São Paulo, terça-feira, 14 de setembro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Pacote de bondades

BENJAMIN STEINBRUCH

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso fez uma palestra em agosto para sociólogos de Berkeley, na Califórnia. No meio da conferência, cujo tema era o futuro do neoliberalismo no Brasil e na América Latina, ele saiu do texto e disse o seguinte: "Precisamos expandir os impostos, embora a idéia não seja popular".
Segundo relato da jornalista Leda Beck, esse foi o momento de maior sucesso na conferência, cuja platéia era formada majoritariamente por representantes da esquerda americana. A frase não condiz muito com o discurso neoliberal que dominou o governo passado, mas reflete aquilo que se deu na prática durante o período FHC. A carga tributária bruta no Brasil, que era de 25,8% do PIB em 1993, subiu para 29,4% em 1995, primeiro ano de FHC, depois foi para 31,7% em 1999 e para 35,6% em 2002. Neste ano, segundo estimativas, deve ficar em torno de 37%.
Governos adoram aumentar impostos, a despeito da impopularidade dessa medida e de seus discursos sempre favoráveis à redução da carga tributária. O presidente Lula, durante a campanha eleitoral e no programa do PT, jurou de pés juntos não aumentar a carga. Mas, mesmo assim, descumpriu a promessa. No ano passado, o governo manteve congelada a tabela do Imposto de Renda, o que elevou a carga sobre a classe média em R$ 3 bilhões. Ao mesmo tempo, elevou a alíquota da Cofins de 3% para 7,6%. Feita sob o pretexto de acabar com a cumulatividade da Cofins, uma velha reivindicação das empresas, essa medida acabou promovendo um aumento de arrecadação de R$ 10 bilhões neste ano.
Volto ao tema da carga tributária por sugestão de leitores. Em artigo em agosto (Folha, 17/8), propus que o país deveria preferencialmente olhar para a frente e projetar seu futuro, e não ficar o tempo todo remoendo erros do passado. Ao ler isso, alguns leitores enviaram e-mails nos quais lembraram que o país poderá crescer muito mais rapidamente se houver uma redução de impostos.
O momento, de fato, é propício para essa ousadia. A economia voltou a crescer, o que eleva naturalmente a receita pública e abre espaço para desoneração de alguns setores altamente prejudicados pela carga de impostos. Reconheça-se que, nos últimos meses, até envergonhado com o crescimento espantoso da arrecadação federal, que de janeiro a julho superou as previsões mais otimistas em R$ 5 bilhões, o governo cortou alguns impostos. Baixou o IPI sobre bens da capital de 5% para 2%, excluiu as receitas financeiras do pagamento de PIS-Cofins, criou uma escala que diminui o IR das aplicações financeiras com prazo superior a um ano e ampliou isenções tributárias sobre letras hipotecárias para estimular a construção civil.
Esse "pacote de bondades", como foi apelidado pela imprensa, deve representar uma renúncia fiscal de R$ 3 bilhões. "Renúncia", na verdade, não é uma palavra ideal. Melhor seria chamar isso de "adiamento fiscal", porque os estímulos que essas reduções darão à atividade econômica certamente permitirão que os cofres públicos recuperem esses recursos um pouco mais à frente.
O crescimento sustentado da economia vai depender da capacidade do governo de persistir nas "bondades". A tentação de taxar é terrível. Há poucas semanas, por exemplo, o presidente Lula anunciou um aumento da contribuição previdenciária das empresas de 20% para 20,6% para cobrir gastos com um "esqueleto" do INSS. Felizmente, o presidente Lula voltou atrás ao se defrontar com resistências no Congresso.
Não pode ficar para as calendas, por exemplo, a já anunciada intenção de criar um regime tributário especial para pré-empresas, negócios muito pequenos com faturamento anual de até R$ 36.000. Nesses casos, as pré-empresas não pagariam nenhum imposto federal, exceto a Previdência, o que eliminaria quase por completo a burocracia tributária e poderia trazer milhões de pequenos negócios para a formalidade. Estima-se que existam cerca de 12 milhões de microempresas totalmente informais, que empregam 15 milhões de pessoas e que não recolhem nenhum tributo, nem a Previdência.
O ex-presidente do Banco Central no governo FHC Armínio Fraga está sentindo na pele o quanto a carga tributária, a burocracia e a concorrência das empresas informais prejudicam os negócios no país. Ele abriu um café no Rio e, embora animado com a nova atividade, reclamou: "Empresas como a nossa, que fazem tudo certinho, enfrentam uma concorrência difícil; o país precisa de uma reforma que simplifique os custos e a tributação em geral". Falou!


Benjamin Steinbruch, 50, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional e presidente do conselho de administração da empresa.
E-mail - bvictoria@psi.com.br


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