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ANÁLISE
Crise grega chega aos EUA
NIALL FERGUSON
DO "FINANCIAL TIMES"
Começou em Atenas. Está se
espalhando para Lisboa e Madri. Mas seria um grave erro
presumir que a crise da dívida
soberana em curso continuará
confinada às economias mais
fracas da zona do euro. Pois estamos diante de mais que um
problema mediterrâneo definido por um acrônimo jocoso.
Suas ramificações são muito
mais profundas do que a maioria dos investidores percebe no
momento.
Existe, é claro, uma característica distintiva na crise da zona do euro. Devido à maneira
pela qual a união monetária europeia foi concebida, na verdade não há um mecanismo para
um resgate ao governo grego
pela União Europeia, pelos demais países-membros ou pelo
BCE (Banco Central Europeu),
nos termos dos artigos 123 e
125 do Tratado de Lisboa. É fato que o artigo 122 poderia ser
invocado pelo Conselho Europeu para ajudar um país-membro "seriamente ameaçado por
dificuldades severas, causadas
por desastres naturais ou circunstâncias excepcionais e
além de seu controle", mas, por
enquanto, ninguém deseja fingir que o imenso deficit grego
foi um ato de Deus. E tampouco
existe uma forma para que a
Grécia desvalorize sua moeda,
como teria feito nos dias da
dracma, antes da união monetária. Não existe nem mesmo
um mecanismo para que a Grécia abandone a zona do euro.
Isso deixa só três possibilidades: uma das mais dolorosas
compressões fiscais da história
europeia moderna: reduzir o
deficit de 13% para 3% do PIB
em três anos; moratória aberta,
total ou parcial, da dívida pública grega; ou (a saída mais provável, como sinalizaram autoridades alemãs na semana passada) alguma espécie de resgate
liderado por Berlim. Já que nenhuma dessas opções atrai
muito, e porque qualquer decisão quanto à Grécia terá implicações em Portugal, Espanha e
possivelmente em outros países, será necessária uma complicada barganha antes que
uma decisão seja tomada.
No entanto, as idiossincrasias da zona do euro não deveriam nos distrair com relação à
natureza geral da crise fiscal
que agora aflige a maioria das
economias do Ocidente. Poderíamos defini-la como a geometria fractal da dívida: o problema é essencialmente o mesmo,
da Islândia à Irlanda, ao Reino
Unido e ao EUA. O que varia
apenas, e muito, é o tamanho
da questão.
O que nós, no mundo ocidental, estamos a ponto de aprender é que não existe almoço
grátis keynesiano. Na verdade,
não foram tanto os deficit que
nos "salvaram", e, sim, a política monetária (taxas de juros zero e relaxamento quantitativo).
Primeiro, o impacto dos gastos do governo (o tão alardeado
"multiplicador") foi muito inferior ao que os proponentes do
estímulo esperavam. Segundo,
há um considerável "vazamento" das economias abertas, em
um mundo globalizado. Por
fim, e crucialmente, explosões
de dívida pública sempre resultam em contas que vencem
mais cedo do que esperávamos.
Porto seguro
Para a maior economia do
mundo, os EUA, o dia do pagamento ainda parece reconfortantemente distante. Quanto
piores as coisas ficam na zona
do euro, mais o dólar se recupera, já que os investidores nervosos estacionam seu dinheiro no
"porto seguro" dos títulos da
dívida pública norte-americana. O efeito pode persistir por
alguns meses, da mesma forma
que o dólar e os títulos do Tesouro dos EUA registraram alta
nas profundezas do pânico
bancário do final de 2008.
Mas mesmo um olhar casual
para a posição fiscal do governo
federal norte-americano (para
não mencionar a dos Estados)
torna absurda a expressão
"porto seguro". Os títulos de dívida norte-americanos são tão
porto seguro hoje quanto Pearl
Harbor o era em 1941.
