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Setubal vê Lula e Alckmin conservadores
Para fundador do Itaú, não existe diferença sob o ponto de vista do modelo econômico entre os dois candidatos à Presidência
Ex-prefeito de São Paulo,
banqueiro diz que segurança pública vive situação
dramática e é o único ponto
em que o Brasil piorou
GUILHERME BARROS
COLUNISTA DA FOLHA
Não existe distinção entre os
candidatos à Presidência Luiz
Inácio Lula da Silva (PT) e Geraldo Alckmin (PSDB). Os dois
são conservadores. A opinião é
do banqueiro Olavo Egydio Setubal, 83, presidente do conselho de administração da Itaúsa,
holding que controla o banco
Itaú. "A eleição do Lula ou do
Alckmin é igual", diz.
Há quatro anos, Setubal temeu a eleição de Lula. "Quando
ele foi eleito, eu tive uma preocupação de que levasse o governo para uma linha de esquerda,
mas ele foi mais conservador
do que eu esperava."
Segundo Setubal, Lula pode,
agora, ganhar de novo as eleições presidenciais e, assim
mesmo, o mercado financeiro
está tranqüilo. "Não há nenhum sinal de tensão no mercado financeiro."
Setubal receberá no próximo
dia 21 das mãos de Alckmin o
prêmio Personalidade Viva de
Cidadania, oferecido pela ONG
Associação Paulista Viva, que
foi fundada pelo banqueiro. O
prêmio será entregue num jantar para 600 pessoas com a presença de grandes empresários,
políticos e amigos.
Setubal recebeu a reportagem para conceder a entrevista
na sede da Itaúsa numa sala
projetada especialmente para
abrigar uma exuberante mesa
de jacarandá para 12 lugares
comprada por ele há 20 anos da
família do então embaixador
Walther Moreira Salles, fundador do Unibanco.
Voz grossa e posições firmes,
Setubal, que foi prefeito de São
Paulo e ministro das Relações
Exteriores, discorreu sobre vários temas, de política a vida
pessoal. Sobre juros altos, por
exemplo, disse que deveriam
cair, mas não sabe a fórmula.
"Isso é problema do governo, e
não meu." Já a corrupção não o
assusta. "Corrupção sempre
houve. Basta ler Padre Vieira."
FOLHA - O governo Lula foi uma
surpresa?
OLAVO SETUBAL - Havia uma
grande dúvida se o PT era um
partido de esquerda, e o governo Lula acabou sendo um governo extremamente conservador. Hoje em dia, é muito comum as pessoas falarem, inclusive o Lula, que ele encontrou o
país quebrado e depois melhorou. Não é que o país estava
quebrado. A visão era que o Lula iria levar o país para uma linha socialista. O sistema financeiro estava tensionado, mas,
como ele [Lula] ficou conservador, agora está para ganhar novamente a eleição e o mercado
está tranqüilo.
FOLHA - Não há nenhum receio do
mercado?
SETUBAL - Nenhum sinal de
tensão no sistema financeiro.
FOLHA - O sr. temeu Lula em algum
momento?
SETUBAL - Quando foi eleito, tive uma preocupação de que ele
levasse o governo para uma linha de esquerda, mas ele foi
mais conservador do que eu esperava.
FOLHA - Se ele ou o Alckmin for
eleito, para o sr. tanto faz?
SETUBAL - Não tem diferença do
ponto de vista do modelo econômico. Eu acho que a eleição
do Lula ou do Alckmin é igual.
FOLHA - Os dois são a mesma coisa?
SETUBAL - Os dois são conservadores. Cada presidente tem
suas prioridades, mas dentro
do mesmo leque de premissas
econômicas. Acho que o Lula
vai conservar a premissa da linha de superávit primário, de
metas de inflação e tudo o mais.
São evoluções que estão consolidadas no Brasil e serão mantidas por qualquer presidente.
FOLHA - O sr. acha possível baixar
mais os juros?
SETUBAL - É claro que os juros
podem e devem baixar. Agora,
como? Isso é problema do governo, não meu.
FOLHA - Como o sr. vê a atual onda
de violência em São Paulo?
