São Paulo, domingo, 13 de agosto de 2006

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Setubal vê Lula e Alckmin conservadores

Para fundador do Itaú, não existe diferença sob o ponto de vista do modelo econômico entre os dois candidatos à Presidência

Ex-prefeito de São Paulo, banqueiro diz que segurança pública vive situação dramática e é o único ponto em que o Brasil piorou

GUILHERME BARROS
COLUNISTA DA FOLHA

Não existe distinção entre os candidatos à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Geraldo Alckmin (PSDB). Os dois são conservadores. A opinião é do banqueiro Olavo Egydio Setubal, 83, presidente do conselho de administração da Itaúsa, holding que controla o banco Itaú. "A eleição do Lula ou do Alckmin é igual", diz. Há quatro anos, Setubal temeu a eleição de Lula. "Quando ele foi eleito, eu tive uma preocupação de que levasse o governo para uma linha de esquerda, mas ele foi mais conservador do que eu esperava."
Segundo Setubal, Lula pode, agora, ganhar de novo as eleições presidenciais e, assim mesmo, o mercado financeiro está tranqüilo. "Não há nenhum sinal de tensão no mercado financeiro." Setubal receberá no próximo dia 21 das mãos de Alckmin o prêmio Personalidade Viva de Cidadania, oferecido pela ONG Associação Paulista Viva, que foi fundada pelo banqueiro. O prêmio será entregue num jantar para 600 pessoas com a presença de grandes empresários, políticos e amigos.
Setubal recebeu a reportagem para conceder a entrevista na sede da Itaúsa numa sala projetada especialmente para abrigar uma exuberante mesa de jacarandá para 12 lugares comprada por ele há 20 anos da família do então embaixador Walther Moreira Salles, fundador do Unibanco. Voz grossa e posições firmes, Setubal, que foi prefeito de São Paulo e ministro das Relações Exteriores, discorreu sobre vários temas, de política a vida pessoal. Sobre juros altos, por exemplo, disse que deveriam cair, mas não sabe a fórmula. "Isso é problema do governo, e não meu." Já a corrupção não o assusta. "Corrupção sempre houve. Basta ler Padre Vieira."

 

FOLHA - O governo Lula foi uma surpresa?
OLAVO SETUBAL -
Havia uma grande dúvida se o PT era um partido de esquerda, e o governo Lula acabou sendo um governo extremamente conservador. Hoje em dia, é muito comum as pessoas falarem, inclusive o Lula, que ele encontrou o país quebrado e depois melhorou. Não é que o país estava quebrado. A visão era que o Lula iria levar o país para uma linha socialista. O sistema financeiro estava tensionado, mas, como ele [Lula] ficou conservador, agora está para ganhar novamente a eleição e o mercado está tranqüilo.

FOLHA - Não há nenhum receio do mercado?
SETUBAL -
Nenhum sinal de tensão no sistema financeiro.

FOLHA - O sr. temeu Lula em algum momento?
SETUBAL -
Quando foi eleito, tive uma preocupação de que ele levasse o governo para uma linha de esquerda, mas ele foi mais conservador do que eu esperava.

FOLHA - Se ele ou o Alckmin for eleito, para o sr. tanto faz?
SETUBAL -
Não tem diferença do ponto de vista do modelo econômico. Eu acho que a eleição do Lula ou do Alckmin é igual.

FOLHA - Os dois são a mesma coisa?
SETUBAL -
Os dois são conservadores. Cada presidente tem suas prioridades, mas dentro do mesmo leque de premissas econômicas. Acho que o Lula vai conservar a premissa da linha de superávit primário, de metas de inflação e tudo o mais. São evoluções que estão consolidadas no Brasil e serão mantidas por qualquer presidente.

FOLHA - O sr. acha possível baixar mais os juros?
SETUBAL -
É claro que os juros podem e devem baixar. Agora, como? Isso é problema do governo, não meu.