Mesmo de acordo com as novas projeções orçamentárias da
Casa Branca, a dívida federal
bruta detida pelo público superará os 100% do PIB em apenas
dois anos. Neste ano, como em
2009, o deficit federal será de
cerca de 10% do PIB. As projeções de longo prazo do Escritório Orçamentário do Congresso sugerem que os EUA nunca
mais terão um Orçamento
equilibrado. É isso mesmo:
nunca mais.
Ajustes
O FMI (Fundo Monetário
Internacional) recentemente
publicou estimativas dos ajustes fiscais de que as economias
desenvolvidas precisariam para restaurar a estabilidade fiscal na década vindoura. A pior
situação é a de Japão e Reino
Unido (um aperto fiscal da ordem de 13% do PIB), seguidos
por Irlanda, Espanha e Grécia
(com 9%). E em sexto lugar? Os
EUA, que precisariam de um
aperto de política fiscal da ordem de 8,8% do PIB a fim de satisfazer o FMI.
As explosões de dívida pública prejudicam as economias da
seguinte maneira, como diversos estudos empíricos demonstram: ao agravar os temores de
moratória e/ou desvalorização
cambial, seguidas por inflação,
elas geram alta nas taxas reais
de juros. Juros reais mais altos,
por sua vez, limitam o crescimento, especialmente quando
o setor privado também tem
pesado endividamento, o que é
o caso da maior parte das economias ocidentais, e não só da
dos EUA.
Ainda que o índice de poupança domiciliar dos EUA esteja em alta desde o início da
Grande Recessão, esse aumento não basta para absorver um
montante líquido de US$ 1 trilhão em títulos de Tesouro
emitido a cada ano. Apenas
duas coisas evitaram, até agora,
que os rendimentos dos títulos
norte-americanos subissem: as
aquisições desses papéis (e de
títulos lastreados por hipotecas, que muitos vendedores na
prática trocaram por títulos
públicos) conduzidas pelo banco central norte-americano
(Federal Reserve, o Fed) e o
acúmulo de reservas cambiais
pelas autoridades monetárias
chinesas.
Relaxamento
Mas agora o Fed está descontinuando essas aquisições e deve pôr fim ao relaxamento
quantitativo. Enquanto isso, os
chineses reduziram as suas
aquisições de títulos do Tesouro, de 47% do montante novo
emitido em 2006 para 20% em
2008 e uma fração estimada em
5% no ano passado. Pouco admira que o Morgan Stanley
presuma que o rendimento dos
títulos de dez anos subirá de
3,5% a 5,5% neste ano. Sobre
uma dívida pública federal bruta que rapidamente se aproxima dos US$ 15 trilhões, isso implica US$ 300 bilhões adicionais em custo de juros, e o momento em que esse montante
precisará começar a ser pago
não vai demorar, se considerarmos que o vencimento médio
dos títulos em circulação é inferior a 50 meses.
O novo Orçamento do governo Obama presume, alegremente, que o PIB crescerá em
média 3,6% anuais pelos próximos cinco anos, com inflação
anual média de 1,4%. Mas,
diante de juros reais em alta, o
crescimento pode ser inferior.
Nessas circunstâncias, os pagamentos de juros cresceriam como proporção da arrecadação
federal de 10% a 20% ou 25%.
Há duas semanas, a agência
de classificação de crédito
Moody's afirmou que a classificação AAA dos títulos do Tesouro americano não era automática. O alerta traz à memória
a pergunta mordaz de Larry
Summers (feita antes que ele
retornasse ao governo): "Por
quanto tempo o maior devedor
do mundo continuará a ser a
maior potência do mundo?".
Pensando bem, é apropriado
que a crise fiscal do Ocidente
tenha começado na Grécia, o
berço da civilização ocidental.
Em breve, ela atravessará o canal e chegará ao Reino Unido.
Mas a questão crucial é determinar quando ela chegará ao
último baluarte do poderio ocidental, do lado oposto do
Atlântico.
NIALL FERGUSON é professor da Universidade
Harvard e autor de "The Ascent of Money:
A Financial History of the World".
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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