São Paulo, domingo, 13 de novembro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

GLOBALIZAÇÃO

Com mão-de-obra barata, cidades na periferia de Fortaleza produzem para Diesel, Donna Karan e outras

Ceará vira pólo exportador de grifes de luxo

ISABELLE MOREIRA LIMA
ENVIADA ESPECIAL A HORIZONTE (CE)

Cerca de 450 operários trabalham sob o forte calor cearense produzindo calças nas quais costuram etiquetas originais da marca de jeans italiana Diesel, vendidas à luxuosa grife por US$ 12 e revendidas em lojas espalhadas pelo mundo por até US$ 600.
O Nordeste globalizou-se graças à sua mão-de-obra barata e à proximidade do hemisfério Norte. De fábricas instaladas na periferia de Fortaleza, partem roupas e calçados de grifes de luxo como Diesel, Donna Karan e Chloé para abastecer o mercado mundial.
A 40 km de Fortaleza, a cidade de Horizonte (42 mil habitantes e PIB de R$ 518 milhões em 2004, segundo o IBGE) recebeu neste mês uma encomenda de pouco mais de 10 mil peças da marca italiana conhecida pela boa modelagem e pelos preços altíssimos. A empresa local SN Confecções, encarregada da fabricação, receberá como pagamento um total de US$ 200.690,91.
As peças -quatro modelos diferentes de calças em sarja- saem por um valor unitário entre US$ 12,37 (R$ 26,80) e US$ 22,57 (R$ 48,85). Nas lojas paulistanas da rua Oscar Freire, nos Jardins, ou do Shopping Iguatemi, um modelo similar, tipo "cargo" (com muitos bolsos e outros detalhes como bordados e aplicações de silk-screen), não sai por menos do que R$ 620.
Com 19 anos, a Diesel é famosa especialmente por seus jeans "five pockets" (cinco bolsos). Em São Paulo, os modelos custam entre R$ 700 e R$ 1.200. Nas lojas brasileiras, ocupam lugar de destaque em relação ao restante das mercadorias. Os jeans são exclusivamente italianos, mas as peças confeccionadas em outros tecidos, a chamada "linha fashion", geralmente trazem a informação de procedência de algum país de mão-de-obra barata da Ásia e do Leste Europeu, como China ou Romênia.
Agora, etiquetas "made in Brazil" também serão costuradas às roupas. A encomenda de Horizonte é a primeira leva brasileira da Diesel. E, de acordo com o resultado dos produtos, pode não ser a única.

Negócio
As negociações foram relativamente rápidas. Intermediadas pela empresa de "trading" portuguesa Globaltex, o contato foi feito no começo de outubro e, já em novembro, havia provas feitas no Ceará a caminho da Itália.
Hoje, a SN se encarrega da produção do primeiro pedido. A entrega, de acordo com a confecção, deve ser feita no final de janeiro do ano que vem, em três destinos: Itália, Estados Unidos e Canadá. Segundo a Diesel, as peças vão direto para Oriente Médio e Ásia. Nada fica no Brasil.
A produção também é dinâmica. Com 450 funcionários (sendo 250 costureiros), a SN tem capacidade de produzir 4.000 peças por dia, mais de 450 por hora. As calças da Diesel, no entanto, são mais "trabalhosas" e levam mais tempo. Uma calça básica tem cerca de 42 operações. A da marca italiana, 150.

Preço
Segundo o diretor-presidente da SN Confecções, André Nunes, design e material determinam o valor de um produto. No caso das Diesel cearenses, o tecido é a sarja do tipo "strand", que vem de Santa Catarina. O custo do tecido saiu por R$ 6,44, o que não é exatamente caro.
Mas são a mão-de-obra e a localização que barateiam o custo e fazem do Ceará um lugar muito atraente para confecções norte-americanas e européias de luxo.
Na SN, por exemplo, um costureiro ganha no mínimo R$ 320 e no máximo R$ 500, de acordo com sua produção.
A logística é perfeita: o Ceará tem dois portos grandes (o do Mucuripe, em Fortaleza, e o do Pecém, a 60 km da capital) e teve seu aeroporto reformado e adaptado para receber vôos internacionais ainda na década de 90.
"Há navios com saída duas vezes por semana e a viagem só demora seis dias", diz André Nunes.
É justamente por causa do "pacote perfeito" oferecido pelo Ceará, de mão-de-obra e logística, que marcas de luxo escolhem o Estado para produzir, diz o agente comercial da Globaltex Edson Palhares. Marcas, no plural.

DK e Chloé
É a primeira vez que a Diesel produz no Ceará, mas não é a primeira vez que uma grife de grande porte e imagem fabrica no Estado. Nomes como a Chloé, da estilista inglesa Stella McCartney, a norte-americana DKNY, de Donna Karan, e a italiana Moschino são clientes das confecções do Estado há alguns anos. Segundo Palhares, que fecha 90% dos negócios do escritório com confecções cearenses, Giorgio Armani e Calvin Klein já têm modelos em desenvolvimento no Nordeste.
A SN é antiga no negócio de grifes-grandes-para-exportação. Nunes fabrica peças para marcas estrangeiras desde 1998. Já produziu jeans para a norte-americana Abercrombie & Fitch e é homologado pela Levi's. Ao mesmo tempo, a confecção produz peças para o magazine nordestino Esplanada, voltado para classes baixas.
O município de Horizonte é outro veterano no assunto. Ocupa o sétimo lugar em arrecadação de ICMS no Estado e tem pólo industrial com 35 empresas, que produzem de granito a calçados.
"Desde a década de 90, com o governo Tasso [Jereissati] e a política da interiorização da industrialização, Horizonte mudou de perfil. Hoje é 90% industrial. O motivos é a localização privilegiada, a 40 km de Fortaleza, um grande mercado consumidor. Fica também às margens da BR-116, que liga a capital ao Sul e Sudeste. Além disso, temos serviços, infra-estrutura completa e mão-de-obra relativamente barata", diz o prefeito da cidade, Chico Cesar.
Entre as indústrias que migraram para o município na década passada, está a Vulcabras, que tem 8.000 funcionários trabalhando em três diferentes turnos e produzindo uma média de 500 mil pares de tênis das marcas Reebok e Keds, voltados para os mercados nacional e internacional.
"A indústria de calçados sempre encontrará melhor situação de competitividade em regiões onde o custo da mão-de-obra seja menor", diz o diretor da Vulcabras Milton Cardoso.


Texto Anterior: Serviço pode ser moeda de troca
Próximo Texto: Frases
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.