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ENTREVISTA DA 2ª/LUCIANO COUTINHO
Ritmo de deterioração da balança comercial assusta
Para presidente do BNDES, déficit crescente das contas externas é perigoso e governo deve estudar mais medidas com o objetivo de estimular as exportações
Paula Huven/Folha Imagem
| O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, durante entrevista |
O PRESIDENTE do BNDES, Luciano Coutinho, disse à Folha que a velocidade de deterioração da conta comercial neste início de ano "assustou", mas avalia que o país pode se "descolar" do
atual ciclo de crise internacional. Refletindo a
preocupação do governo Luiz Inácio Lula da Silva com a situação negativa das contas externas,
Coutinho afirma que é "muito importante não
permitir" a expansão desse déficit e avalia que,
além da política industrial, o governo deve estudar mais medidas para estimular as exportações. "Outras medidas deverão ser pensadas, é
uma agenda importante", afirma.
VALDO CRUZ
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
JANAINA LAGE
DA SUCURSAL DO RIO
Interlocutor freqüente do
presidente Lula, Coutinho evita fazer comentários sobre a
decisão do BC em relação aos
juros. Diz, contudo, que as
pressões inflacionárias estão
vindo de fora, por conta da alta
nos preços das commodities, e
não enxerga um "estrangulamento generalizado" do nível
de utilização da capacidade da
indústria -dois fatores apontados pelo BC como ameaça à
meta de inflação de 4,5%.
Para tentar ajudar a manter a
estabilidade no longo prazo e
evitar "desfazer a robustez externa recém-conquistada", ele
diz que o banco pode "desinvestir", ou seja, vender parte da
sua carteira de ações para levantar recursos a serem destinados a financiamentos.
Coutinho aposta ainda que
um crescimento mundial mais
moderado, inclusive da China,
poderá ajudar o país por conta
de uma redução nos preços das
commodities e auxiliar no combate à inflação. A seguir, trechos da entrevista concedida
em seu gabinete no Rio:
FOLHA - Quais são os três principais
entraves da economia brasileira?
LUCIANO COUTINHO - Nós temos
um desafio importante que é
sustentar o processo de expansão do investimento. É fundamental compatibilizar crescimento acelerado e estabilidade de preço, por meio da criação
de oferta suficiente. Para isso,
temos de elevar a capacidade de
poupança e investimento da
economia e sustentá-la. Esse é
um desafio, não é um entrave.
Segundo desafio importante
é fazer isso incorporando capacidade inovadora. É preciso
transmitir e enraizar a inovação no sistema empresarial
brasileiro de uma maneira
muito mais forte e afirmativa.
Um terceiro desafio é melhorar a capacidade de planejamento, regulação e desenvolvimento institucional. É preciso retomar a capacidade de planejar e pensar o médio e o longo
prazo. Algo que foi perdido por
conta de vicissitudes do processo inflacionário que obscurecia
a capacidade de olhar de longe.
FOLHA - Ainda é válida a regra de
bolso citada por economistas de
que, para termos expansão sustentável acima de 5%, só com taxa de
investimento de 20% a 25% do PIB?
COUTINHO - Essa regra depende
do grau de inovação e de produtividade. Você pode pensar numa faixa. Estou apenas relativizando porque existe todo um debate a partir do qual se pensa
na idéia de produto potencial e
se diz "eu não posso crescer
mais de tanto"...
FOLHA - Mas dá para crescer 5%
com a atual taxa de investimento na
casa dos 18%?
COUTINHO - Acho que dá para
crescer. Para crescermos a 5%,
5,5%, temos que puxar a formação de capital para perto de
21%, 21,5% do PIB e mantê-la.
Se faço ganhos de produtividade mais firmes e mais sustentáveis, posso crescer não a 5%,
mas a 5,5% ou 6%. É perfeitamente possível que o país possa
crescer mais, sustentadamente. Tem de aumentar o esforço
de poupança e investimento e
sustentá-lo persistentemente
ao longo do tempo.
