São Paulo, segunda-feira, 14 de abril de 2008

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ENTREVISTA DA 2ª/LUCIANO COUTINHO

Ritmo de deterioração da balança comercial assusta

Para presidente do BNDES, déficit crescente das contas externas é perigoso e governo deve estudar mais medidas com o objetivo de estimular as exportações

Paula Huven/Folha Imagem
O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, durante entrevista


O PRESIDENTE do BNDES, Luciano Coutinho, disse à Folha que a velocidade de deterioração da conta comercial neste início de ano "assustou", mas avalia que o país pode se "descolar" do atual ciclo de crise internacional. Refletindo a preocupação do governo Luiz Inácio Lula da Silva com a situação negativa das contas externas, Coutinho afirma que é "muito importante não permitir" a expansão desse déficit e avalia que, além da política industrial, o governo deve estudar mais medidas para estimular as exportações. "Outras medidas deverão ser pensadas, é uma agenda importante", afirma.

VALDO CRUZ
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

JANAINA LAGE
DA SUCURSAL DO RIO

Interlocutor freqüente do presidente Lula, Coutinho evita fazer comentários sobre a decisão do BC em relação aos juros. Diz, contudo, que as pressões inflacionárias estão vindo de fora, por conta da alta nos preços das commodities, e não enxerga um "estrangulamento generalizado" do nível de utilização da capacidade da indústria -dois fatores apontados pelo BC como ameaça à meta de inflação de 4,5%.
Para tentar ajudar a manter a estabilidade no longo prazo e evitar "desfazer a robustez externa recém-conquistada", ele diz que o banco pode "desinvestir", ou seja, vender parte da sua carteira de ações para levantar recursos a serem destinados a financiamentos.
Coutinho aposta ainda que um crescimento mundial mais moderado, inclusive da China, poderá ajudar o país por conta de uma redução nos preços das commodities e auxiliar no combate à inflação. A seguir, trechos da entrevista concedida em seu gabinete no Rio:  

FOLHA - Quais são os três principais entraves da economia brasileira?
LUCIANO COUTINHO
- Nós temos um desafio importante que é sustentar o processo de expansão do investimento. É fundamental compatibilizar crescimento acelerado e estabilidade de preço, por meio da criação de oferta suficiente. Para isso, temos de elevar a capacidade de poupança e investimento da economia e sustentá-la. Esse é um desafio, não é um entrave.
Segundo desafio importante é fazer isso incorporando capacidade inovadora. É preciso transmitir e enraizar a inovação no sistema empresarial brasileiro de uma maneira muito mais forte e afirmativa.
Um terceiro desafio é melhorar a capacidade de planejamento, regulação e desenvolvimento institucional. É preciso retomar a capacidade de planejar e pensar o médio e o longo prazo. Algo que foi perdido por conta de vicissitudes do processo inflacionário que obscurecia a capacidade de olhar de longe.

FOLHA - Ainda é válida a regra de bolso citada por economistas de que, para termos expansão sustentável acima de 5%, só com taxa de investimento de 20% a 25% do PIB?
COUTINHO
- Essa regra depende do grau de inovação e de produtividade. Você pode pensar numa faixa. Estou apenas relativizando porque existe todo um debate a partir do qual se pensa na idéia de produto potencial e se diz "eu não posso crescer mais de tanto"...

FOLHA - Mas dá para crescer 5% com a atual taxa de investimento na casa dos 18%?
COUTINHO
- Acho que dá para crescer. Para crescermos a 5%, 5,5%, temos que puxar a formação de capital para perto de 21%, 21,5% do PIB e mantê-la.
Se faço ganhos de produtividade mais firmes e mais sustentáveis, posso crescer não a 5%, mas a 5,5% ou 6%. É perfeitamente possível que o país possa crescer mais, sustentadamente. Tem de aumentar o esforço de poupança e investimento e sustentá-lo persistentemente ao longo do tempo.

