São Paulo, sábado, 14 de junho de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Negócio da VarigLog pode ser anulado, diz Zuanazzi

Segundo ex-presidente, dois pareceres da Agência Nacional de Aviação Civil prevêem a possibilidade de que seja feita uma revisão

Contrato de gaveta tem como justificar que venda seja desfeita, afirma ex-Anac


ELIANE CANTANHÊDE
EM SÃO PAULO

O ex-presidente da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), Milton Zuanazzi, declarou que a descoberta de que havia um contrato de gaveta entre a Volo do Brasil e a Volo LLC, do fundo norte-americano Matlin Patterson, pode justificar a anulação da compra da VarigLog, que foi o primeiro passo do longo processo que chegou à venda da Varig para a Gol. Há dois pareceres da agência prevendo a possibilidade de revisão do contrato.
"Nas duas decisões, a do procurador [geral da Anac] João Ilídio e a ratificação de 29 de agosto, do dr. Joseph Barat [diretor], está dito que, se apresentarem qualquer prova que justifique, a Anac pode reverter a decisão [de aprovar o negócio]", disse Zuanazzi à Folha.
E insinuou: "Por uma questão meramente ética, não quero dizer o que a atual direção da Anac deve fazer. Mas posso dizer que os dois pareceres foram preventivos, os fatos estão aí e cada um que proceda como achar que deve proceder".
A Volo do Brasil, com três sócios brasileiros e um "empréstimo" internacional, sonegou a informação do contrato de gaveta à autoridade brasileira, e esse contrato caracteriza que na verdade a empresa tinha 94% de capital estrangeiro à época. A lei do Brasil limita a 20% o capital externo no setor.
Zuanazzi reconheceu que houve um enorme desgaste para um efeito duvidoso, já que a Varig está mal, suas rotas para EUA e Europa foram canceladas, a Gol tem tido prejuízo com o negócio e os sócios da Volo guerreiam na Justiça.
"Pode ser que a Denise [Abreu, que era contra salvar a Varig] tivesse razão, mas em tese, e a Anac não poderia discutir teses. Dentro de uma operação daquele porte, não se poderia prever o futuro. Quem sabe daqui a 50 anos eu possa escrever um livro sobre isso?" A seguir, trechos da entrevista, realizada na quinta-feira, num escritório em São Paulo.

 

FOLHA - O governo chegou a lavar as mãos para a falência da Varig e depois agiu para salvá-la. Por quê?
MILTON ZUANAZZI
- A Varig ingressou na recuperação judicial em 2005, mas o plano de salvamento só ocorreu em fevereiro de 2006. O plano foi de fevereiro, a Anac foi criada em março. Até então, não tinha nenhuma decisão, nem do juiz Luiz Roberto Ayoub de que não haveria sucessão fiscal e trabalhista.
Quem compraria uma empresa com uma dívida que se calculava acima de R$ 7 bilhões e um patrimônio que não chegava a R$ 2 bilhões? Quem? O primeiro ato do dr. Ayoub, tentando viabilizar a não-sucessão foi em 25 de abril. Mesmo assim, houve uma divergência imensa. Mas pergunta era: quer-se ou não salvar a Varig? Ora, com a não-sucessão das dívidas, o juiz abriu ali o caminho.

FOLHA - Para aventureiros?
ZUANAZZI
- Não era para aventureiros. Porém, na maioria das empresas, o medo não havia sido vencido, porque um juiz de primeira instância tinha tomado a decisão. Um advogado não é obrigado a achar que a decisão é um trânsito em julgado.

FOLHA - Muito menos um empresário pragmático e sério.
ZUANAZZI
- Claro, ele tem receio porque, se tem sucessão e ele acha que não tem, ele leva um rombo que pode até quebrar a empresa dele.

FOLHA - Então, o sr. concorda que quem aceita é aventureiro?
ZUANAZZI
- Negativo.

FOLHA - Quem paga as dívidas trabalhistas e fiscais?
ZUANAZZI
- E se ela falisse, quem pagaria? Ninguém.

FOLHA - E os ofícios da Denise pedindo explicações sobre os três sócios brasileiros da Volo?
ZUANAZZI
- As exigências que fizemos na troca de ações da VarigLog o antigo DAC [antecessor da Anac] jamais fez, e elas foram feitas pela relatora, a dra. Denise, que fez por sua conta, foi impetuosa. Mesmo assim, levei à diretoria para consolidar uma posição, que é o que ela deveria ter feito e não fez. A VarigLog entrou na Justiça contra nós, justamente porque aumentamos os rigores.

