São Paulo, sábado, 14 de fevereiro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

O Senado pode melhorar a Lei de Falências

GESNER OLIVEIRA

A reforma da Lei de Falências que está tramitando no Senado já vem tarde. A atual legislação, que data de 1945, não é adequada para lidar com crises como a da Parmalat, que sofreu intervenção nesta semana e que coloca em risco o emprego e a produção de cerca de 100 mil pessoas, entre funcionários e fornecedores concentrados em oito Estados da Federação.
O projeto que foi aprovado na Câmara no ano passado constituiu avanço em relação à legislação em vigor. Restam, contudo, pontos importantes a serem revistos. Vale a pena mencionar três deles apenas para ilustrar o dever de casa a ser feito e a importância das audiências públicas que o Senado tem promovido e deverá retomar a partir da próxima semana.
Em primeiro lugar, é preferível prevenir a remediar. O projeto tal como foi aprovado pela Câmara prevê a recuperação judicial em casos nos quais a crise econômico-financeira já se instaurou. Muitas vezes, quando se chega a esse ponto, é tarde demais. Seria desejável deixar claro que a recuperação judicial é aplicável mesmo em situações de ameaça de crise, precisamente para evitar seu advento.
Em segundo lugar, é preciso estabelecer um teto para o valor de créditos trabalhistas que recebem tratamento preferencial quando a empresa entra em falência. Como ocorre com freqüência em outras áreas de política pública, a pretexto de proteger os trabalhadores, termina-se por comprometer a eficácia do instrumento e prejudicar os verdadeiros empregados.
A inexistência de limite para o crédito trabalhista dá margem a conhecidas fraudes contábeis, muitas vezes promovidas por aqueles que foram os responsáveis pelo colapso financeiro do empreendimento. Ações trabalhistas milionárias em favor de ex-diretores e familiares dos controladores acabam dilapidando o patrimônio que poderia servir para recuperar a empresa e, conseqüentemente, os empregos.
Assim, seria recomendável introduzir um limite, por exemplo, de 150 salários mínimos, como chegou a ser cogitado. Na mesma direção, poder-se-ia conceber um sistema progressivo, ao criar diferentes classes de créditos trabalhistas e conferir maior prioridade àquelas de trabalhadores de menor poder aquisitivo.
Em terceiro lugar, seria preciso ler o projeto de lei com os olhos do saudoso Hélio Beltrão, que foi um batalhador da desburocratização, uma bandeira que anda esquecida nos tempos que correm. Isso se aplica em particular à participação do Ministério Público no processo falimentar ou de recuperação judicial.
É evidente que a participação do Ministério Público é importante na defesa dos interesses sociais, coletivos e difusos. Porém isso deve ocorrer sem comprometer a celeridade do processo, o que constitui ingrediente fundamental para garantir a viabilidade do negócio e a manutenção dos fatores produtivos em atividade.
Estima-se que o Senado aprove a Lei de Falências com alterações até o final do primeiro semestre. Daí o projeto ainda tem de voltar à Câmara para ratificação ou não das eventuais e prováveis mudanças do Senado. Resta o consolo de que, a partir do próximo ano, o país poderá contar com um marco legal mais adequado para salvaguardar a produção e o emprego em situações nada infreqüentes de crise financeira das empresas.


Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


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