São Paulo, quarta-feira, 14 de abril de 2010

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ALEXANDRE SCHWARTSMAN

A culpa dos outros


Se a política fiscal fosse de fato anticíclica, veríamos agora forte esforço de redução de gasto; o BC pagará a conta

QUANDO A inflação se acelera, ocorre também uma inflação de desculpas: ou choveu demais (ou de menos), ou o preço do tomatinho subiu, ou ainda era o gramado que estava pesado. Em nenhum momento se admite que possa ocorrer algum processo sistemático que explique as variações da taxa de inflação. A impressão é que se trata de um conjunto de acidentes que guardam entre si pouca relação.
No entanto, caso a elevação de preços derivasse da combinação de vários choques aleatórios de preços, alguns subindo, outros caindo, o comportamento temporal da inflação deveria ser muito diferente daquilo que os dados mostram. Num caso extremo, a inflação oscilaria ao redor de zero. Em casos menos exagerados, poderíamos até registrar valores diferentes de zero, mas não elevação ou queda contínua da inflação.
Na prática, não observamos nada que se assemelhe a isso. Há períodos de redução continuada da inflação, bem como momentos de aceleração duradoura. Concretamente é muito difícil conciliar a visão "acidental" do processo inflacionário, que atribui sua variação ao efeito de choques, com a observação de movimentos persistentes da taxa de inflação em ambas as direções. Pelo contrário, isso parece indicar que há causas mais profundas, sistemáticas, do comportamento da inflação, a menos que alguém decida acreditar que, de tempos em tempos, os acidentes resolvam ocorrer todos do mesmo lado.
Uma alternativa é a visão que atribui as variações da taxa de inflação ao nível de "folga" sob o qual a economia opera. Assim, em situações de elevada ociosidade de capital e trabalho, a inflação tenderia a cair (sob certas condições, em particular expectativas estáveis de inflação). Simetricamente, quando o desemprego se reduz e a utilização da capacidade cresce, não apenas salários tendem a subir mas os custos também são pressionados. Empresas podem, de fato, criar um terceiro turno, como muitos argumentam, para aumentar a produção; o difícil é convencê-las a não cobrar mais por isso.
Essa tese parece explicar muito bem o comportamento da inflação no país, em particular para o período pós-2005, quando as expectativas inflacionárias ficaram mais bem ancoradas ao redor da meta, como mostrado no gráfico. Definindo o grau de utilização de recursos como a média ponderada do nível de utilização de capacidade na indústria e a taxa de desemprego, observamos que as flutuações dessa variável antecipam em cerca de seis meses as variações da inflação.
Visto dessa forma, não há nada de acidental na aceleração recente dos preços. A rápida superação da crise praticamente eliminou a folga criada no fim de 2008 e já estamos próximos de níveis de utilização de recursos que pressionam a inflação. Fosse, como já se afirmou, a política fiscal genuinamente anticíclica, veríamos agora um forte esforço de redução de gasto, o que certamente não ocorrerá. O BC pagará a conta e sofrerá as críticas, enquanto os responsáveis seguirão culpando as intempéries e o estado do gramado, mas jamais seu próprio comportamento.


ALEXANDRE SCHWARTSMAN , 47, é economista-chefe do Grupo Santander Brasil, doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.

Internet: http://www.maovisivel.blogspot.com/

alexandre.schwartsman@hotmail.com


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