FOLHA - Como o sr. vê a atual onda de violência em São Paulo?
SETUBAL -
São Paulo está atravessando um momento dramático do ponto de vista de segurança. Eu sempre digo que tudo no Brasil melhorou do meu tempo para hoje, embora tenha gente que fale mal do presente dizendo que o passado que era bom. Não é verdade. Nunca o Brasil esteve tão bem como hoje. A educação, a saúde, tudo melhorou enormemente. Só tem uma coisa que piorou: a segurança pública. No meu tempo de jovem, havia um único ginásio, era ginásio do Estado, mas dizer que a educação era boa antigamente é uma grande ilusão. Tudo melhorou. O ensino melhorou, a USP melhorou enormemente em relação ao que era 50 anos atrás. A única coisa que realmente piorou foi a segurança pública.

FOLHA - O sr. atribui a quê?
SETUBAL -
A principal razão é a explosão da natalidade. A taxa de natalidade ainda cresce de forma absurda no Brasil. Chegou a ser 5% o crescimento anual da população brasileira. Hoje ainda é muito alta. O Brasil precisa diminuir a taxa de natalidade. Mas nenhum político assume isso por causa de problemas religiosos. Antigamente havia problemas militares. Os militares tinham uma visão de que o país, para ser poderoso, precisava ter um Exército com um grande número de soldados. Isso tudo, a meu ver, está superado, mas ainda não há uma conscientização da sociedade para diminuir a taxa de natalidade. É verdade que diminuiu muito, mas precisa diminuir ainda mais.

FOLHA - De que forma se pode diminuir a taxa de natalidade?
SETUBAL -
Tem vários métodos. Segundo a Igreja Católica, é não tendo relações sexuais. Acho meio difícil. Eu acho que hoje tem 500 métodos de diminuir a natalidade: artificiais, remédios etc. No mundo, basta olhar os países desenvolvidos, onde a natalidade é baixíssima. Nos países nórdicos, a taxa de natalidade já é baixa há mais de 50 anos. Mas isso não é problema. O problema é político-social e precisa ser enfrentado.

FOLHA - Como enfrentar esse problema político-social?
SETUBAL -
Os políticos é que têm que tomar a iniciativa de fazê-lo, e não eu, que já estou aposentado e degustando o final da minha vida de trabalho e dedicação à vida pública e à vida empresarial.

FOLHA - Mas o sr. teria alguma idéia?
SETUBAL -
Não tenho idéia nenhuma, nem quero tomar nenhuma iniciativa nesse campo, que é um campo extremamente controvertido e, imediatamente, levanta grande número de opositores e defensores.

FOLHA - Faltam investimentos do Estado?
SETUBAL -
Não, não é questão de investimento. É uma questão de decisão política, mas eu não estou preparado para dar uma entrevista sociológica.

FOLHA - O sr. acha que a economia brasileira também está melhor do que no passado?
SETUBAL -
O Brasil melhorou em tudo. Quando eu era menino e estava na escola, o Brasil era muito mais colonial do que hoje. É ilusão pensar que antigamente as coisas estavam bem, inclusive a economia. Tudo era modesto, caipira. O país melhorou muito, o ensino, a ciência e a tecnologia, tudo é melhor. Só não está melhor a segurança pública, essa piorou.

FOLHA - E a corrupção?
SETUBAL -
Corrupção sempre houve no Brasil. É só ler Padre Vieira, que ele já fala da corrupção no tempo dos índios. Esse negócio de corrupção não é novidade, está nas raízes da formação do Brasil. Nas origens da colonização brasileira.

FOLHA - A corrupção não aumentou?
SETUBAL -
Não sei se não aumentou. Ela é alta hoje. Mas, como o Brasil é mais rico, como o Brasil é mais desenvolvido, a corrupção também aumentou na mesma proporção. O Brasil também não está só. No mundo inteiro, a corrupção é grande. Mas, em matéria de corrupção, os países latinos são maiores. O Brasil não é o país mais corrupto do mundo, mas, certamente, não é o menos corrupto. Os menos corruptos são os países nórdicos, mas estamos muito longe ainda de termos uma civilização igual à dos nórdicos.

FOLHA - O sr. acha, então, que controlar a natalidade poder ser o princípio para o combate à violência?
SETUBAL -
Eu não sei se é origem ou é conseqüência, mas, em todo caso, há muita coisa a ser feita no Brasil. Eu fiz a minha parte, sinto que cumpri o meu dever e agora acho que tenho o direito ao repouso do guerreiro.

