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Negócio da VarigLog pode ser anulado, diz Zuanazzi
Segundo ex-presidente, dois pareceres da Agência Nacional de Aviação Civil prevêem a possibilidade de que seja feita uma revisão
Contrato de gaveta tem como justificar que venda seja desfeita, afirma ex-Anac
ELIANE CANTANHÊDE
EM SÃO PAULO
O ex-presidente da Anac
(Agência Nacional de Aviação
Civil), Milton Zuanazzi, declarou que a descoberta de que havia um contrato de gaveta entre
a Volo do Brasil e a Volo LLC,
do fundo norte-americano Matlin Patterson, pode justificar a
anulação da compra da VarigLog, que foi o primeiro passo
do longo processo que chegou à
venda da Varig para a Gol. Há
dois pareceres da agência prevendo a possibilidade de revisão do contrato.
"Nas duas decisões, a do procurador [geral da Anac] João
Ilídio e a ratificação de 29 de
agosto, do dr. Joseph Barat [diretor], está dito que, se apresentarem qualquer prova que
justifique, a Anac pode reverter
a decisão [de aprovar o negócio]", disse Zuanazzi à Folha.
E insinuou: "Por uma questão meramente ética, não quero dizer o que a atual direção da
Anac deve fazer. Mas posso dizer que os dois pareceres foram
preventivos, os fatos estão aí e
cada um que proceda como
achar que deve proceder".
A Volo do Brasil, com três sócios brasileiros e um "empréstimo" internacional, sonegou a
informação do contrato de gaveta à autoridade brasileira, e
esse contrato caracteriza que
na verdade a empresa tinha
94% de capital estrangeiro à
época. A lei do Brasil limita a
20% o capital externo no setor.
Zuanazzi reconheceu que
houve um enorme desgaste para um efeito duvidoso, já que a
Varig está mal, suas rotas para
EUA e Europa foram canceladas, a Gol tem tido prejuízo
com o negócio e os sócios da
Volo guerreiam na Justiça.
"Pode ser que a Denise
[Abreu, que era contra salvar a
Varig] tivesse razão, mas em tese, e a Anac não poderia discutir teses. Dentro de uma operação daquele porte, não se poderia prever o futuro. Quem sabe
daqui a 50 anos eu possa escrever um livro sobre isso?"
A seguir, trechos da entrevista, realizada na quinta-feira,
num escritório em São Paulo.
FOLHA - O governo chegou a lavar
as mãos para a falência da Varig e
depois agiu para salvá-la. Por quê?
MILTON ZUANAZZI - A Varig ingressou na recuperação judicial
em 2005, mas o plano de salvamento só ocorreu em fevereiro
de 2006. O plano foi de fevereiro, a Anac foi criada em março.
Até então, não tinha nenhuma
decisão, nem do juiz Luiz Roberto Ayoub de que não haveria
sucessão fiscal e trabalhista.
Quem compraria uma empresa
com uma dívida que se calculava acima de R$ 7 bilhões e um
patrimônio que não chegava a
R$ 2 bilhões? Quem? O primeiro ato do dr. Ayoub, tentando
viabilizar a não-sucessão foi em
25 de abril. Mesmo assim, houve uma divergência imensa.
Mas pergunta era: quer-se ou
não salvar a Varig? Ora, com a
não-sucessão das dívidas, o juiz
abriu ali o caminho.
FOLHA - Para aventureiros?
ZUANAZZI - Não era para aventureiros. Porém, na maioria das
empresas, o medo não havia sido vencido, porque um juiz de
primeira instância tinha tomado a decisão. Um advogado não
é obrigado a achar que a decisão
é um trânsito em julgado.
FOLHA - Muito menos um empresário pragmático e sério.
ZUANAZZI - Claro, ele tem receio porque, se tem sucessão e
ele acha que não tem, ele leva
um rombo que pode até quebrar a empresa dele.
FOLHA - Então, o sr. concorda que
quem aceita é aventureiro?
ZUANAZZI - Negativo.
FOLHA - Quem paga as dívidas trabalhistas e fiscais?
ZUANAZZI - E se ela falisse,
quem pagaria? Ninguém.
FOLHA - E os ofícios da Denise pedindo explicações sobre os três sócios brasileiros da Volo?
ZUANAZZI - As exigências que fizemos na troca de ações da VarigLog o antigo DAC [antecessor da Anac] jamais fez, e elas
foram feitas pela relatora, a dra.
Denise, que fez por sua conta,
foi impetuosa. Mesmo assim,
levei à diretoria para consolidar
uma posição, que é o que ela deveria ter feito e não fez. A VarigLog entrou na Justiça contra
nós, justamente porque aumentamos os rigores.
