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ANÁLISE
Impasses revelam falta de confiança recíproca
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
O chefe dos negociadores
europeus, Karl Falkenberg,
atribui à falta de confiança nas
propostas do parceiro os sucessivos impasses na negociação
União Européia/Mercosul.
O lado sulino parece ter a mesma opinião, a julgar pelo desabafo
do chanceler Celso Amorim, após
o impasse de julho em Bruxelas:
"Fomos enganados", gritou o ministro em alusão à proposta da UE
de dividir em dez prestações a
oferta de cotas para exportações
agrícolas do Mercosul.
Só mesmo falta de confiança
pode explicar o mistério dos sucessivos desencontros em uma
negociação que as duas partes dizem ser "estratégica".
A explicação de Falkenberg para o novo impasse é a de que se
trata de um problema de "procedimento, não de substância".
Se é assim, parece birra de
criança. O Mercosul cobrava a
apresentação, de uma só vez, de
uma oferta agrícola européia melhorada. Falkenberg propôs um
processo passo a passo.
Assim: a UE ofereceria cotas
mais suculentas para a carne. Em
contrapartida, o Mercosul mostraria a sua flexibilidade em algum item, "compras governamentais, transporte marítimo, o
que escolhesse", diz o europeu.
Não parece uma divergência séria o suficiente para emperrar
uma negociação que pode levar à
criação da maior zona de livre comércio do mundo. Ainda mais
quando os dois lados se dizem
dispostos a ser flexíveis em tudo,
desde que o outro também o seja.
Falkenberg diz que, se houvesse
a contrapartida à flexibilidade européia no capítulo carne, a UE
iria, paulatinamente, mostrando
idêntica flexibilidade em todos os
demais produtos agrícolas.
Régis Arslanian, o embaixador
brasileiro que é a contraparte de
Falkenberg, diz que o Mercosul
tem uma oferta na área de compras governamentais, mas só
mostra depois de a UE agir.
"Sei da proposta do Mercosul
apenas pelos jornais brasileiros,
porque ela jamais apareceu na negociação", rebate o europeu.
A cada momento, portanto, ressurge a questão da falta de confiança e o recurso ao nível político, sempre que ocorre impasse
entre os técnicos. Desta vez, Falkenberg vai sugerir que seu chefe,
Pascal Lamy, o comissário europeu para o Comércio, converse
com Celso Amorim e demais ministros dos países do Mercosul.
Seria, em tese, a única maneira
de devolver confiança ao processo até 13 de setembro, quando se
dará uma nova rodada de negociação, agora em Bruxelas.
Mas a falta de confiança parece
ser insuficiente para explicar porque divergências sobre procedimentos conseguem sempre vencer a vontade política de fechar
um acordo que ambos os lados
definem como estratégico.
À falta de explicação mais nítida, há só uma especulação: a de
que os europeus perceberam o interesse do agronegócio do Mercosul (Brasil em particular) com a
oferta de maio, que poderia gerar
exportações extras de US$ 2,5 bilhões. Contavam com que o apetite pelas cotas oferecidas faria o setor privado agrícola pressionar o
governo para oferecer mais aos
europeus em áreas como compras governamentais.
Não foi o que aconteceu, e os europeus resolveram lançar na sala
de negociação o "bode" das cotas
em dez anos. O ânimo do bloco
Sul esfriou imediatamente.
Uma segunda hipótese é a de
que o Mercosul prefere esperar a
troca, em outubro, dos comissários europeus. No Comércio, sai
Lamy, do país (França) mais protecionista na área agrícola, e entra
Peter Mandelson, do país menos
protecionista (Reino Unido).
Se é essa a expectativa, é bom ter
cuidado: "Tenho dito a meus parceiros do Mercosul que não devem acreditar que o novo diabo
será melhor que o velho. Não
acho que se deva julgar uma pessoa pelo passaporte que leva", avisa Falkenberg.
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