FOLHA - Como é o seu dia-a-dia? O que o sr. está lendo?
SETUBAL -
Leio pouco porque estou com a vista muito abalada. Eu gosto de ler história. Estou lendo um livro fabuloso sobre o Egito editado na Alemanha, traduzido em muitas línguas, inclusive em português. O livro tem 800 fotografias sobre o Egito. Tenho grande atrativo pelo Egito. Na última vez em que estive em Paris, comprei para a biblioteca do Itaú 40 volumes da expedição que a França mandou para o Egito, comandada por Napoleão, que levou seis cientistas para lá. Não sei se é o livro mais importante, mas uma das grandes edições do século 19 foi esse livro. Eu comprei para o Itaú essa obra rara. O livro só não chegou ainda porque a burocracia no Brasil é muito grande. O livro está na alfândega. Embora a Constituição diga que livro é isento de todos os tributos, a alfândega leva um tempão para liberar.

FOLHA - E por que não libera?
SETUBAL -
Precisa perguntar aos burocratas da alfândega.

FOLHA - O que o sr. mais gosta de fazer hoje?
SETUBAL -
Hoje em dia, o que eu gosto muito é de viajar. Fui em maio para Paris e agora eu vou passar setembro em Paris. Paris é uma cidade fabulosa. Tem gente que gosta mais de Nova York, mas eu acho Nova York uma cidade cansativa, enquanto Paris é uma cidade que me tranqüiliza. Passear nos jardins de Paris é altamente repousante. Eu gosto de viajar, mas, por razões de saúde, só posso ir a Paris, Londres e Nova York. Segundo o meu médico, se eu tiver um problema de saúde, essas cidades têm atendimento de Primeiro Mundo.

FOLHA - E o seu dia-a-dia?
SETUBAL -
No dia-a-dia, eu almoço aqui no banco com os diretores, numa mesa comum, de modo que eu fico sabendo de tudo o que está em andamento. O meu pulmão de informação é almoçar no banco na mesa dos diretores. Hoje [quarta, dia 9], almocei com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o embaixador Rubens Ricupero. Ele [Ricupero] escreveu um artigo intitulado "O Fracasso da América Latina" e eu o convidei para almoçar para conversar sobre a América Latina.

FOLHA - O sr. concorda com a tese do embaixador Ricupero?
SETUBAL -
As dificuldades são notórias na Bolívia, no México, na Venezuela. A América Latina, como todos os países emergentes latinos, enfrenta grandes dificuldades, e eu gosto de acompanhar o tema, até porque já fui ministro das Relações Exteriores, mas hoje eu já conversei muito mais com você do que esperava.

FOLHA - E nos finais de semana?
SETUBAL -
Eu tenho uma casa em Águas da Prata, que tem quase cem anos, onde eu guardo as minhas coisas, minha biblioteca, minhas obras de arte. E lá sempre algum filho aparece para visitar o velho pai.

FOLHA - O sr. imaginava que o Itaú iria chegar aonde chegou?
SETUBAL -
Nunca. O Itaú hoje está muito maior e muito mais desenvolvido do que eu jamais sonhei. Ser classificado como o banco mais evoluído da América Latina é uma performance que me deixa feliz e com a qual eu não contava.

FOLHA - O sr. teria vontade de fazer mais alguma coisa?
SETUBAL -
Quero descansar e mais nada.

FOLHA - O sr tem algum conselho para dar ao governador Cláudio Lembo para enfrentar o problema da violência em São Paulo?
SETUBAL -
O governador Cláudio Lembo nasceu no grupo Itaú. Ele foi durante 40 anos advogado do grupo Itaú, de modo que o conheço muito bem, mas vou te dizer: conselho, nessa altura da vida, não dou nem para os meus filhos.

FOLHA - O sr.tem falado com o governador?
SETUBAL -
Ele almoçou comigo ainda ontem, aqui no Itaú. Conversamos sobre a situação, mas não dei a ele nenhum conselho. O homem que está na ativa, que está no exercício do cargo, tem que tomar suas decisões. E ele é um homem que tem experiência para tomar as decisões.


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