FOLHA - Mas o problema hoje é
que estamos numa velocidade de
crescimento de 6%, o que estaria gerando pressões inflacionárias pelo
aquecimento da demanda. Isso sinaliza que a taxa de investimento
ainda não sustenta esse ritmo?
COUTINHO - As pressões inflacionárias têm vindo mais de fatores externos e acidentalidades. Veio de produtos agrícolas,
entressafra e commodities por
conta da excitação do preço no
exterior. Os elementos internos de formação do preço não
mostram excitação alarmante.
A formação de capital tem
avançado fortemente. Um sintoma inequívoco do amadurecimento dos investimentos é
que o nível de uso da capacidade industrial, que havia subido
para 83% e tanto, caiu. Está cedendo nas últimas leituras e
nossa percepção é que vai continuar caindo devagarinho. A
formação de capital na esmagadora maioria dos setores da indústria tem permitido evitar a
formação de gargalos de inflação por conta de uso de capacidade estourado.
O nível de uso de capacidade
está alto o suficiente para estimular o investimento e numa
faixa ainda confortável para
não produzir estresse inflacionário, daí o desafio de continuar mantendo a formação de
capital em ascensão para criar
capacidade de oferta.
Há uma arte de calibrar no
curto prazo a demanda agregada, os estímulos fiscais e monetários da economia que não está na minha esfera. Toda a análise que fiz foi estrutural, não
queira colocar na minha boca
uma avaliação crítica à política
macroeconômica. O BC e o Ministério da Fazenda têm de cuidar da inflação, da calibragem
da economia para manter a estabilidade e o controle sobre as
expectativas de inflação.
Tenho uma tarefa importante que é ajudar a sustentação do
investimento, de tal maneira
que não se formem pressões inflacionárias generalizadas.
Mantida a confiança e a sustentação do crescimento, em algum momento futuro o
BNDES poderá repensar o seu
perfil de financiar coisas que tipicamente o mercado não financia bem. Neste momento, o
BNDES está sobrecarregado.
FOLHA - Neste momento o BNDES
precisa atuar na função de manter
essa taxa de investimento subindo
para evitar gargalos inflacionários.
Quais os setores que o senhor identifica em que o BNDES precisa atuar?
COUTINHO - Os setores-chave
são os chamados de insumos de
amplo uso industrial, os insumos básicos, porque eles têm
um peso importante na formação de custos de vários setores.
FOLHA - Há uma grande dúvida se
vocês terão condições de ter os recursos necessários, como para bancar as metas da política industrial. O ministro Miguel Jorge (Desenvolvimento) disse que o banco terá até R$
250 bilhões para financiá-la.
COUTINHO - Bom, acho que ele
está incluindo nosso orçamento de R$ 80 bilhões nos próximos três anos. Não é uma conta
discrepante. Conto com a ajuda
do ministro Miguel Jorge para
ajudar o banco a chegar nos duzentos e tantos bilhões de reais.
Existem mecanismos para chegar, mas não posso falar de mecanismos que ainda estão em
estudo. Uma parte disso pode
vir de "funding" de mercado.
FOLHA - O banco pode fazer um
grande desinvestimento?
COUTINHO - Uma parte pode vir
de captação de mercado, pode
vir de captação externa, de desinvestimento. Parte pode vir
de desinvestimento da carteira,
parte pode vir de outras fontes.
FOLHA - Quando se observa o balanço do banco nos últimos meses,
as exportações caem sucessivamente. A nova política industrial vai criar
algum mecanismo no banco de estímulo à exportação?
COUTINHO - Não posso falar sobre a nova política industrial,
mas posso dizer que a política
industrial tem entre seus componentes o apoio a exportação.
FOLHA - A queda no superávit da
balança comercial preocupa num
cenário de médio e longo prazo, podendo reverter o quadro atual?
