São Paulo, quinta-feira, 13 de agosto de 2009

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MOHAMED EL-ERIAN

A volta da teoria do descolamento


Os emergentes ainda não estão em posição de agir como poderosa locomotiva para os países industrializados

VOCÊ SE lembra de Statler e Waldorf, os velhinhos do "Muppet Show" que insultavam os artistas de seu camarote no teatro? Eles tagarelam até inverter a posição inicial e depois retornam a ela, primeiro elogiando uma apresentação, depois criticando e por fim voltando a elogiar.
Essa viagem de ida e volta me lembra o debate sobre descolamento e novo acoplamento. Especificamente, embora o descolamento seja realidade, as dimensões internacionais são mais nuançadas do que as análises tradicionais sugerem. Como resultado, as implicações da questão para o investimento e a política econômica estão sofrendo distorção.
Os defensores do descolamento estavam por cima nas semanas que antecederam a "morte súbita" da economia mundial nos três meses e meio finais de 2008. O crescimento dos mercados emergentes era forte, e as garantias oferecidas por grandes e crescentes reservas cambiais isolavam muitos deles das perturbações que o setor financeiro norte-americano estava sofrendo. Como resultado, o consenso do mercado estava inclinado a ver as economias emergentes cada vez mais como propulsoras do crescimento mundial.
Os defensores da ideia de novo acoplamento retomaram a vantagem em outubro, quando a quebra do Lehman Brothers paralisou o financiamento do comércio global. A caracterização de consenso para os emergentes se inverteu -em lugar de locomotivas de crescimento, eles se tornaram reboques-, à medida que sofriam contrações superiores às dos países desenvolvidos.
Com a normalização do sistema financeiro que está em curso, os defensores do descolamento voltam a estar em forte ascensão. A posição deles é reforçada pela recuperação na atividade econômica dos países em desenvolvimento e pelo fato de que as avaliações de suas ações agora superam o nível que mantinham antes da quebra do Lehman Brothers.
Para alguns, essa viagem de idade e volta ilustra a fragilidade dos consensos de mercado. Outros a consideram como indicativa da fluidez de uma economia globalizada que está experimentando choques cíclicos e realinhamentos seculares. Para mim, ela é um importante lembrete de que é preciso trabalhar de maneira muito mais específica nas análises -e essa abordagem confirma que o descolamento existe, mas qualifica os efeitos decorrentes.
Algumas notáveis economias emergentes (entre as quais Brasil, China e Índia) saem da crise com a capacidade de sustentar crescimento de médio prazo superior ao dos países industrializados. Isso reflete as condições financeiras mais fortes, a maior flexibilidade da política econômica e o impacto benéfico de fase de desenvolvimento acelerado com alguns anos de duração. Por isso, elas oferecem aos investidores o potencial de retornos mais atraentes.
No geral, embora a contribuição dos emergentes ao crescimento mundial deva continuar a aumentar, eles ainda não estão em posição de agir como poderosa locomotiva para os países industrializados. Os efeitos de base continuam baixos e parte do crescimento se baseia em fatores transitórios, entre os quais o grande pacote de estímulo da China.
O crescimento nas economias emergentes não fará muito por aliviar aquilo que está rapidamente se tornando a principal questão de política econômica nos países industrializados -a saber, desemprego alto e crescente combinado a salários estagnados. De fato, à medida que a disparidade se alarga em favor dos mercados emergentes, os governos dos países industrializados devem enfrentar ainda mais pressão protecionista. Sua capacidade de resistir a ela cresceria caso os emergentes tomem medidas para acelerar a transferência do crescimento em sua demanda interna do setor público para o consumo privado.


MOHAMED EL-ERIAN é presidente-executivo e co-diretor de investimento da Pimco. Este texto foi publicado originalmente no "Financial Times".

Tradução de PAULO MIGLIACCI

Excepcionalmente, hoje, a coluna de PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. não é publicada.


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