São Paulo, quarta-feira, 14 de maio de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

O tutu da política industrial


Ferrovias e estaleiros estão entre beneficiários; MPs mostram que planos antigos de Lula não saíram do papel

A BARAFUNDA de medidas de política industrial exige uma equipe de hermeneutas e exegetas para que se entenda direito quem leva o quê. O governo fala de bilhões quando divulga o plano. Dias ou horas depois, pouca atenção se presta aos benefícios embutidos em dezenas de parágrafos de leis e mexidinhas em alíquotas de impostos e reduções de taxas de juros.
Uma das medidas provisórias da Política de Desenvolvimento Produtivo, nome oficial da nova política industrial de Lula, trata de coisas tão diversas como navegação de cabotagem e ferrovias, softwares e máquinas e equipamentos pesados.
Uma lei da política industrial de 2004, de apoio à modernização dos portos, passa a valer para fabricantes de material ferroviário e, curioso, também para concessionários de transporte ferroviário -a Receita Federal decidirá sobre os beneficiários. Mas empresas como a América Latina Logística (ALL) e a MRS (da CSN, Gerdau, Vale etc.) e outras transportadoras ferroviárias são candidatas às isenções de impostos da Lei do Reporto, uns R$ 2,6 bilhões.
Apenas para a memória do capital no Brasil: a ALL foi a empresa que comprou a Brasil Ferrovias. A Brasil Ferrovias era parte da RFFSA, privatização tucana das mais porcas, empresa falida que, para variar, acabou na conta de fundos de pensão e BNDES (a ALL nada tem a ver com o rolo). Trata-se só de uma lembrança de como estatais e dinheiros públicos vão, vêm e acabam se reencontrando, como num caso de novela.
Noutra MP, cria-se o Fundo de Garantia para a Construção Naval, que dá garantias aos empréstimos do Fundo de Marinha Mercante (FMM, que tem 50 anos), constituído por taxas sobre fretes, dinheiro do Tesouro e, a depender da procura, de dinheiro do FAT, via BNDES.
Taxas de juros: de 2,5% a 5% ao ano, com prazos de mais de 20 anos. Construir navios no Brasil pode ser uma boa coisa, assim como equipar empresas nacionais de marinha mercante. O país gasta bilhões em fretes, pois o transporte de mercadorias é quase todo estrangeiro. O FMM emprestou R$ 880 milhões em 2007. Tinha mais dinheiro (neste ano podem ser R$ 2 bilhões), mas faltava demanda, pois os estaleiros não conseguiam as garantias.
Muito bom ter uma indústria naval. Mas é preciso ficar de olho para os papagaios não caírem no colo do público. Nos anos 80, os estaleiros foram acusados de levantar empréstimos para fazer navios inexistentes e superfaturados. Deu num rolo de bilhões, o escândalo da Sunamam (Superintendência Nacional de Marinha Mercante), que geria o FMM.
Outro dinheiro gordo iria para o natimorto Revitaliza, plano de redução de impostos e juros subsidiados para empresas exportadoras intensivas em mão-de-obra (que gastam muito em salário), com juros de uns 7% e desconto de 20% para quem pagasse em dia. Era um auxílio para empresas de couro e calçados, têxteis, roupas e móveis, criado em junho de 2007, com subsídio de R$ 1 bilhão bancado pelo Tesouro e R$ 3 bilhões de crédito via BNDES e FAT.
Foi chamado de "pacote das vítimas do câmbio". Até o final do ano passado, não havia sido regulamentado. Agora, vai, diz o governo, e o programa será ampliado para R$ 9 bilhões. Vai? E quem vai tomar conta?

vinit@uol.com.br


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