FOLHA - Mas o problema hoje é que estamos numa velocidade de crescimento de 6%, o que estaria gerando pressões inflacionárias pelo aquecimento da demanda. Isso sinaliza que a taxa de investimento ainda não sustenta esse ritmo?
COUTINHO
- As pressões inflacionárias têm vindo mais de fatores externos e acidentalidades. Veio de produtos agrícolas, entressafra e commodities por conta da excitação do preço no exterior. Os elementos internos de formação do preço não mostram excitação alarmante.
A formação de capital tem avançado fortemente. Um sintoma inequívoco do amadurecimento dos investimentos é que o nível de uso da capacidade industrial, que havia subido para 83% e tanto, caiu. Está cedendo nas últimas leituras e nossa percepção é que vai continuar caindo devagarinho. A formação de capital na esmagadora maioria dos setores da indústria tem permitido evitar a formação de gargalos de inflação por conta de uso de capacidade estourado.
O nível de uso de capacidade está alto o suficiente para estimular o investimento e numa faixa ainda confortável para não produzir estresse inflacionário, daí o desafio de continuar mantendo a formação de capital em ascensão para criar capacidade de oferta.
Há uma arte de calibrar no curto prazo a demanda agregada, os estímulos fiscais e monetários da economia que não está na minha esfera. Toda a análise que fiz foi estrutural, não queira colocar na minha boca uma avaliação crítica à política macroeconômica. O BC e o Ministério da Fazenda têm de cuidar da inflação, da calibragem da economia para manter a estabilidade e o controle sobre as expectativas de inflação.
Tenho uma tarefa importante que é ajudar a sustentação do investimento, de tal maneira que não se formem pressões inflacionárias generalizadas.
Mantida a confiança e a sustentação do crescimento, em algum momento futuro o BNDES poderá repensar o seu perfil de financiar coisas que tipicamente o mercado não financia bem. Neste momento, o BNDES está sobrecarregado.

FOLHA - Neste momento o BNDES precisa atuar na função de manter essa taxa de investimento subindo para evitar gargalos inflacionários. Quais os setores que o senhor identifica em que o BNDES precisa atuar?
COUTINHO
- Os setores-chave são os chamados de insumos de amplo uso industrial, os insumos básicos, porque eles têm um peso importante na formação de custos de vários setores.

FOLHA - Há uma grande dúvida se vocês terão condições de ter os recursos necessários, como para bancar as metas da política industrial. O ministro Miguel Jorge (Desenvolvimento) disse que o banco terá até R$ 250 bilhões para financiá-la.
COUTINHO
- Bom, acho que ele está incluindo nosso orçamento de R$ 80 bilhões nos próximos três anos. Não é uma conta discrepante. Conto com a ajuda do ministro Miguel Jorge para ajudar o banco a chegar nos duzentos e tantos bilhões de reais.
Existem mecanismos para chegar, mas não posso falar de mecanismos que ainda estão em estudo. Uma parte disso pode vir de "funding" de mercado.

FOLHA - O banco pode fazer um grande desinvestimento?
COUTINHO
- Uma parte pode vir de captação de mercado, pode vir de captação externa, de desinvestimento. Parte pode vir de desinvestimento da carteira, parte pode vir de outras fontes.

FOLHA - Quando se observa o balanço do banco nos últimos meses, as exportações caem sucessivamente. A nova política industrial vai criar algum mecanismo no banco de estímulo à exportação?
COUTINHO
- Não posso falar sobre a nova política industrial, mas posso dizer que a política industrial tem entre seus componentes o apoio a exportação.

