São Paulo, sexta-feira, 13 de agosto de 2004

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ANÁLISE

Impasses revelam falta de confiança recíproca

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

O chefe dos negociadores europeus, Karl Falkenberg, atribui à falta de confiança nas propostas do parceiro os sucessivos impasses na negociação União Européia/Mercosul.
O lado sulino parece ter a mesma opinião, a julgar pelo desabafo do chanceler Celso Amorim, após o impasse de julho em Bruxelas: "Fomos enganados", gritou o ministro em alusão à proposta da UE de dividir em dez prestações a oferta de cotas para exportações agrícolas do Mercosul.
Só mesmo falta de confiança pode explicar o mistério dos sucessivos desencontros em uma negociação que as duas partes dizem ser "estratégica".
A explicação de Falkenberg para o novo impasse é a de que se trata de um problema de "procedimento, não de substância".
Se é assim, parece birra de criança. O Mercosul cobrava a apresentação, de uma só vez, de uma oferta agrícola européia melhorada. Falkenberg propôs um processo passo a passo.
Assim: a UE ofereceria cotas mais suculentas para a carne. Em contrapartida, o Mercosul mostraria a sua flexibilidade em algum item, "compras governamentais, transporte marítimo, o que escolhesse", diz o europeu.
Não parece uma divergência séria o suficiente para emperrar uma negociação que pode levar à criação da maior zona de livre comércio do mundo. Ainda mais quando os dois lados se dizem dispostos a ser flexíveis em tudo, desde que o outro também o seja.
Falkenberg diz que, se houvesse a contrapartida à flexibilidade européia no capítulo carne, a UE iria, paulatinamente, mostrando idêntica flexibilidade em todos os demais produtos agrícolas.
Régis Arslanian, o embaixador brasileiro que é a contraparte de Falkenberg, diz que o Mercosul tem uma oferta na área de compras governamentais, mas só mostra depois de a UE agir.
"Sei da proposta do Mercosul apenas pelos jornais brasileiros, porque ela jamais apareceu na negociação", rebate o europeu.
A cada momento, portanto, ressurge a questão da falta de confiança e o recurso ao nível político, sempre que ocorre impasse entre os técnicos. Desta vez, Falkenberg vai sugerir que seu chefe, Pascal Lamy, o comissário europeu para o Comércio, converse com Celso Amorim e demais ministros dos países do Mercosul.
Seria, em tese, a única maneira de devolver confiança ao processo até 13 de setembro, quando se dará uma nova rodada de negociação, agora em Bruxelas.
Mas a falta de confiança parece ser insuficiente para explicar porque divergências sobre procedimentos conseguem sempre vencer a vontade política de fechar um acordo que ambos os lados definem como estratégico.
À falta de explicação mais nítida, há só uma especulação: a de que os europeus perceberam o interesse do agronegócio do Mercosul (Brasil em particular) com a oferta de maio, que poderia gerar exportações extras de US$ 2,5 bilhões. Contavam com que o apetite pelas cotas oferecidas faria o setor privado agrícola pressionar o governo para oferecer mais aos europeus em áreas como compras governamentais.
Não foi o que aconteceu, e os europeus resolveram lançar na sala de negociação o "bode" das cotas em dez anos. O ânimo do bloco Sul esfriou imediatamente.
Uma segunda hipótese é a de que o Mercosul prefere esperar a troca, em outubro, dos comissários europeus. No Comércio, sai Lamy, do país (França) mais protecionista na área agrícola, e entra Peter Mandelson, do país menos protecionista (Reino Unido).
Se é essa a expectativa, é bom ter cuidado: "Tenho dito a meus parceiros do Mercosul que não devem acreditar que o novo diabo será melhor que o velho. Não acho que se deva julgar uma pessoa pelo passaporte que leva", avisa Falkenberg.


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