São Paulo, terça-feira, 13 de outubro de 2009

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VINICIUS TORRES FREIRE

Governo pega o trem-bala errado


Tesouro pode financiar a obra diretamente, o que é estranho. Não existe uso alternativo mais útil para R$ 20,7 bilhões?

O TREM-BALA deve ser um grande negócio. Para empresas de Alemanha, Coreia, Espanha, França e Japão dispostas a morder os empréstimos baratésimos (hoje a juro quase zero) e isenção de impostos oferecidos pelo governo Lula. Antes do superfaturamento de praxe, o custo do trem-bala de Campinas-Rio, via São Paulo, é estimado em R$ 36,4 bilhões. Quem já reformou mesmo um puxadinho sabe que a empreitada sempre supera o orçamento, que dirá numa obra com 90 km de túneis em rochas desconhecidas, terraplenagem em terrenos incógnitos, desapropriações imensas e quilômetros de pontes.
O governo pretendia financiar, via BNDES, 60% do custo do projeto, R$ 20,7 bilhões. Mas o BNDES não tem capital suficiente para tanto.
Marcio Aith e Agnaldo Brito noticiaram ontem nesta Folha que o Tesouro financiaria diretamente o empreendimento. Suponha-se, de início, que o governo invente um modo legal de emprestar dinheiro do Tesouro a firmas privadas. Faz sentido o Estado carrear tantos recursos a um empreendimento para o qual a iniciativa privada não consegue levantar fundos?
Sim, por vezes, faz sentido a iniciativa estatal -foi assim que o país inaugurou siderurgia, petróleo, pesquisa agrícola, grandes hidrelétricas e telecomunicações. Mas qual o retorno social e econômico de uma linha de trem de passageiros de 510 km? Qual o uso alternativo dos recursos que serão investidos no trem-bala, o TAV?
Para começar, as obras ferroviárias do PAC, afora o TAV, valem R$ 20 bilhões, o equivalente ao financiamento oficial do trem-bala. Mas o Brasil tem relativamente menos ferrovias que a Argentina. O grosso das exportações é de produtos que se prestam ao transporte ferroviário e/ou por água: de grande volume, baixo valor agregado, transportadas por grandes distâncias. A cada safra, é comum ver filas de caminhões que vão do porto à serra, como no Paraná, filas devidas a insuficiência logística. As estradas do "Vale do Aço" em Minas, um dos centros da economia do país, parecem de filme "B" de terror, com despenhadeiros medonhos. Há indícios de que começam reformas sérias dos portos, como em Santos, mas não há estradas, ferrovias e capacidade de armazenagem para levar as mercadorias até lá.
Uma pesquisa de 2008 do Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos) com executivos de logística de 220 das maiores empresas brasileiras mostra que as companhias deixam de usar o transporte ferroviário por falta de rotas, de vagões e baixa velocidade dos trens (metade da americana). O acesso aos portos é escasso e congestionado. É caro passar de um sistema de transporte a outro. Saiu de moda falar de "custo Brasil", mas os produtos brasileiros não perdem competitividade apenas por causa do real forte, mas por ruindade logística, escassez de ciência e impostos demais.
Como propaganda, o governo diz que vai exigir "transferência de tecnologia" das empresas do TAV.
Para quê? Onde se vai usar a tecnologia, se mal temos dinheiro para apenas um TAV? Se não temos dinheiro e capacidade administrativa para completar as ferrovias do Centro-Oeste e do Norte?

vinit@uol.com.br


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