São Paulo, segunda-feira, 13 de outubro de 2008

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Europa começa hoje a estatizar bancos

Pacote prevê crédito para empresas, garantias para depósitos e estímulo para retomada dos empréstimos entre bancos

Estatização parcial de bancos se dará por meio de refinanciamento e compra de ações, mas governos não devem interferir na gestão

Philippe Wojazer/Reuters
Autoridades européias se reúnem para discutir crise em Paris

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MADRI

Era domingo, os mercados estavam fechados, e governos da Oceania à Europa lançaram-se a uma frenética escalada de medidas para tentar evitar que, quando as Bolsas de Valores abrirem nesta manhã, haja um banho de sangue similar ao da sexta-feira. Em entrevista ao jornal "Bild am Sonntag", a chanceler alemã Angela Merkel definiu a situação com uma certeira frase: "Só a ação dos Estados pode agora restaurar a necessária confiança", disse.
A "ação do Estado" irá ao inimaginável, a ponto de o Reino Unido, país moldado pela hiper-liberal Margaret Thatcher, estar na iminência de tomar o controle majoritário de dois dos principais bancos do país, o RBS (Royal Bank of Scotland) e o HBOS (Halifax Bank of Scotland), além de assumir posição importante em outros dois (Lloyds TSB e Banco Barclays).
A iniciativa britânica será seguida pelos 15 países da eurozona, mas cada um adotará o seu pacote, de acordo com "a flexibilidade que se necessite em função da diversidade de nossos sistemas financeiros e de nossas regras nacionais", segundo o presidente francês Nicolas Sarkozy.
A partir de agora, haverá "uma avalanche de planos de salvamento" nos países da Europa, antecipa Didier Reynders, ministro belga de Finanças. A estatização, parcial, se dará por meio de "refinanciamento" aos bancos, via compra de ações, mas sem que os governos adquiram direito a voto nas instituições beneficiadas.

Caminho britânico
Como se esperava, o pacote adotado ontem pelos 15 países da eurozona (os que adotam o euro como moeda), na cúpula de emergência em Paris, segue as linhas gerais do plano editado quarta pelo Reino Unido.
O plano europeu prevê, como o britânico, garantias governamentais para empréstimos entre bancos, que é o ponto mais urgente a atacar para permitir, se tudo der certo, destravar o crédito primeiro entre os próprios bancos e, depois, para os demais setores da economia.
Além da recapitalização dos bancos em dificuldades, o pacote põe no papel a garantia já antecipada, na semana passada, pela ministra francesa da Economia, Christine Lagarde: "Não permitiremos um Lehman Brothers na Europa".
A quebra do Lehman Brothers nos Estados Unidos é apontada quase unanimemente como o ponto de ignição do incêndio que consumiu os mercados a partir de setembro.

Crédito para empresas
O esboço do documento discutido em Paris previa um passo adicional, afinal não explicitado: autorizava o Banco Central Europeu a fazer empréstimos diretos às empresas, no que seria claramente a subversão das regras atuais do BCE.
Ao contrário do Fed (o banco central norte-americano), cuja missão não é apenas a de controlar a inflação mas, na hora do aperto, também a de estimular a economia, o estatuto do BCE restringe sua atuação ao controle da inflação. Liberar dinheiro para empresas é estimular a atividade econômica, o que, no limite, pode levar a aumento de preços. Se adotada, a medida visaria evitar o sufoco de empresas que precisam emitir promissórias para pagar salários e fornecedores.
A desconfiança dos bancos levou à estratosfera as taxas de juros para esse tipo de operação. Há casos de empresas que são obrigadas a tomar empréstimos por um só dia, para cobrir pagamentos indispensáveis.
Os Estados Unidos já haviam anunciado que o Fed comprará promissórias a um juro inferior ao de mercado, para evitar que empresas sadias e rentáveis sejam asfixiadas pelo bloqueio do crédito, causado pela desconfiança generalizada e não pela ficha creditícia da companhia.
Na Alemanha também, sempre segundo vazamentos da mídia, sai hoje um pacote que segue as linhas gerais do plano adotado pela eurozona.
O plano também prevê garantias para que um banco empreste ao outro e copia o pacote norte-americano de investir recursos do Tesouro para limpar os chamados "ativos tóxicos" dos bancos.
Um terceiro ponto seria recapitalizar os bancos, mas o jornal popular "Bild" e o semanário "Welt am Sonntag" coincidem em informar que o problema maior não é com os bancos privados mas com os chamados "Landebanks", uma coleção de caixas econômicas que são usinas de financiamento em todos os 16 Estados ("lander").
A desconfiança nos bancos é tanta que até Portugal, cujo governo reafirma, dia após dia, que o seu sistema é sólido, anunciou ontem que disponibilizará até 20 bilhões para garantir os depósitos, quantia "aberta a todas as instituições de crédito sediadas em Portugal", segundo o ministro das Finanças, Teixeira dos Santos.
Na Oceania, renderam-se Austrália e Nova Zelândia, dois dos raros países do mundo desenvolvido, que não tinham nenhuma garantia para depósitos. Adotaram um pacote coordenado com esse objetivo.
Na Ásia, a Bolsa de Seul chegou a subir mais de 4% hoje. A Bolsa de Sydney teve alta de quase 5%. Os futuros do índice S&P 500 da Bolsa de Nova York, negociados na Ásia, tinham alta de 4% até o fechamento desta edição. Os mercados não abrem hoje no Japão.


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