SETUBAL - São Paulo está atravessando um momento dramático do ponto de vista de segurança. Eu sempre digo que tudo
no Brasil melhorou do meu
tempo para hoje, embora tenha
gente que fale mal do presente
dizendo que o passado que era
bom. Não é verdade. Nunca o
Brasil esteve tão bem como hoje. A educação, a saúde, tudo
melhorou enormemente. Só
tem uma coisa que piorou: a segurança pública. No meu tempo de jovem, havia um único ginásio, era ginásio do Estado,
mas dizer que a educação era
boa antigamente é uma grande
ilusão. Tudo melhorou. O ensino melhorou, a USP melhorou
enormemente em relação ao
que era 50 anos atrás. A única
coisa que realmente piorou foi
a segurança pública.
FOLHA - O sr. atribui a quê?
SETUBAL - A principal razão é a
explosão da natalidade. A taxa
de natalidade ainda cresce de
forma absurda no Brasil. Chegou a ser 5% o crescimento
anual da população brasileira.
Hoje ainda é muito alta. O Brasil precisa diminuir a taxa de
natalidade. Mas nenhum político assume isso por causa de
problemas religiosos. Antigamente havia problemas militares. Os militares tinham uma
visão de que o país, para ser poderoso, precisava ter um Exército com um grande número de
soldados. Isso tudo, a meu ver,
está superado, mas ainda não
há uma conscientização da sociedade para diminuir a taxa de
natalidade. É verdade que diminuiu muito, mas precisa diminuir ainda mais.
FOLHA - De que forma se pode diminuir a taxa de natalidade?
SETUBAL - Tem vários métodos.
Segundo a Igreja Católica, é não
tendo relações sexuais. Acho
meio difícil. Eu acho que hoje
tem 500 métodos de diminuir a
natalidade: artificiais, remédios etc. No mundo, basta olhar
os países desenvolvidos, onde a
natalidade é baixíssima. Nos
países nórdicos, a taxa de natalidade já é baixa há mais de 50
anos. Mas isso não é problema.
O problema é político-social e
precisa ser enfrentado.
FOLHA - Como enfrentar esse problema político-social?
SETUBAL - Os políticos é que
têm que tomar a iniciativa de
fazê-lo, e não eu, que já estou
aposentado e degustando o final da minha vida de trabalho e
dedicação à vida pública e à vida empresarial.
FOLHA - Mas o sr. teria alguma
idéia?
SETUBAL - Não tenho idéia nenhuma, nem quero tomar nenhuma iniciativa nesse campo,
que é um campo extremamente controvertido e, imediatamente, levanta grande número
de opositores e defensores.
FOLHA - Faltam investimentos do
Estado?
SETUBAL - Não, não é questão de
investimento. É uma questão
de decisão política, mas eu não
estou preparado para dar uma
entrevista sociológica.
FOLHA - O sr. acha que a economia
brasileira também está melhor do
que no passado?
SETUBAL - O Brasil melhorou
em tudo. Quando eu era menino e estava na escola, o Brasil
era muito mais colonial do que
hoje. É ilusão pensar que antigamente as coisas estavam
bem, inclusive a economia. Tudo era modesto, caipira. O país
melhorou muito, o ensino, a
ciência e a tecnologia, tudo é
melhor. Só não está melhor a
segurança pública, essa piorou.
FOLHA - E a corrupção?
SETUBAL - Corrupção sempre
houve no Brasil. É só ler Padre
Vieira, que ele já fala da corrupção no tempo dos índios. Esse
negócio de corrupção não é novidade, está nas raízes da formação do Brasil. Nas origens da
colonização brasileira.
FOLHA - A corrupção não aumentou?
SETUBAL - Não sei se não aumentou. Ela é alta hoje. Mas,
como o Brasil é mais rico, como
o Brasil é mais desenvolvido, a
corrupção também aumentou
na mesma proporção. O Brasil
também não está só. No mundo
inteiro, a corrupção é grande.
Mas, em matéria de corrupção,
os países latinos são maiores. O
Brasil não é o país mais corrupto do mundo, mas, certamente,
não é o menos corrupto. Os menos corruptos são os países
nórdicos, mas estamos muito
longe ainda de termos uma civilização igual à dos nórdicos.
FOLHA - O sr. acha, então, que controlar a natalidade poder ser o princípio para o combate à violência?
SETUBAL - Eu não sei se é origem ou é conseqüência, mas,
em todo caso, há muita coisa a
ser feita no Brasil. Eu fiz a minha parte, sinto que cumpri o
meu dever e agora acho que tenho o direito ao repouso do
guerreiro.