FOLHA - A Denise diz que nunca
responderam os ofícios à Volo do
Brasil pedindo explicações sobre o
capital dos sócios. Por quê?
ZUANAZZI - Foi tudo visto. Essa
é uma versão totalmente errada que está na mídia. Basta
olhar o parecer da SSA [Superintendência de Serviços Aéreos da Anac].
FOLHA - Eu tenho um resumo do
parecer aqui, e ele diz que o equivalente a 94% do capital da Volo do
Brasil na verdade é da Volo LCC, do
Matlin Patterson.
ZUANAZZI - Não, não. Você faz
um enxerto (sic). Leia mais
adiante, onde diz que, portanto,
é necessário um contrato de
mútuo, ou seja, o dinheiro estrangeiro só pode entrar por
empréstimo. O único senão da
SSA era o IR pessoa física de um
sócio, que se negava a apresentar, alegando sigilo fiscal. Daí
nós chamamos a Procuradoria
Geral da Anac.
FOLHA - Como o procurador fez o
parecer em menos de 24 horas?
ZUANAZZI - Qual o problema, se
você sabe que a Varig vai falir?
Por que você vai deixar uma
empresa nacional falir, se o juiz
está te dizendo que ela não tem
mais capacidade operacional e
se está nos autos a perspectiva
de novo leilão?
FOLHA - Olhando olho no olho, o sr.
acreditava e acredita que os três sócios brasileiros tinham mesmo capital nacional para uma empreitada
daquelas? E que o leilão foi formatado para eles?
ZUANAZZI - O contrato de mútuo, com empréstimo, deu esse
capital para eles.
FOLHA - Quem estava comprando
a VarigLog para comprar a Varig,
eram eles ou o Matlin Patterson?
ZUANAZZI - Eles estão discutindo isso na Justiça de São Paulo,
porque agora eles brigaram. Pela Anac, o capital era estrangeiro, mas com contrato de mútuo. Está no processo.
FOLHA - Eles tinham cacife para pagar esse empréstimo?
ZUANAZZI - Iriam pagar com a
operação da VarigLog.
FOLHA - Se desse certo... Senão, o
Matlin Patterson é um fundo bobo
que poderia entrar pelo cano?
ZUANAZZI - Isso é problema deles. O que nós tínhamos que garantir é que o capital estava nacionalizado, e isso nós garantimos -80% estava nacionalizado. Apesar de essa lei [Código
Brasileiro de Aeronáutica, que
limita o capital estrangeiro em
20% do setor] ser uma lei ultrapassada, até pela própria Constituição, nós seguimos à risca.
FOLHA - Se é tão fácil, por que não
houve resposta ao ofício da Denise?
ZUANAZZI - Porque eles entraram na Justiça, eles, a Volo do
Brasil, o escritório do dr. Roberto Teixeira. Nossa relação
com o dr. Teixeira foi inteiramente de litígio. Como podemos ser influenciados por alguém com quem litigamos?
FOLHA - Com quem o sr. falava ao
telefone durante a reunião decisiva
da Anac na Defesa, em 23 de junho?
ZUANAZZI - Não falei naquele
dia com a Dilma. Nem antes
nem depois. Falei uma vez com
a Erenice. Qual o problema? A
Anac decidiu soberanamente.
A Denise diz que escutou uma
voz de mulher, mas ela só poderia escutar se estivesse no viva
voz, e não estava. É sem sentido. E se fosse a minha mulher?
Não dá para trabalhar com a
ilação da ilação da ilação.
FOLHA - Com quem o sr. acertou a
reunião decisiva da Anac na Defesa?
ZUANAZZI - Conversei com o dr.
Ayoub na segunda, dia 19 (de
junho de 2006), e ele disse que
a Varig tinha fôlego para voar
até sexta-feira ou sábado, não
mais que isso. Era o prazo fatal.
No dia 21, ele comunicou que
surgiu a perspectiva de um novo leilão. Avisei o governo.
FOLHA - A Denise, publicamente,
insinua que o sr. foi o pivô de uma
operação para manipular a lei para
tentar salvar a Varig.
ZUANAZZI - Eu desconfio muito
daqueles que se utilizam da
procrastinação jurídica constantemente, porque, às vezes,
procrastinar tem outros interesses. Ali se tratava do seguinte: ou aprovávamos naquela
sexta-feira, ou a Varig morria.
FOLHA - Há insinuações de que Denise seria lobista da TAM.
ZUANAZZI - Eu não faço essa
acusação. A Denise nunca negou, e eu respeito, que ela era a
favor da falência da Varig.
Achava que a empresa não tinha mais como sobreviver.
FOLHA - Por algum interesse?
ZUANAZZI - Não posso negar
nem afirmar.
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