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São Paulo, sábado, 13 de setembro de 2003

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COMÉRCIO MUNDIAL

Empresários americanos criticam posição brasileira em Cancún e dizem que país pode não obter avanço agrícola

Setor privado dos EUA vê Brasil nos anos 70

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A CANCÚN

Os empresários norte-americanos aderiram ontem aos ataques ao Brasil, disparando pesada carga contra o país, durante reunião entre os líderes empresariais que estão em Cancún e representantes do USTr, uma espécie de Ministério de Comércio Exterior dos Estados Unidos.
O ataque combina à perfeição com a avaliação de Allan Johnson, o negociador agrícola do USTr, de que o Brasil não está desempenhando "papel construtivo" na 5ª Conferência Ministerial da OMC (Organização Mundial do Comércio), que termina amanhã.
A crítica principal dos empresários é a de que o Brasil está voltando à política dos anos 70, em alusão ao suposto conflito Norte-Sul surgido da criação do G21, o grupo de países em desenvolvimento idealizado por Brasil e Índia para se contrapor à proposta conjunta, em agricultura, dos Estados Unidos e da União Européia.
Os empresários dos Estados Unidos disseram também que o Brasil corre o risco de sair de Cancún sem nada em matéria de abertura do setor agrícola, justamente a principal reivindicação brasileira na conferência da OMC.
O coro contra o Brasil estendeu-se também aos efeitos que a insistência brasileira com o G21 poderia ter sobre as negociações para a Alca (Área de Livre Comércio das Américas), cuja própria reunião ministerial está marcada para novembro, em território dos Estados Unidos (Miami exatamente).
A Folha ouviu de Lori Wallach, diretora da influente ONG "Global Trade Watch", também dos EUA, que, na reunião entre o USTr e os empresários, foram dadas instruções para que eles telefonassem para os diretores de suas subsidiárias no Brasil para que estes se juntassem à pressão sobre o governo brasileiro.
A Folha confirmou a primeira parte da reunião (as críticas) com um representante da portentosa Associação Nacional de Manufatureiras, que pediu, no entanto, reserva de seu nome. Mas ele não estava presente em uma segunda reunião, na qual supostamente teria sido dada a orientação para os telefonemas.
As críticas do empresariado apenas acompanharam um dia em que a posição do G21 e do Brasil foi alvo de um violento tiroteio verbal de parte não apenas de autoridades norte-americanas, mas também européias.
Começou com Franz Fischler, o comissário (espécie de ministro) europeu para Agricultura. Ao relatar o encontro da véspera entre representantes europeus e do G21, o austríaco Fischler lamentou que o grupo liderado pelo Brasil "não tenha revelado ambição alguma" em relação a um entendimento para fechar a negociação em Cancún. "Sem isso, as negociações serão muito, muito, difíceis."
Assim que Fischler e seu colega Pascal Lamy, comissário de Comércio, deixaram o auditório do Centro de Convenções em que se realizam as entrevistas coletivas, entrou Peter Allgeier, o segundo homem do USTr, depois de Robert Zoellick.
O G21 também foi seu alvo, assim como o Brasil, ainda que este não tivesse sido mencionado diretamente. "O G21 mostrou que pode se unir para fazer demandas. A questão é se esses países são capazes de se mover para um espírito negociador, junto com os outros 120 países desta organização [a OMC]", disparou.
Depois, questionou a representatividade do G21 como porta-voz dos países em desenvolvimento. "O porta-voz do G21 não é o porta-voz de todos os países em desenvolvimento", afirmou, para acrescentar que "um certo número deles [países em desenvolvimento]" dissera, na noite anterior, não se sentir representado pelo porta-voz do G21.
O porta-voz do G21 atende pelo nome de Celso Amorim, chanceler do Brasil, país escolhido para coordenador do grupo recém-formado.
Não parou aí. Allan Johnson, o negociador agrícola dos Estados Unidos, observou a certa altura que "alguns países do G21 revelam disposição construtiva". Terminada a entrevista, a Folha perguntou a Johnson se o Brasil estava ou não entre os "construtivos".
Johnson disse que não. "Mas deveria estar, porque é um país de alto nível ["world class"] em comércio agrícola e, portanto, deveria ter interesse em abrir mercados também nos países em desenvolvimento".
É uma alusão ao fato de que a proposta agrícola do G21 protege o mercado dos países em desenvolvimento, para atender a Índia, que não quer abrir seu mercado de bens agrícolas.
A disparada de críticas foi tamanha que a delegação brasileira viu-se forçada a distribuir um comunicado para dizer que "é importante, neste estágio [das negociações] que nos concentremos em tentar negociar e não em dirigir nossas energias para atacar países ou grupos de países".


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