FOLHA - A Denise diz que nunca responderam os ofícios à Volo do Brasil pedindo explicações sobre o capital dos sócios. Por quê?
ZUANAZZI
- Foi tudo visto. Essa é uma versão totalmente errada que está na mídia. Basta olhar o parecer da SSA [Superintendência de Serviços Aéreos da Anac].

FOLHA - Eu tenho um resumo do parecer aqui, e ele diz que o equivalente a 94% do capital da Volo do Brasil na verdade é da Volo LCC, do Matlin Patterson.
ZUANAZZI
- Não, não. Você faz um enxerto (sic). Leia mais adiante, onde diz que, portanto, é necessário um contrato de mútuo, ou seja, o dinheiro estrangeiro só pode entrar por empréstimo. O único senão da SSA era o IR pessoa física de um sócio, que se negava a apresentar, alegando sigilo fiscal. Daí nós chamamos a Procuradoria Geral da Anac.

FOLHA - Como o procurador fez o parecer em menos de 24 horas?
ZUANAZZI
- Qual o problema, se você sabe que a Varig vai falir? Por que você vai deixar uma empresa nacional falir, se o juiz está te dizendo que ela não tem mais capacidade operacional e se está nos autos a perspectiva de novo leilão?

FOLHA - Olhando olho no olho, o sr. acreditava e acredita que os três sócios brasileiros tinham mesmo capital nacional para uma empreitada daquelas? E que o leilão foi formatado para eles?
ZUANAZZI
- O contrato de mútuo, com empréstimo, deu esse capital para eles.

FOLHA - Quem estava comprando a VarigLog para comprar a Varig, eram eles ou o Matlin Patterson?
ZUANAZZI
- Eles estão discutindo isso na Justiça de São Paulo, porque agora eles brigaram. Pela Anac, o capital era estrangeiro, mas com contrato de mútuo. Está no processo.

FOLHA - Eles tinham cacife para pagar esse empréstimo?
ZUANAZZI
- Iriam pagar com a operação da VarigLog.

FOLHA - Se desse certo... Senão, o Matlin Patterson é um fundo bobo que poderia entrar pelo cano?
ZUANAZZI
- Isso é problema deles. O que nós tínhamos que garantir é que o capital estava nacionalizado, e isso nós garantimos -80% estava nacionalizado. Apesar de essa lei [Código Brasileiro de Aeronáutica, que limita o capital estrangeiro em 20% do setor] ser uma lei ultrapassada, até pela própria Constituição, nós seguimos à risca.

FOLHA - Se é tão fácil, por que não houve resposta ao ofício da Denise?
ZUANAZZI
- Porque eles entraram na Justiça, eles, a Volo do Brasil, o escritório do dr. Roberto Teixeira. Nossa relação com o dr. Teixeira foi inteiramente de litígio. Como podemos ser influenciados por alguém com quem litigamos?

FOLHA - Com quem o sr. falava ao telefone durante a reunião decisiva da Anac na Defesa, em 23 de junho?
ZUANAZZI
- Não falei naquele dia com a Dilma. Nem antes nem depois. Falei uma vez com a Erenice. Qual o problema? A Anac decidiu soberanamente. A Denise diz que escutou uma voz de mulher, mas ela só poderia escutar se estivesse no viva voz, e não estava. É sem sentido. E se fosse a minha mulher? Não dá para trabalhar com a ilação da ilação da ilação.

FOLHA - Com quem o sr. acertou a reunião decisiva da Anac na Defesa?
ZUANAZZI
- Conversei com o dr. Ayoub na segunda, dia 19 (de junho de 2006), e ele disse que a Varig tinha fôlego para voar até sexta-feira ou sábado, não mais que isso. Era o prazo fatal. No dia 21, ele comunicou que surgiu a perspectiva de um novo leilão. Avisei o governo.

FOLHA - A Denise, publicamente, insinua que o sr. foi o pivô de uma operação para manipular a lei para tentar salvar a Varig.
ZUANAZZI
- Eu desconfio muito daqueles que se utilizam da procrastinação jurídica constantemente, porque, às vezes, procrastinar tem outros interesses. Ali se tratava do seguinte: ou aprovávamos naquela sexta-feira, ou a Varig morria.

FOLHA - Há insinuações de que Denise seria lobista da TAM.
ZUANAZZI
- Eu não faço essa acusação. A Denise nunca negou, e eu respeito, que ela era a favor da falência da Varig. Achava que a empresa não tinha mais como sobreviver.

FOLHA - Por algum interesse?
ZUANAZZI
- Não posso negar nem afirmar.


Texto Anterior: Vaivém das commodities
Próximo Texto: Para especialistas, anulação pode beneficiar Gol
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.