FOLHA - A queda no superávit da balança comercial preocupa num cenário de médio e longo prazo, podendo reverter o quadro atual?
COUTINHO
- Assustou a velocidade de deterioração da conta comercial. E há uma certa percepção nossa de que existiram fatores conjunturais que deram uma impressão mais alarmante do que de fato imagino. Mas isso no curto prazo. Obviamente no médio e longo prazo é importante não permitir uma expansão do déficit em conta corrente para níveis que representem uma retomada de um processo de endividamento em moeda forte acelerado. Porque isso irá, a médio prazo, desfazer a robustez externa recém-conquistada. Se ingressar num processo acelerado de endividamento continuado, vai desfazer a robustez externa, que foi crucial para estabilizar a taxa de câmbio, para o controle das próprias condições de operação da política monetária.
Então, há uma cautela que deve ser pensada. Um dos fatores será reforçar a capacidade competitiva, exportadora do Brasil por meio de medidas da política industrial. Outras medidas deverão ser pensadas, como evitar que o déficit de conta corrente cresça de forma continuada e exagerada. Aí há um antídoto que é o próprio regime de câmbio flutuante. Ele tem a grande vantagem de estabelecer um piso para a apreciação do câmbio na medida em que o déficit em conta corrente aumente. O próprio mercado tende a corrigir.

FOLHA - O FMI alertou de que o Brasil deveria se preocupar com suas contas externas, diante do risco de juros mais altos criarem um problema maior para o câmbio. Como o sr. disse, o câmbio flutuante tende a ajustar a taxa cambial, mas com juros elevados isso pode levar mais tempo do que o necessário?
COUTINHO
- Eu tenho idéias a respeito, mas não vou me estender sobre elas. Eu acho essa uma boa pergunta para o ministro Guido Mantega e para Henrique Meirelles.

FOLHA - Qual é a sua boa resposta?
COUTINHO
- O que eu posso dizer é que nós estaremos remando com toda nossa força para ajudar no sentido de mitigar o problema, para evitá-lo. O que podemos fazer? Apoiar fortemente a exportação.

FOLHA - No Palácio do Planalto, já há quem lembre aquela frase do economista Mário Henrique Simonsen, "inflação aleija, mas câmbio mata". Está chegando a esse risco?
COUTINHO
- Não, estamos longe. O déficit em conta corrente projetado para este ano vai chegar no máximo a 1%. É um déficit pequeno, não pode é deixar ele ficar aumentando.

FOLHA - Mas, quando o sr. disse que ele assustou...
COUTINHO
- Foi mais pela velocidade. O que acho é que a médio e longo prazos não é bom permitir uma abertura continuada do déficit. Um déficit crescente, que represente um processo crescente e continuado de necessidade de endividamento externo, é perigoso.

FOLHA - Em que estágio da crise financeira americana ainda estamos?
COUTINHO
- Ainda há um rescaldo que durará um bom tempo. O que está mais ou menos claro é que a economia americana já se desacelerou, vai passar por um período de desaquecimento, de recessão talvez. A dúvida fundamental é calcular o rebatimento da crise sobre o resto da economia internacional. Algum rebatimento haverá, na medida em que 20% da economia chinesa depende de exportação. Acho que um desaquecimento moderado pode ser até bom para a economia brasileira porque vai moderar as pressões das commodities, que têm sido um fator preocupante de controle inflacionário.
É possível que tenhamos um cenário global menos favorável, mas não é catastrófico. Nesse cenário, o quadro de liquidez internacional será muito favorável, porque, para administrar a crise americana, será necessário a sustentação de juros muito baixos. Isso significa que a liquidez pode passar por ciclos muito seletivos, de estresse, mas estruturalmente o mundo será de grande liquidez.
Nesse contexto, a economia que demonstrar capacidade de crescimento vai atrair capitais e se descolar. Tenho a percepção de que o Brasil pode se descolar do ciclo, como a China. E por quê? Por uma coisa relativamente intuitiva, depois de 25 anos de investimento travado, criamos uma carteira de investimentos necessários, de alto retorno e risco relativamente baixo.

FOLHA - Qual a expectativa do sr. para a decisão do Copom?
COUTINHO
- É um prognóstico difícil. Como colega de governo, eu acho que o Copom tem toda autonomia para decidir e eu não devo opinar sobre isso.


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