FOLHA - Como é o seu dia-a-dia? O
que o sr. está lendo?
SETUBAL - Leio pouco porque
estou com a vista muito abalada. Eu gosto de ler história. Estou lendo um livro fabuloso sobre o Egito editado na Alemanha, traduzido em muitas línguas, inclusive em português. O
livro tem 800 fotografias sobre
o Egito. Tenho grande atrativo
pelo Egito. Na última vez em
que estive em Paris, comprei
para a biblioteca do Itaú 40 volumes da expedição que a França mandou para o Egito, comandada por Napoleão, que levou seis cientistas para lá. Não
sei se é o livro mais importante,
mas uma das grandes edições
do século 19 foi esse livro. Eu
comprei para o Itaú essa obra
rara. O livro só não chegou ainda porque a burocracia no Brasil é muito grande. O livro está
na alfândega. Embora a Constituição diga que livro é isento de
todos os tributos, a alfândega
leva um tempão para liberar.
FOLHA - E por que não libera?
SETUBAL - Precisa perguntar aos
burocratas da alfândega.
FOLHA - O que o sr. mais gosta de
fazer hoje?
SETUBAL - Hoje em dia, o que eu
gosto muito é de viajar. Fui em
maio para Paris e agora eu vou
passar setembro em Paris. Paris é uma cidade fabulosa. Tem
gente que gosta mais de Nova
York, mas eu acho Nova York
uma cidade cansativa, enquanto Paris é uma cidade que me
tranqüiliza. Passear nos jardins
de Paris é altamente repousante. Eu gosto de viajar, mas, por
razões de saúde, só posso ir a
Paris, Londres e Nova York. Segundo o meu médico, se eu tiver um problema de saúde, essas cidades têm atendimento
de Primeiro Mundo.
FOLHA - E o seu dia-a-dia?
SETUBAL - No dia-a-dia, eu almoço aqui no banco com os diretores, numa mesa comum, de
modo que eu fico sabendo de
tudo o que está em andamento.
O meu pulmão de informação é
almoçar no banco na mesa dos
diretores. Hoje [quarta, dia 9],
almocei com o ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso e
o embaixador Rubens Ricupero. Ele [Ricupero] escreveu um
artigo intitulado "O Fracasso
da América Latina" e eu o convidei para almoçar para conversar sobre a América Latina.
FOLHA - O sr. concorda com a tese
do embaixador Ricupero?
SETUBAL - As dificuldades são
notórias na Bolívia, no México,
na Venezuela. A América Latina, como todos os países emergentes latinos, enfrenta grandes dificuldades, e eu gosto de
acompanhar o tema, até porque já fui ministro das Relações
Exteriores, mas hoje eu já conversei muito mais com você do
que esperava.
FOLHA - E nos finais de semana?
SETUBAL - Eu tenho uma casa
em Águas da Prata, que tem
quase cem anos, onde eu guardo as minhas coisas, minha biblioteca, minhas obras de arte.
E lá sempre algum filho aparece para visitar o velho pai.
FOLHA - O sr. imaginava que o Itaú
iria chegar aonde chegou?
SETUBAL - Nunca. O Itaú hoje
está muito maior e muito mais
desenvolvido do que eu jamais
sonhei. Ser classificado como o
banco mais evoluído da América Latina é uma performance
que me deixa feliz e com a qual
eu não contava.
FOLHA - O sr. teria vontade de fazer
mais alguma coisa?
SETUBAL - Quero descansar e
mais nada.
FOLHA - O sr tem algum conselho
para dar ao governador Cláudio
Lembo para enfrentar o problema
da violência em São Paulo?
SETUBAL - O governador Cláudio Lembo nasceu no grupo
Itaú. Ele foi durante 40 anos
advogado do grupo Itaú, de modo que o conheço muito bem,
mas vou te dizer: conselho, nessa altura da vida, não dou nem
para os meus filhos.
FOLHA - O sr.tem falado com o governador?
SETUBAL - Ele almoçou comigo
ainda ontem, aqui no Itaú. Conversamos sobre a situação, mas
não dei a ele nenhum conselho.
O homem que está na ativa, que
está no exercício do cargo, tem
que tomar suas decisões. E ele é
um homem que tem experiência para tomar as decisões.
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