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São Paulo, sexta-feira, 14 de fevereiro de 2003

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Governo Lula vai adiar nova política

DO ENVIADO ESPECIAL A TÓQUIO

Perfeitamente sintonizados, os três ministros brasileiros que participam da reunião em Tóquio usam a mesma palavra, em conversas separadas, para definir qual a diferença entre a posição negociadora do governo Lula na comparação com a do governo Fernando Henrique Cardoso: "Vamos ser mais agressivos", repetem Celso Amorim (Relações Exteriores), Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior) e Roberto Rodrigues (Agricultura).
Retórica à parte, uma eventual mudança de posição ficará para mais adiante, como admite Celso Amorim. "Não será ainda nesta reunião, mas vamos tentar colocar a ênfase em outros temas, além de agricultura. Em temas que permitam maior avanço em políticas de desenvolvimento", diz o chanceler.
É uma frase coerente com as teses expostas tanto por Lula como pelo próprio Amorim em seus discursos de posse, no sentido de que o Brasil do PT procuraria criar "espaços de flexibilidade para políticas de desenvolvimento".
Fácil de falar, difícil de fazer, sobretudo se o Brasil não conseguir alterar as regras da OMC, estabelecidas na Rodada Uruguai (1986/1994), a mais abrangente etapa de liberalização comercial já adotada no planeta.
O Brasil ficou no pior do mundos, "porque tem um carro de pouco mais de mil cilindradas, mas não é uma BMW", como ouviu a Folha na própria OMC.
Traduzindo: países cuja renda per capita é inferior a US$ 1.000 (as "mil cilindradas" da metáfora) ganharam o direito de conceder subsídios proibidos aos demais, como os que vinculam o crédito subsidiado à performance exportadora da empresa beneficiada ou obrigam a empresa a utilizar certa porcentagem de componentes locais para produção de bens.
São dois instrumentos clássicos de "políticas de desenvolvimento", mas que o Brasil não pode usar, embora concorrentes como a Índia tenham esse direito pelo critério das "cilindradas".
Outros países, como os da América Central, de menor desenvolvimento relativo, conseguiram prazo maior (de três ou quatro anos) para acabar com esse tipo de subsídio. Já os países desenvolvidos, em tese, eliminaram esses subsídios, trocando-os por sofisticados programas de crédito à exportação.
Foi pela falta desses mecanismos que o Brasil perdeu inicialmente, na OMC, a disputa com o Canadá em torno da exportação de aviões. A Bombardier canadense, concorrente da brasileira Embraer, usa créditos fornecidos graças aos mecanismos mais sofisticados. Só numa segunda etapa do processo aberto na OMC é que o Brasil conseguiu "empatar" a disputa com os canadenses.
A Rodada de Doha da OMC é, pois, em tese, a chance de o novo governo brasileiro tentar conseguir algum tipo de concessão que lhe permita sair da incômoda posição em que ficou após a Rodada Uruguai.
Não será fácil. Livro recente do economista Ha-Joon Chang, ex-consultor do Banco Mundial e do Banco de Desenvolvimento da Ásia, hoje diretor de Estudos de Desenvolvimento na Universidade britânica de Cambridge, mostra que é uma secular prática dos países desenvolvidos "tirar a escada" que usaram para chegar ao desenvolvimento, impedindo que os países menos ricos a utilizem com idêntica finalidade.
Ou seja, os mecanismos que facilitaram o crescimento dos EUA, do Japão e de outros países são hoje proibidos para o Brasil, que tentará buscar a "escada" nas negociações da Rodada Doha. (CR)


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