorização do dólar e um aumento do valor das moedas dos países que exportam para os Estados Unidos, principalmente o da moeda chinesa.
Caso isso ocorresse, o sistema de aceleração da atividade econômica, que hoje existe, entraria em colapso, em razão da perda de competitividade dos exportadores chineses, e o mundo mergulharia em um ciclo de contração da atividade econômica.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 61, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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