COUTINHO - Assustou a velocidade de deterioração da conta
comercial. E há uma certa percepção nossa de que existiram
fatores conjunturais que deram
uma impressão mais alarmante
do que de fato imagino. Mas isso no curto prazo. Obviamente
no médio e longo prazo é importante não permitir uma expansão do déficit em conta corrente para níveis que representem uma retomada de um processo de endividamento em
moeda forte acelerado. Porque
isso irá, a médio prazo, desfazer
a robustez externa recém-conquistada. Se ingressar num
processo acelerado de endividamento continuado, vai desfazer a robustez externa, que foi
crucial para estabilizar a taxa
de câmbio, para o controle das
próprias condições de operação
da política monetária.
Então, há uma cautela que
deve ser pensada. Um dos fatores será reforçar a capacidade
competitiva, exportadora do
Brasil por meio de medidas da
política industrial. Outras medidas deverão ser pensadas, como evitar que o déficit de conta
corrente cresça de forma continuada e exagerada. Aí há um
antídoto que é o próprio regime
de câmbio flutuante. Ele tem a
grande vantagem de estabelecer um piso para a apreciação
do câmbio na medida em que o
déficit em conta corrente aumente. O próprio mercado tende a corrigir.
FOLHA - O FMI alertou de que o
Brasil deveria se preocupar com suas
contas externas, diante do risco de
juros mais altos criarem um problema maior para o câmbio. Como o sr.
disse, o câmbio flutuante tende a
ajustar a taxa cambial, mas com juros elevados isso pode levar mais
tempo do que o necessário?
COUTINHO - Eu tenho idéias a
respeito, mas não vou me estender sobre elas. Eu acho essa
uma boa pergunta para o ministro Guido Mantega e para
Henrique Meirelles.
FOLHA - Qual é a sua boa resposta?
COUTINHO - O que eu posso dizer é que nós estaremos remando com toda nossa força para
ajudar no sentido de mitigar o
problema, para evitá-lo. O que
podemos fazer? Apoiar fortemente a exportação.
FOLHA - No Palácio do Planalto, já
há quem lembre aquela frase do
economista Mário Henrique Simonsen, "inflação aleija, mas câmbio
mata". Está chegando a esse risco?
COUTINHO - Não, estamos longe. O déficit em conta corrente
projetado para este ano vai chegar no máximo a 1%. É um déficit pequeno, não pode é deixar
ele ficar aumentando.
FOLHA - Mas, quando o sr. disse
que ele assustou...
COUTINHO - Foi mais pela velocidade. O que acho é que a médio e longo prazos não é bom
permitir uma abertura continuada do déficit. Um déficit
crescente, que represente um
processo crescente e continuado de necessidade de endividamento externo, é perigoso.
FOLHA - Em que estágio da crise financeira americana ainda estamos?
COUTINHO - Ainda há um rescaldo que durará um bom tempo. O que está mais ou menos
claro é que a economia americana já se desacelerou, vai passar por um período de desaquecimento, de recessão talvez. A
dúvida fundamental é calcular
o rebatimento da crise sobre o
resto da economia internacional. Algum rebatimento haverá, na medida em que 20% da
economia chinesa depende de
exportação. Acho que um desaquecimento moderado pode
ser até bom para a economia
brasileira porque vai moderar
as pressões das commodities,
que têm sido um fator preocupante de controle inflacionário.
É possível que tenhamos um
cenário global menos favorável,
mas não é catastrófico. Nesse
cenário, o quadro de liquidez
internacional será muito favorável, porque, para administrar
a crise americana, será necessário a sustentação de juros
muito baixos. Isso significa que
a liquidez pode passar por ciclos muito seletivos, de estresse, mas estruturalmente o
mundo será de grande liquidez.
Nesse contexto, a economia
que demonstrar capacidade de
crescimento vai atrair capitais
e se descolar. Tenho a percepção de que o Brasil pode se descolar do ciclo, como a China. E
por quê? Por uma coisa relativamente intuitiva, depois de 25
anos de investimento travado,
criamos uma carteira de investimentos necessários, de alto
retorno e risco relativamente
baixo.
FOLHA - Qual a expectativa do sr.
para a decisão do Copom?
COUTINHO - É um prognóstico
difícil. Como colega de governo, eu acho que o Copom tem
toda autonomia para decidir e
eu não devo opinar sobre isso.
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